Dedico a coluna ao parceiro Alexandre Soares

Sei que muita gente tem curiosidade de saber o papel de um produtor musical na carreira de um artista. Até mesmo alguns artistas tem essa dúvida quando estão começando, e aquele temor de que eles irão desvirtuar o trabalho, mudar o estilo ou até, no caso de compositores, rejeitar o que o artista considera sua obra-prima.

Eu divido os produtores em duas categorias, mas claro tem muita variação no tema. Os que são músicos profissionais, maestros e os que não têm treinamento musical, mas possuem um senso estético apurado, são colecionadores e ávidos espectadores de música.

Billie Holiday e seu produtor John Hammond

Quando surgiram as primeiras gravações fonográficas, a priori em estúdios de rádio, as orquestras dominavam a cena e o cantor não tinha muito poder sobre sua obra, alguém decidia a música que seria gravada geralmente num take (gravação) só, já no acetato. Com o sucesso fenomenal de alguns, os artistas começaram a botar as asas de fora querendo algum controle sobre como e o que gravar. A solução para as primeiras gravadoras foi contratar alguém para dirigir esses trabalhos. Como os maestros estavam ocupados com orquestra, arranjos, surgiu aí a figura do produtor fonográfico ou musical.

Um dos primeiros a se destacar foi o americano John Hammond, que tocava piano e violino, e lançou nomes do jazz como Benny Goodman, Billie Holiday, Count Basie e continuou com a turma do blues raiz como Big Bill Bronzy. Depois entrou na seara do folk e pop, produzindo os primeiros discos de Bob Dylan e descobrindo a cantora Aretha Franklin. Já no final da carreira, produziu Bruce Springsteen é o lendário guitarrista Steve Ray Vaughan.

Geralmente, a função do produtor se resumia a conhecer os artistas em algum show ou através de uma audição, selecionar o melhor que eles tinham a oferecer, convidar um maestro e um grupo de músicos – no caso de cantores – para fazer a gravação. A escolha de um bom engenheiro de som também é uma das marcas registraras de um bom produtor.

Orlando Silva e seu produtor Radamés Gnattali

No Brasil tivemos o maestro Radamés Gnattali como pioneiro, produzindo Pixinguinha, Ary Barroso, Orlando Silva entre outros. São seus os arranjos e produção de clássicos do quilate de Aquarela do Brasil, Carinhoso e Copacabana, essa última na voz de Dick Farney.

A medida que a indústria fonográfica foi crescendo e ficando milionária, ali pelos anos 1950, com o surgimento das novas tecnologias e aparelhos Hi- Fi, a demanda pra produzir discos aumentou consideravelmente. Com isso, novos nomes foram se revelando.

No jazz, Teo Macero, que produziu inúmeros clássicos de Miles Davis e foi um dos pioneiros na técnica de edição (usar trechos de várias gravações da mesma música editados como um “take” final), fez fama com os dois discos até hoje mais vendidos do estilo: Kind Of Blue (Miles Davis) e Time Out (Dave Brubeck), além do lendário Bitches Brew, onde o jazz fez a fusão com o Rock e funk.

Miles Davis e seu produtor Teo Macero

Alfred Lion e Creed Taylor, além de produtores, criaram as gravadoras Blue Note e CTI que lançaram artistas que são referência pra quem curte jazz. A lista é extensa e inclui Wayne Shorter, Lee Morgan, John Coltrane, George Benson, Herbie Hancock, Dexter Gordon, Jimmy Smith, Art Blakey, US3 e Eumir Deodato.

A música pop e o rock, que se popularizam no pós-guerra com Elvis Presley, grupos vocais e bandas nos dois lados do Atlântico revelaram novos nomes como Sam Philips (Sun Records) e Barry Gordy (fundador da Motown). Esses dois lançaram a música negra para as massas com Chuck Berry, Ray Charles, Etta James, além dos pioneiros do rock Elvis, Johnny Cash, Jerry Lee Lewis.

A bossa nova teve em Aloysio de Oliveira, compositor e cantor do Bando da Lua de Carmem Miranda, seu maior expoente, criando em 1963 o selo Elenco que lançou obras primas de Tom Jobim, Nara Leão, Dorival Caymmi e Edu lobo que são cultuadas mundo afora até hoje. É dele também a produção de dois discos que considero imprescindíveis: Elis e Tom (1974) e Edu e Tom (1981).

