unnamedBiógrafo de personalidades como Maysa, Getúlio Vargas e Padre Cícero, o jornalista cearense Lira Neto critica a postura de quem defende a censura de biografias não autorizadas. “Em mais de uma ocasião, os porta-vozes do Procure Saber colocaram a discussão no âmbito da questão meramente financeira, pecuniária, o que me parece um tanto quanto mesquinho”, aponta em entrevista por email. Acompanhe.

Como você recebeu a notícia de que a votação da lei das biografias não seria realizada? O que achou disso?

É lastimável que este assunto continue se arrastando de tal forma. A questão tramita em duas frentes, uma no Legislativo, outra no Judiciário. No primeiro caso, existe um projeto de lei, da autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), já aprovado nas comissões internas da Câmara dos Deputados, mas que aguarda apreciação pelo Senado Federal. No segundo caso, há uma ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal contra o artigo do Código Civil que proíbe as biografias não autorizadas, mas que também aguarda, há meses, o parecer da ministra Carmen Lúcia. Estamos emperrados nas duas frentes. É deplorável.       

Depois de toda a discussão que houve em 2013, o que aconteceu em relação às biografias, à legislação e ao mercado de biografias no Brasil?

A rigor, continuamos na estaca zero. Pela letra da lei, o gênero biográfico está terminantemente proibido no Brasil. Por outro lado, toda a celeuma em torno do assunto trouxe mais conhecimento público para o tema, ampliando o alcance da discussão e dos argumentos defendidos pelos dois lados em contenda.

Você acredita que essa discussão em torno das biografias envolveu o Brasil como um todo, ou ficou restrito aos biógrafos e ao Procure Saber?

Creio que esta foi, em última análise, a grande virtude da polêmica: trazer a controvérsia para a luz do dia, retirando-a dos desvãos do Legislativo e do Judiciário, colocando-a na pauta da imprensa, que aliás precisa insistir no assunto, uma vez que pouco ou nada avançamos, em termos de mudanças efetivas de uma lei que prevê a censura prévia em pelo regime democrático.

O principal argumento de quem é a favor de se manter a legislação tal como está é a defesa da privacidade. Dependendo do biografado, uns mais outros menos, é difícil separar o foro íntimo do que toca o interesse público. Qual deve ser o limite de um biógrafo?

O limite ético do biógrafo é a busca incessante pelo que convencionamos chamar de verdade. Como, é lógico, não podemos falar de uma única verdade, ou seja, de verdades absolutas, o biógrafo tem a obrigação de observar e desvendar os mecanismos pelos quais a “verdade histórica” foi sendo construída. Isso, obviamente, nem sempre interessa ao biografado e seus herdeiros. Mas é indispensável para a compreensão da própria história do país. O biógrafo mentiu? Caluniou? Que seja processado e pague nos termos da lei. O que não pode haver é censura prévia.

O Procure Saber acabou se transformando na voz dos artistas, principalmente da música, contra a mudança da legislação. Há, inclusive, críticas que dizem que o interesse do grupo vai muito além da questão das biografias ou mesmo da privacidade. Como você analisa hoje os argumentos o PS? Há alguma possibilidade de diálogo entre biógrafos e o PS?

Em mais de uma ocasião, os porta-vozes do Procure Saber colocaram a discussão no âmbito da questão meramente financeira, pecuniária, o que me parece um tanto quanto mesquinho. Djavan, em um rasgo de humor involuntário, chegou a dizer que biógrafos ganham “rios de dinheiro”. No twitter de Caetano Veloso, sua assessoria postou a seguinte pérola: “Quer escrever biografias não autorizadas? – Ok, mas então pague o biografado”. O discurso de “defesa da privacidade” encobria, nesses casos, sem dúvida, interesses de outra natureza. Estamos abertos ao diálogo, é claro, desde que a discussão seja transparente, objetiva, sem subterfúgios.

Me parece que o desligamento do Roberto Carlos do Procure Saber acabou enfraquecendo o grupo. Pouco depois, Roberto chegou a anunciar que é a favor do projeto de lei que favorece os biógrafos. Como você viu essa postura do Roberto Carlos?

É engraçado saber que Roberto Carlos se diz a favor da Lei das Biografias. Ele podia transformar meras palavras em exemplo. Para tanto, bastava liberar a biografia dele, escrita por Paulo César de Araújo. Por que não o fez?

Você chegou a ter algum problema com as biografias que lançou?

Felizmente, não. Mas devo ser um caso raro no mercado editorial. E, óbvio, isso não significa que não possa ainda vir a ter problemas. A legislação é contrária ao tipo de trabalho que faço.

Hoje seu nome é diretamente ligado às biografias. Ser reconhecido como biógrafo é bom para sua carreira ou você acha que restringe seu trabalho como jornalista?

Continuo sendo jornalista em tempo integral. Meus livros são grandes reportagens históricas. Em vez de restringir meu trabalho, escrever biografias o amplia em possibilidades. É uma forma de fazer jornalismo em profundidade, livre das amarras da limitação de tempo e de espaço típicas do trabalho em redação, por exemplo.

Já li em algum lugar (confesso que não lembro onde) que seu próximo livro não será uma biografia, mas uma grande reportagem. Isso já é reflexo dessa situação em torno das biografias? Ou era um plano anterior?

Escrever biografias virou algo temerário no Brasil. Meu próximo livro, de fato, não será uma biografia, no sentido convencional do termo.

Você já falou em entrevista (essa eu lembro que foi em Fortaleza) que prefere biografar personagens falecidos, por que é fácil demarcar o começo e o fim da história. Tomando a legislação tal qual é hoje, essa opção facilita ou dificulta a realização de um trabalho biográfico?

O colega Ruy Castro diz, em tom de blague, que biografado bom é biografado morto. E que de preferência, o biografado tenha sido estéril, incapaz de ter herdeiros diretos. No meu caso, jamais cogitei escrever a biografia de alguém vivo. Uma trajetória que não chegou ao fim é uma obra em processo.

Quais são tuas expectativas para essa questão da legislação e das biografias?

Espero, sinceramente, que esta novela tenha um fim muito em breve. É inviável dedicar cinco seis anos de sua vida para escrever uma biografia e, depois de todo o trabalho, ver seu livro subtraído das prateleiras das livrarias e nesse caso transformado, na melhor das hipóteses, em papel reciclado.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles