Fotos: Chico Alencar

Fotos: Chico Alencar

O POVO – O som do Lenine mistura influências pop com a tradição nordestina. O mesmo tipo de olhar sobre a tradição, mesmo que com resultados diferentes, foi feito uma década antes por nomes como Fagner, Ednardo, Zé Ramalho, Alceu Valença. Como nunca te ouvi falando que inventou esse ou aquele som, queria saber de que forma essa geração de compositores te influenciou?

Lenine – Não existe ineditismo que resista a uma boa pesquisa bibliográfica. Novo é aquilo que a gente esquece, por isso tem sabor de novo. Meu desejo não é inovar, é aumentar o nível do papo. É só o que eu desejo (risos). A geração anterior também sofreu de uma certa solidão. Eu também senti isso, mas tive a sorte de encontrar com algumas pessoas muito generosas que me ensinaram um outro caminho, de aposta numa coerência. E aí me remonta também ao núcleo familiar. Eu fico me lembrando do meu pai dizendo: “pergunte sempre três coisas: o que você faz? Por que você faz? E pra quem você faz?”. E isso eu nunca deixei de perguntar, mesmo antes de ousar achar que poderia ser músico, compositor ou intérprete. Isso não tem a ver com as gerações. Tem a ver com o ser humano, a tua formação, a maneira como foi criado e a maneira como você acredita nisso tudo. E também por acreditar, em decorrência disso, que eu não faço só entretenimento, cacete.

O POVO – E o que mais cabe no que você faz?

Lenine – Sabe, eu tenho um papel de educador nessa história. Ouso e prefiro acreditar que passa pela educação o que eu faço. Eu prefiro acreditar que, de cada 100 pessoas, duas, quando termina o show, depois de dançar muito e de cantar comigo, vão pra casa e “porra, cara. Ele tava falando sobre isso, isso e isso”. Que são questões que incomodam ou que comovem ao ponto de você se perguntar o que tá fazendo nesse planeta que não ta querendo muda-lo pra uma coisa melhor. Isso, eu não acho que tenha a ver com geração. Isso tem a ver com informação. De que material você é feito. Agora, evidentemente, quando você tem o desejo de fazer música, aí você vai ver o que está acontecendo em volta. E foi justamente Massafeira, Rodger Rogério, aqueles movimentos que estavam acontecendo. Tinha esse intercâmbio entre Olinda, que fazia um festival Chaminé. Eu vi Fagner a primeira vez ali. Vi Ednardo, novinho, todo cabeludo. Riponga ainda.

O POVO – O que você acha dessa noção de geração, de movimentos?

Lenine – As pessoas são levadas a falar sobre movimentos. Mas, todo movimento estético é muito segregacionista. Movimento é um bando de garoto dizendo que “ta tudo uma merda e eu é que tô fazendo a melhor coisa do mundo”. Sempre é assim. É separatista. E eu fico me perguntando é dos solitários. Onde se encaixa aí um Djavan? Onde se encaixa aí um Gonzaguinha? Onde se encaixava aí um Raul Seixas? Onde se encaixa Jorge Ben? O Brasil tem um caminhão de exemplos dos solitários. Eu tenho a impressão de que os solitários são mais solidários por causa dessa coisa. Foi difícil, tem uma hora que acontece, aí você mensura a história, aí já está resolvida uma série de coisas. Já não acreditam no que se fala, para o bem ou para o mal. Tem a coerência de saber o que faz, onde faz e por que faz, e continua sentindo o mesmo desejo e estímulo. Por que, no final das contas, para um criador, se não tiver isso, você deixa de criar. É desejo e estímulo. Rodei, rodei, rodei e nem me lembro o que você perguntou (gargalhadas).

O POVO – Estávamos falando da geração anterior à sua. Mas, eu queria pular para algumas gerações depois. Nos anos 90, você dividiu o palco com Moska, Suzano, Zeca baleiro e Chico César no projeto 5 no Palco.

Lenine – É, foi um projeto da Universidade de São Carlos (SP) que compreendia na gente montar um espetáculo do zero e isso ser exposto. Todo o processo. Todo dia você mudava a lotação do teatro, que eram 400 lugares, por núcleos de estudantes de esferas diferentes, medicina e não sei que lá. Era muito bacana isso. No final disso aí, a gente montou um espetáculo. O projeto foi tão bacana que a gente rodou São Paulo.

O POVO – Eu lembrei esse trabalho para falar sobre a geração de artistas da qual você faz parte. O que a turma de compositores dos anos 90 trouxe de novo para a música brasileira?

Lenine – É injusto falar isso aí por que eu sou um pouquinho mais velho. Eu e Suzano.