Destaco na MPB, André Midani, francês que radicado no Brasil nos anos 1960 lançou toda uma geração que mudou a música brasileira. Uma turma boa egressa dos grandes festivais, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Maria Betânia e Gal Costa.

Mazolla também é um grande nome, que elevou o padrão sonoro dos discos produzidos a partir dos anos 1970, com a compra de mesas de som, microfones, além de ser pioneiro em levar alguns artistas a gravar e mixar nos EUA – começando por Gilberto Gil e o disco Realce, que até hoje é padrão em qualidade de áudio e que teve músicos da banda de Michael Jackson e do Earth Wind and Fire participando da gravação. Ele também produziu Raul Seixas, Belchior (Alucinação, Coração Selvagem), Simone e até o primeiro disco solo de Ivete Sangalo.

A função de produtor, além da parte musical e processos de gravação, muitas vezes envolve ser um psicólogo e até cuidador do artista, dando conselhos pessoais, gerando grandes amizades e brigas também. O anedotário é vasto…

Tem o caso da música Um dia de domingo, gravada por Tim Maia e Gal Costa, e que o Tim sempre voltava ao estúdio e pedia o produtor para deixar a voz dele mais alta. Na gravação de We are the World, com inúmeros artistas de sucesso, o produtor Quincy Jones colocou uma placa na porta do estúdio que dizia: “Deixe seu ego do lado de fora”. Hermeto Pascoal quis gravar um porco na sua música Slave Mass, façanha que só conseguiu em Los Angeles, mesmo com a cara feia do dono do estúdio.

https://www.youtube.com/watch?v=WVYieUNDI_I

Frank Sinatra e seu produtor Quincy Jones

Na minha opinião, os dois maiores produtores musicais são Quincy Jones e sir George Martin. O primeiro era trompetista e autor de inúmeras trilhas sonoras de sucesso. Começou no jazz, produziu Fly me to the moon para Frank Sinatra e teve seu maior sucesso com o disco Thriller, de Michael Jackson, que até hoje vende muito.

Martin tem formação erudita e produzia discos de comédias inglesas até esbarrar nos Beatles e, meio cético com aqueles jovens cabeludos, gravou o primeiro disco deles em 6 horas de sessão de estúdio. Foi um sucesso estrondoso e o música mudou pra sempre. George sempre foi o irmão mais velho deles, tocou piano e cravo em algumas faixas e orquestrou magistralmente as ideias inovadoras do Fab Four. Foi um pioneiro em técnicas de overdubbing (gravações em multi camadas, tão comuns hoje na era digital).

Beatles e o produtor George Martin

As primeiras gravações eram feitas ao vivo, com um os microfones próximo ao cantor ou solista. Em seguida, o gênio Les Paul (músico e criador da guitarra Gibson Les Paul) inventou o gravador de dois canais (podia gravar duas coisas separadas). Isso evoluiu para 4, 8, 16 canais e hoje a limitação é só a placa de áudio conectada ao computador e a capacidade de seu HD, sendo comum gravações com 128 canais ou mais.

Par quem quiser se aprofundar no assunto fiz uma lista com alguns produtores que são referência em alguns estilos.

Jazz – Manfred Eicher (ECM Records), Afif Mardin e Joachin Berendt

Pop – Phil Spector, Daniel Lanois, High Padgham, Phil Ramone e Mark Ronson

Disco – Barry White, Giorgio Moroder e Nyle Rodgers

Rock – Eddie Kramer, Rick Rubin, Trevor Horn, Eddie Offord e Roy Thomaz Baker

Blues – Leonardo Chess, Ray Cooder e Booker T Jones

Reggae – Lee “Scratch” Perry e Chris Blackwell

Rock Brasil – Liminha, Pena Schmidt, Tom Capone, Andy P Mills e Miguel Plopschi

Iê Iê Iê – Carlos Imperial e Rossini Pinto

Pessoal do Ceará – Hareton Salvanini, Roberto Menescal, Hermeto Pascoal e João Donato

Produtores cearenses – Tarcísio Sardinha, Cristiano Pinho, Adelson Viana, Aroldo Araujo, Fernando Catatau, Claudio Mendes, Herlon Robson, Pantico Rocha e Mimi Rocha

Menção especial a Arnaldo Sacommani que ficou conhecido como jurado de programas de TV e produziu Mutantes, Rita Lee, Mamonas Assassinas e a incrível trilogia progressiva de Ronnie Von.

Mimi Rocha é músico e produtor. Ele escreve nesse espaço quinzenalmente

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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