O termo “virtuoso ou virtuose” deriva do latim “virtus”, que significa virtude e designa músicos e artistas dotados de habilidade técnica e teórica acima do normal. Começou a ser usado na Itália nos séculos XVI e XVII no início do período Barroco como uma forma de honrar compositores e instrumentistas habilidosos que eram intérpretes das primeiras obras-primas que chegaram até os dias de hoje.

Com a evolução na manufatura de instrumentos musicais os compositores puderam criar músicas cada vez mais complexas e de difícil execução, exigindo dos músicos das cameratas e grupos de câmara um apuro técnico e destreza cada vez maior.

Desse período podemos citar o lendário Niccolò Paganini (Gênova, 1782 — Nice, 1840), cujos Caprices para violino solo, especialmente o número 24, não é pra qualquer um tocar, exigindo anos de estudo e técnica apurada. Franz Liszt (Doborján, 1811 — Bayreuth, 1886), pianista e compositor húngaro, pode ser considerado o primeiro “superstar” da história da música. Seus concertos eram disputados e suas performances levaram o público, especialmente o feminino, à histeria. Foi representado nas telas por Roger Daltrey, vocalista do The Who, no filme Lisztomania (1975), de Ken Russel.

Outros nomes do erudito de destaque são Johann Sebastian Bach (órgão de tubos), Chopin, Arthur Rubinstein, Glen Gould (piano),  Pablo Casals, Yo Yo Ma (violoncelo) e Itzhak Perlman (violino).

Fiz essa introdução para abordar uma questão que sempre me é recorrente em conversas com apreciadores de música: cantores que também são instrumentistas e músicos de bandas famosas são virtuosos ou teriam uma carreira profissional fora do ambiente em que atingiram o sucesso?

Vamos começar pelo Beatles. Paul McCartney é o maior músico da banda, sem sombra de dúvida, referência no seu instrumento o baixo, além de se sair bem no piano, na guitarra (confiram os solos dele em Taxman e The End). George Harrison criou um bom estilo na guitar slide, especialmente nos discos solo. John Lennon e Ringo Starr sempre foram os mais toscos, mas cada um com seu charme nos respectivos instrumentos.

Jimi Hendrix, antes de ser o astro famoso, tocou muita guitarra com artísticas de r&b e blues. Jimi Page e John Paul Jones, respectivamente guitarra e bateria do Led Zeppelin, antes da banda ficar famosa, eram ratos de estúdio e estão em centenas de gravações inglesas de sucesso dos anos 1960.

Na turma do rock progressivo, tem muita gente com formação erudita, o que os torna até muito indulgentes às vezes. Destaco os nomes dos tecladistas Rick Wakeman, Keith Emerson (ELP); dos guitarristas Steve Howe (Yes), Robert Fripp (King Crimson), Alan Holdsworth (UK, IOU); entre os baixistas tem Geddy Lee (Rush) e Chris Squire (Yes); e os bateristas Bill Bruford (Yes, Uk, King Crimson) e Neil Peart (Rush).

Indo agora para a seara do pop, Elton John teve formação erudita e quem viu o recente filme Rocketman pode atestar isso vendo ele ainda criança tocando Mozart.

Sting que, antes de criar o The Police, tocava baixo acústico em grupos de jazz e soul, também domina o violão clássico e o alaúde (instrumento barroco de cordas), chegou a gravar um discos de canções renascentistas, mostrando a sua versatilidade e conhecimento musical que não é tão comum num popstar.

Dos mais novos, destaco o cantor e guitarrista John Mayer, que já foi convidado como instrumentista para projetos de jazz com Herbie Hancock, onde também mostrou que não é só um rostinho bonito da Billboard americana. A pianista e cantora Alicia Keys pode ser incluída nessa lista, pois até o seu piano virou um preset (som pré-programado) de um famoso software de áudio.

Aqui no Brasil, também me vêm à mente alguns exemplos: João Gilberto, que tem um estilo de violão estudado no mundo todo, e seu discípulo Gilberto Gil tem uma técnica de violão também muito peculiar que mostra em canções como Expresso 2222, Rouxinol e, recentemente, gravou o dvd Gilbertosambas, onde toca até temas instrumentais.

Pepeu Gomes, outro grande instrumentista, fluente na guitarra, violão, bandolim, consolidou a carreira como cantor após anos de laboratório nos Novos Baianos.

O baterista do Roupa Nova Serginho Herval é músico de estúdio também, tem um estilo próprio e canta os principais sucessos da banda.

Do Rock Brasil, não podemos deixar de citar o guitarrista Frejat que, após a saída de Cazuza do Barão Vermelho, engatou a carreira de cantor e emendou numa bem sucedida carreira solo. Herbert Viana também tem um bom desempenho na guitarra, participando até como solista em discos de amigos.

Outro que merece menção é Lulu Santos, que começou na banda Vímana nos anos 1970, é também um estilista na guitarra slide, seguindo os passos de George Harrison. Ele gravou, inclusive, o já antológico solo de guitarra na música Fracassos, de Fagner.

Para se tornar um artista de renome não existe uma fórmula mágica. Como disse Ringo Starr, ao ser questionado sobre o sucesso dos Beatles: “Se nós soubéssemos a fórmula, cada um montaria a sua própria versão dos Beatles”. Mas se a pessoa já tem o dom para ser músico, seja de forma intuitiva ou não, uma formação musical arrojada com certeza auxilia e muito no processo composicional e criativo, como nos casos que citei.

P.S.: A turma do jazz será retratada em uma novo artigo

Mimi Rocha é músico e produtor. Ele escreve nesse espaço quinzenalmente

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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