Foto: Gustavo Simão/ Especial para O POVO

* Esta é uma versão estendida da matéria publicada no caderno Pause neste domingo, 21

Essa conversa começa num jardim com um pândano gigante, palmeiras da Malásia, flores e passarinhos. Mais à frente, o mar. O cenário é importante ser imaginado, já que é fonte de inspiração para a história que vem a seguir. Por ali já passaram grandes nomes da música brasileira e nasceram muitas melodias assobiáveis. Danilo Caymmi, Nonato Luiz, Daniel Jobim, Marcos Lessa, Francis e Olivia Hime são alguns dos que já estiveram ali para os saraus que Pio Rodrigues promove, sempre aos sábados, fim de tarde, quando o sol está se pondo.

E ele, mais que espectador, entrou nessa roda com suas composições. Presidente da C.Rolim Engenharia, Pio Rodrigues Neto, já há um tempo, vem dividindo seu tempo entre o trabalho de empresário e os prazeres da poesia e da música. “Estou no meio de uma virada na minha vida, onde estou saindo das operações das empresas, indo mais pra um conselho, para me dedicar a outras coisas”, explica ele nesta primeira entrevista como artista.

Dudu Falcão, Jorge Vercillo, Olívia Hime, Pio , Francis Hime e Max Viana no Rio de Janeiro (Foto: Acervo pessoal)

Como quem já vinha pensando no roteiro que o levou ao mundo das melodias, Pio Rodrigues lembra que herdou o lado empresarial do pai e a sensibilidade artística da mãe. Do lado dela, o avô, Lucas, era um comerciante que gostava de música e a avó, Pergentina, uma professora que fazia suas poesias. Eles tiveram nove filhos: cinco mulheres que tocavam piano e quatro homens que tocavam instrumentos de corda. Promoviam grandes festas, as Araujadas, e uma vez até receberam um jovem músico baiano, “muito esquisito, que só ficava sentado no muro”. Era João Gilberto.

Quanto à sua participação nessa história, Pio não lembra quando começou. Mas teve uma passagem, em um sábado qualquer, chegando da praia, quando mexeu em um diário velho e reconheceu a própria letra. “Eu só sei que nessa agenda tinha uma coisa que dizia que ‘quem não entende a morte não entende a vida’. Aí eu comecei a me soltar”, diz ele que, impressionado com a frase, seguiu escrevendo e guardando. Em outro momento, sentiu a necessidade de escrever algumas palavras. Só achou um guardanapo e começou a jogar as palavras em diagonal. Escreveu, escreveu, escreveu e quando esvaziou o que tinha na mente, o papel estava todo preenchido.

“Eu sou muito amigo do (cartunista) Mino e a gente sempre se reunia no Ponto de Luz. Uma vez eu mostrei aquelas poesias e ele disse: ‘Pio, você perdeu o direito de guardar isso só pra você, porque tem muita coisa que as pessoas vão adorar ver’. Na época, eu não queria publicar por que era presidente do CDL e não queria misturar as coisas. Não me sentia à vontade pra mostrar”, conta ele que chegou a formar o grupo Poetaria, que, além do Mino, contava com Pedro Henrique Saraiva Leão, Alcântara Macedo, Roberto Matoso e Dunga Odakan. A certeza de publicar seus insights poéticos veio depois de um problema de saúde grave que, ainda hoje, tira o sorriso do rosto de Pio.

Roberto Menescal, Pio e Danilo Caymmi em Guaramiranga (Foto: Acervo Pessoal)

Assim nasceu Trajetória, sua estreia no campo literário. “Quando tive o problema de saúde, o médico era o Pedro. Tive uma consulta com ele e falei que queria publicar o livro. Levei uns 180 temas para um bar, pedimos um vinho, e ele começou a escolher os que deveriam entrar. Ele escolheu em torno de 90, mas eu pedi pra selecionar a metade dos selecionados”. Com o livro publicado, algumas pessoas pediram pra colocar música nos poemas, entre elas Dunga Odakan. “Aí eu gostei mais dessa fruta”, fala orgulhoso.

Ex-aluno do Colégio Militar, formado engenheiro no Instituto Mackenzie (SP), escorpiano, pragmático e perfeccionista, Pio Rodrigues encontrou na arte um jeito novo de enxergar a vida. “Tudo isso entra na minha vida como um bálsamo. E essa coisa da música começou a se aprofundar. Não gosto de rima, não sou cordelista, nem estou preso a isso. Minha praia é outra, trabalho com imagens, utopias, metáforas”, fala exemplificando um oposto da rudeza matemática da engenharia. Ainda assim, ele busca mesclar seus dois mundos quando cria, na C.Rolim Engenharia, empreendimentos como o Bossa Nova e o Sinfonia, ou quando ajuda a viabilizar projetos dos parceiros.

Por falar em parceiros, certa vez, ele compôs uma música com o amigo José Macedo Barbosa chamada Maresias. Quando a esposa de Pio, Stella, ouviu a canção, soltou: “isso é Caymmi!”. O susto tomou conta da situação e o compositor pediu calma. Mas o tempo passou, houve um show de Danilo Caymmi, no Festival de Jazz & Blues de Guaramiranga, um primeiro contato envergonhado, um convite para um bate-papo e coube ao filho mais novo de Dorival gravar a faixa que abre o álbum Traço de Poeta (2008). Assim como nos saraus, o disco é um espaço de encontro para os amigos que ele fez na música: David Duarte, Tarcísio Sardinha, Dominguinhos e Adelson Viana. Jorge Vercillo, convidado para tocar no casamento da filha de Pio, também entrou.

“A alma humana tem duas vocações. A de ilha e a de ponte. Estar ilhado não significa estar sozinho. Você pode falar sempre com as mesmas pessoas, o mesmo papo, os mesmos lugares. A outra vocação é de ponte, e a ponte liga um lugar a outro, transporta coisas e pessoas. A poesia me levou pra música, foi uma ponte”, filosofa Pio que, que tem como regra transformar seus parceiros em amigos. Um deles é Francis Hime, com quem fez Tempo Feliz, presente em seu segundo disco, Traços e Abraços (2014). E a partitura do samba que solidificou essa amizade agora está emoldurada na parede.

Pio e Daniel Jobim em Guaramiranga (Foto: Acervo Pessoal)

“Hoje já me sinto fora da casca do ovo e a música tem me levado pra um universo que eu nunca imaginei que pudesse conviver”, conta Pio que já elasteceu sua lista de amigos e parceiros nessa seara, lançou um segundo livro de poemas (Travessia 60) e já tem um terceiro disco pronto, mas ainda esperando o momento de ser lançado. “Já tenho três músicas com o Francis, uma com o (Roberto) Menescal, mais duas com Adelson, uma com o Marquinhos Lessa, uma com Danilo”, enumera citando Oração, parceria com este último, a sua preferida do momento.

Se o engenheiro não pensava ser poeta, o poeta também não esperava ser compositor. Mas Pio Rodrigues encarou o desafio e hoje já fala em uma “nova fase”, quando está aprendendo a colocar letra em melodia já pronta. Pra isso, ele conta com esse rol de amizades que dividem suas largas experiências e ensinam a ele os macetes da profissão de músico. “Não imagino hoje o que seria da minha vida se não fosse esse bálsamo, essa questão da poesia, da música, das coisas novas que conheci, das amizades que hoje me nutrem de uma forma muito especial”, encerra o assunto.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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