Foto: Gabriel Nascimento/ Divulgação

A mais recente edição do The Voice vem gerando debates interessantes sobre a capacidade daquele time de jurados em avaliar o trabalho de artistas que já bem experimentados no meio musical. Foi assim, por exemplo, com Dudu França, experiente músico paulista com mais de 50 anos de carreira, e com Ronaldo Barcellos, que encantou o público cantando Cada um, cada um, sucesso na voz de Claudio Zoli, e ao final surpreendeu dizendo que tratava-se de uma composição sua.

Mais um caso sui generis foi da carioca Claudya, cantora que já experimentou o doce e o amargo do meio musical. Desde que começou a cantar, aos 9 anos, ela chamou atenção pela extensão vocal, sofreu boicote de Elis Regina, ganhou uma infinidade de prêmios em festivais pelo mundo, gravou no Japão um disco que vendeu mais 200 mil cópias, passou anos longe dos estúdios, voltou a chamar atenção quando Marcelo D2 sampleou sua voz na faixa Desabafo e encarnou Evita Perón num elogiadíssimo musical de teatro. Nada disso foi suficiente para os jurados do The Voice que, praticamente, a trataram como uma desconhecida. Coube à xará Claudia Leitte salvar a situação trazendo uma das mais talentosas cantoras brasileiras para seu time.

Em entrevista exclusiva, Claudya comenta – em poucas palavras – a experiência do The Voice+ e avalia outras passagens de sua trajetória. Confira a seguir:

DISCOGRAFIA – Sua participação no The Voice+ foi bastante comentada, tanto pela qualidade da apresentação como pelo fato de alguns jurados não terem te reconhecido. Como você avalia essa passagem pelo programa?
Claudya – Com muita emoção! Avalio como um reconhecimento à minha carreira.

DISCOGRAFIA – A música que você cantou no programa é um marco na sua carreira. Queria saber de quando você ouviu pela primeira vez o Deixa eu dizer. Como ela chegou a você?
Claudya – Quem me apresentou a música foi um dos autores, Ivan Lins. Quando ouvi tive a certeza do sucesso da melodia e principalmente da força da letra, que serve tanto como desabafo político, quando da vida pessoal.

DISCOGRAFIA – Mais de 30 anos depois, o Marcelo D2 deu uma nova vida a essa música usando um sampler da sua voz em Desabafo. Queria saber da sua reação ao ouvir pela primeira vez essa releitura do D2.
Claudya – Não sabia que ele tinha gravado. Mas, quando ouvi, tive a sensação esplêndida de sucesso mundial para as novas gerações. E foi o que aconteceu.

DISCOGRAFIA – Você é reconhecida como intérprete, mas também tem discos em que se mostra mais como compositora. Queria que você falasse desse lado de compositora, que espaço ele ocupa na tua carreira.
Claudya – Tudo aconteceu naturalmente e me vi escrevendo com muita naturalidade. Compor é um grande complemento que eu gosto muito e que faço com frequência.

DISCOGRAFIA – Como vinha sendo sua agenda de shows, até antes da pandemia?
Claudya – Antes da pandemia, eu estava fazendo shows de teatro para um público diversificado e com frequência. O repertório é sempre apoiado nos 53 anos de trajetória artística, sempre apoiado na minha história.

DISCOGRAFIA – Na sua discografia, tem dois tributos muito importantes: um dedicado a Taiguara (1998) e outro a Caetano Veloso. Como nasceram esses projetos e que importância esses compositores têm pra ti?
Claudya – O tributo a Taiguara (Claudya canta Taiguara, 1998) foi ideia minha, por se tratar da relevância do trabalho de um dos maiores poetas e músicos do Brasil. A homenagem a Caetano (Senhor do tempo, 2011) foi ideia dos produtores Thiago Marques Luis e DJ Zé Pedro. Os dois compositores têm uma forte influência na minha carreira.

DISCOGRAFIA – Ao longo da carreira, você teve uma enorme projeção internacional, com shows no Japão, boas vendas de discos e muitos prêmios em festivais. O que essa experiência fora te ensinou sobre a música brasileira?
Claudya – Ensinou que a nossa música é uma das mais importantes do mundo, sendo muito respeitada em países como: Japão, França, Alemanha e Estados Unidos.

DISCOGRAFIA – Em maio você completa 73 anos num país que tende a não valorizar seus artistas mais experientes. Queria saber que planos você tem para a vida e para a carreira, e o que a experiência e o tempo te deram de mais importante?
Claudya – Nunca fiz planos quanto à minha carreira. As coisas sempre foram acontecendo de uma forma muito natural e, naturalmente, o tempo me deu serenidade.

DISCOGRAFIA – Num vídeo, de 1973, no programa de Elizeth Cardoso, você diz que “só deseja um dia ser divina” como ela. Elizeth diz que você iria atingir muito mais do que divina. Você conseguiu realizar esse desejo?
Claudya – Acho que consegui porque trabalhamos com a sensibilidade, o que nos possibilita vivenciar o divino.

Claudya em 5 tempos:

Jesus Cristo (1971) – já com alguns discos lançados e muitos prêmios na mão, esse álbum acrescentou dois hits ao seu currículo. A faixa-título, de Roberto e Erasmo, e Com mais de 30, de Marcos e Paulo Sergio Valle. Mais que perfeito, de Abílio Manoel, é outro destaque num disco cheio de bons momentos.

Deixa eu dizer (1973) – só pela faixa-título já seria histórico, mas o disco é bom de cabo a rabo. Os improvisos vocais do blues Chuvas de verão, a força e a ginga de O circo, a pancada forte de Pois é, Seu Zé. Mas o grande destaque vai para Só que deram zero pro Bedeu, sempre atual composição de Luiz Wagner.

Reza, tambor e raça (1977) – como um cruzamento de Edu Lobo com Earth, Wind &Fire, o trabalho traz arranjos misturam MPB com disco music e jazz fusion. De Belchior, Apenas um rapaz latino americano vira um blues cheio de improvisos, com Caludya disparando agudos e fazendo a letra ganhar ainda mais força.

Entre amigos (1994) – o resultado do encontro de uma cantora no auge da potência vocal com um experiente grupo instrumental dá nisso. Claudya e Zimbo Trio (formação original) misturam improvisos entre canções como Upa neguinho, Lamentos, É luxo só e Ponteio. Tem até uma composição de Claudya, Clareteando.

Senhor do Tempo (2011) – dedicado a canções raras de Caetano Veloso, o disco veio depois de outros lançados com menor repercussão. Entre os destaques, uma versão mais introspectiva de Naquela estação, lançada com sucesso por Adriana Calcanhotto. Tem ainda belas releituras de Louco por você e Menino deus.

Para sempre amanhecer (2016) – o disco mais recente é uma parceria com o pianista e arranjador Tiago Mineiro, parceiro de Claudya em sete das oito faixas. Curtinho e numa edição aquém dos envolvidos, o disco traz ótimos momentos como Joia de prata e Quero só você.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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