Contribuição do leitor Eleazar de Castro Ribeiro

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Precisei esperar por um século para ver um Beatle ao vivo, desde quando, ainda criança, ouvia meus irmãos e amigos cantarolarem as músicas do Fab Four. Meu pai espremeu o orçamento e comprou uma radiola com um toca-disco Garrard, uma excentricidade para a classe média baixa. Mas meu pai fazia jus à herança familiar musical, do qual o maior expoente é o parente famoso de quem herdei o nome. Eu ouvia o tempo todo as canções – nem sempre com letras profundas – que fizeram nossa infância e juventude ser mais espontânea e feliz. As versões, musicadas pelo “conjunto” (naquela época não era banda) Renato e seus Blue Caps, nos ajudavam a entender as letras, mas sem a mesma mística musical dos “Besouros”. Era uma época de esperança e otimismo. O Brasil era considerado o país do futuro para os europeus, oriundos de duas devastadoras guerras e pessimistas em relação à condição humana. Os Beatles traduziam essa esperança de renascimento da vida. Reuniam aquilo que é indispensável à uma banda: virtuoses musicais com talentos diversificados. Paul, com sua sensibilidade para fazer melodias com tons apaixonantes, que falam do coração humano; John, com sua rebeldia própria e discurso engajado e denunciador; George, com sua curiosidade mística, melancolia e acordes vibrantes de arrepiar em sua guitarra; e Ringo, um baterista despojado e alegre, a criança do grupo. Deles todos, certamente Paul foi o mais carismático, por ter músicas mais melodiosas e mais fáceis de entender. Ontem no show, mostrou isso com sobras: sua presença de palco é algo admirável e inspira sua banda. Sua relação com o público é natural, espontânea. Seu show fica no limite entre o essencial e o performático: nem tão sóbrio, como os shows de MPB, nem tão hollywoodiano, como as apresentações de André Rieu, que tem até cavalo no palco (embora se possa dizer como cinematográficas as explosões acompanhando o ritmo de Live and let die ontem). A música de Macca continua produzindo sonhos nos veteranos, que o ouviram em sua juventude, mas também nos jovens, que aprenderam a perceber que a boa música não tem idade e atravessa os anos. Os 70 anos de Paul lhe refinaram a sensibilidade musical e lhe garantiram saúde e muito vigor. Sua música é um bálsamo para nossas mentes cansadas de stress, corrupção e violência. Ouvir Paul é saber que sua música tem muito de John, George e Ringo. É compreender uma época dourada, mas chegar à conclusão que a beleza da poesia musicada é eterna e independe de época. E concluo com Paul, no pout pourri que encerrou o show de ontem, como uma paráfrase resumida da vida: “And in the end, the love you take, is equal to the love you make” (No final de tudo, o amor que você tem, é igual ao amor que você dá).

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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