O POVO – Mas essa não é uma geração que surge forte nos anos 1990?

Lenine – Pra você (enfático). Como estou envolvido na história, eu tenho que te dizer. Na verdade é Pedro Osmar (artista paraibano) que é o mentor intelectual de um Chico César. Pedro era meu parceiro de geração. Chico é mais novo que eu (cinco anos). Agora, não faz mais diferença, mas naquele momento fazia. Então, Chico, Zeca e Moska é uma geração um pouquinho depois da minha, cronologicamente. Eu conheci Chico ainda fazendo as primeiras canções. Conheço os primórdios por que sei a alma propulsora, que foi Pedro Osmar. Pedro era mais um desse núcleo duro daqui da minha geração. Eu, Bráulio Tavares, Ivan Santos, Tadeu Mathias, Lula Queiroga, Fuba, Alex Madureira, essa é a minha geração.

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O POVO – Que impacto o disco Da lama ao caos teve na sua vida quando você o ouviu a primeira vez?

Lenine – O impacto não se deu com o disco não. O impacto se deu muito antes deles gravarem o disco, quando eu tava de passagem por Recife e fui assistir num lugar estranho pra caralho, inclusive, que era um galpão esquisito, central, no meio de uma pizzaria. Passava um corredor lá fora e tinha um puta galpão que eles estavam tocando. Foi muito impactante. No Rio de Janeiro também estavam acontecendo algumas coisas muito… (procurando palavras) Quando a gente fala no Manguebeat, e a gente já falou de movimento e eu te disse que movimento é segregacionista, o Manguebeat não é um movimento por excelência. É uma movimentação maravilhosa, por que não tinha essa unidade estética que todo mundo achava que tinha. Quando a gente fala de Nação (Zumbi), embora seja mangue, é da geração do Planet Hemp, do Rappa. Acho que esse trio aí forma uma trindade de uma música rock contemporâneo que surgiu, praticamente, juntos. Só que Chico, como estava isolado lá em Recife, formou junto com uma turma a celebração pelo fazer. Apesar das faltas de condições. O Manguebeat tem essa coisa muito bacana de se ajudar no fazer. Os caras se ajudaram e foi um grande exorcismo. Repare. Minha Recife não fede. Pro Mangue, teve que haver o exorcismo. “Recife fede”, “a lama, “o caos”, “a podridão”. Eu, como saí muito antes, o que levei de Recife não fede. Só cheira bem (risos). Então, tem diametralmente essa coisa. Como eles estavam lá, e a dificuldade de realizar era tamanha, houve um grande exorcismo. Acho belíssimo o que aconteceu com o Manguebeat, mas eu tenho que dizer que não foi um movimento. Foi uma maravilhosa e generosa movimentação, e que abrangeu não só uma expressão estética, mas muitas. A gente pega de um Lirinha a um Mestre Ambrósio, tudo é Manguebeat pra todo mundo. Mas, um é solar, o outro é lunar. Um é interiorano, o outro é litorâneo. Mas, é tudo Mangue. O genial foi isso. Foi um arquétipo. É difícil fazer, né? A gente consegue. Esse tipo de coletividade que surge com o Mangue é que foi pra mim impactante e impressionante. Se você botasse, antes do Mangue, dez caranguejo numa lata, o primeiro que tentasse subir os outros nove puxavam pra baixo. O Mangue chega exorcizando isso. Então o Mangue tem uma coisa muito mais generosa, muito mais abrangente que eu aplaudo.

O POVO – Seus discos apontam para influências e parcerias no mundo inteiro. Como é o trabalho que você desenvolve no exterior? Que impacto esse nordeste pop tem na Europa, América do Norte?

Lenine – Bacana você perguntar isso por que corre simultaneamente com o meu trabalho de uma maneira geral no Brasil. Tinha essa coisa de um diálogo, que começou já no Baque solto, com uma música contemporânea. Por que, na verdade, minha grande influência foi Milton Nascimento. Minha universidade de música foi o Clube da esquina, cara. Foi ele que me deu uma base harmônica, melódica, rítmica, chique e refinada. Aí eu descobri, já no primeiro disco e, depois, confirmei isso no Olho de peixe, esse diálogo que eu poderia estabelecer com essa contemporaneidade. Tinha gente parecida comigo espalhada pelo mundo todo e fazendo uma música contemporânea, misturando esses elementos. De lá pra cá, isso só se intensificou. E eu, realmente, faço isso, tenho vários parceiros espalhados pelo mundo. Tenho lugar pra cair em qualquer lugar desse planeta.

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About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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