Foto: Leo Aversa/ Divulgação

Joyce Silveira Moreno completou em 31 de janeiro último seus 73 anos. A idade deveria ser um detalhe menor diante de uma obra construída desde a juventude e que se pautou sempre por qualidade, brasilidade e atemporalidade. Atemporalidade, esse é o ponto relevante. Duvido que esta cantora, compositora, instrumentista e arranjadora carioca tenha criado um plano de trabalho para criar um cancioneiro que desafiasse as regras impostas pelo tempo, ainda mais num mercado musical volátil como o brasileiro. Ainda assim, tendo a música como elemento central, ela alcançou tal feito

A estrada perseguida por essa obra é bem mapeada no livro Aquelas coisas todas, lançado no fim de 2020 pela Numa Editora. O livro é uma versão revista e ampliada de Fotografei você na minha roleiflex, apanhado de histórias, memórias e impressões pessoais lançado em 1997. Entre uma e outra publicação, vieram mais elementos que mereciam ser registrados. “(Em 1997) comecei a escrever pequenos textos de memórias, e quando me dei conta, tinha um livro. Como contei na introdução, o livro teve seu momento, foi bem recebido, depois ficou esgotado. Quando surgiu o convite para uma nova edição ‘remixada’, acabei escrevendo toda a segunda parte, e o livro dobrou de tamanho”, conta Joyce em entrevista exclusiva, e até então inédita, cedida na época do lançamento.

Dividido em vários pequenos capítulos escritos com uma prosa fluida, despretensiosa e extremamente saborosa, Aquelas coisas todas enumera os muitos encontros que Joyce teve ao longo de mais de 50 anos de carreira. Uma delas, por exemplo, com Chico Buarque, quando uma revista criou para eles um relacionamento fictício. À época, ela era apelidada como “Chico Buarque de saias” e um repórter os colocou juntos num papo sobre música, depois titulado como “O novo amor de Chico Buarque”. Tudo mentira criada para forçar Chico a revelar seu romance com Marieta Severo.

Aquelas coisas todas segue a trilha com nomes como Gerry Mulligan, Gonzaguinha, Henri Salvador, Tenório Junior e Elis Regina. “Tivemos uma amizade que durou até a partida dela. (Elis) não era uma pessoa fácil, mas as pessoas brilhantes nem sempre são fáceis mesmo. E ela era inteligente demais, engraçada, genial. Nós nos gostávamos muito”, conta. Joyce também fala de suas posições políticas e critica um meio musical machista que tentou explorar sua beleza como um adendo à música. “Sempre fui ligada nessas figuras femininas libertárias, independentes, tipo (a romancista francesa) George Sand e a boneca Emília. Na verdade, fui criada por mãe solo, o que talvez tenha contribuído. Só sei que nunca quis ser musa, diva, cantora, essas coisas. Sempre quis desenvolver uma linguagem musical que fosse minha, na composição, no violão, nos arranjos e no uso da voz como instrumento”.

E assim se fez a Joyce cantora e compositora cujo valor musical desperta curiosidade e admiração pelo mundo. Curiosamente, embora assuma que não é nostálgica, a compositora de Mistérios e Essa Mulher também passou em revista o álbum de estreia, de 1968. Para comemorar os 50 de carreira, ela regravou faixa a faixa, reencontrou os primeiros parceiros e lançou no disco 50. Confrontando aquela jovem artista de 20 anos com a atual, mais experiente e madura, sabe o que ela descobriu? Que o fogo segue queimando com o mesmo calor.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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