Foto: Leo Aversa/ divulgação

Dizer que Marisa Monte é uma cantora pop pode parecer estranho para quem acha que pop é só aquela seara da música que tomou conta das listas das mais tocadas no País. Pop não é ritmo, é linguagem. Tem o sertanejo pop, o pop rock, o funk pop, o jazz pop e tem Marisa, que faz uma MPB pop. Mas, diferente do que se convencionou chamar de pop, ela não faz música para consumo a curto prazo. Muito pelo contrário, seu trabalho é feito de olho em detalhes, minúcias, entrelinhas, pequenos fragmentos que podem se conectar de diferentes formas com o ouvinte.

Tem sido assim desde que a cantora, produtora, instrumentista e compositora estreou, e não é diferente em Portas, disco que chega 10 anos depois de O que você quer saber de verdade. Esse intervalo entre seus dois últimos trabalhos solos já demonstra uma necessidade de respirar, projetar e se alimentar de novas influências, sons e ideias. Nessa uma década sem trabalho solo, ela não deixou de produzir: lançou disco ao vivo e a primeira coletânea oficial, voltou a se reunir com os Tribalistas, e ainda mergulhou em antigos arquivos para lançar três álbuns virtuais com registros que estavam reservados somente aos seus DVD.

E quem esperou 10 anos pra ouvir um novo disco solo, com músicas inéditas, recebeu um trabalho com aquele selo “100% Marisa Monte”. Portas traz 16 faixas com tudo aquilo que fez essa carioca de 54 anos ser uma paixão nacional, que agrada públicos das mais diversas FMs, e uma referência para tantas outras cantoras que vieram depois dela. A maior surpresa desse disco está em tudo ser reconhecível. Tanto que não é difícil encontrar referências dos ídolos de Marisa ou mesmo fazer aquele exercício de encaixar cada faixa em outros discos. Por exemplo, a portelense Elegante amanhecer, um samba dividido com Pretinho da Serrinha, com cavaquinho de Mauro Diniz, tem a cara do Universo ao meu redor (2006). Já Fazendo cena lembra as delicadezas de Memórias, crônicas e declarações de amor (2000), e tem alguns dos mais belos versos do disco (“Vou te aguardar/ Aguardente demais/ É claro e evidente/ Que sentes demais”).

Quantos aos ídolos, Você não liga lembra muito um Jorge Ben daquela safra Força bruta (1970) ou Negro é lindo (1971), principalmente pela dramaticidade dos violinos. E tem Espaçonaves, que lembra muito Caetano Veloso da época Qualquer coisa (1975). No entanto, ambas são de Marcelo Camelo, que também toca quase todos os instrumentos da segunda e assina o arranjo de cordas da primeira. O Hermano é um dos novos parceiros de Marisa Monte que surge em Portas. Além dele, outra parceria bastante comentada é com Chico Brown, filho de Carlinhos Brown, parceiro em cinco faixas. Incluindo a delicadíssima Em qualquer tom e Calma, uma das duas primeiras faixas gravadas do disco. A outra foi Portas (Marisa/ Arnaldo Antunes/ Dadi), cuja letra faz uma inteligente analogia de um Brasil polarizado e cego para novas possibilidades de pensamento.

Um dos elementos que mais chama atenção no disco Portas é o uso de orquestrações de sopros e cordas. O uso de arranjos camerísticos também não é novidade pra ela, mas aqui parecem soar mais opulentos, como em A língua dos animais, cujo trio de sopros conduz o ouvinte por toda a natureza cantada na letra. E quem comparece no disco é o cultuado e redescoberto maestro Arthur Verocai, responsável pelos arranjos de Déjà vu e Pra melhorar. A primeira sugere uma valsa e mistura solos de guitarras com detalhes de violões e flautas, e muitos violinos soltos pelo ar. E a segunda é uma super pop “MPB de autoajuda”, com versos positivos e aquela cara festa de fim de ano. A canção é uma parceria de Marisa com Seu Jorge e sua filha, Flor Jorge, que também cantam no disco.

E Portas não seria um disco de Marisa Monte se a ficha técnica não fosse um show a parte. Começa que o trabalho rendeu um vídeo pra cada faixa, todos dirigidos por Batman Zavareze, um dos mais reconhecidos vídeo artistas visuais do Brasil. Além dele, tem os novos baianos Dadi (baixo, violões e guitarra) e Jorge Gomes (bateria), Seu Jorge tocando flauta, Pedro Baby e Davi Moraes nas guitarras, Silva no piano, Carlinhos Brown na usina percussiva e muitos, muitos outros. Alguns desses nomes, inclusive, já são “clientes” dos discos de Marisa Monte. Mas, como dito, a maior surpresa de Portas não está em revelar uma nova Marisa Monte, mas em mostrar que a mesma Marisa Monte segue fiel em sua missão de fazer música encantadoramente pop e brasileira.

Confira o repertório completo de Portas:

  1. Portas (Marisa Monte/ Arnaldo Antunes/ Dadi)
  2. Calma (Marisa Monte/ Chico Brown)
  3. Déjà Vu (Marisa Monte/ Chico Brown)
  4. Quanto Tempo (Marisa Monte/ Pretinho Da Serrinha/ Pedro Baby)
  5. Medo Do Perigo (Marisa Monte/ Chico Brown)
  6. A Língua Dos Animais (Arnaldo Antunes/ Marisa Monte/ Dadi)
  7. Praia Vermelha (Marisa Monte/ Nando Reis)
  8. Totalmente Seu (Marisa Monte/ Lucas Silva/ Lucio Silva)
  9. Em Qualquer Tom (Marisa Monte/ Chico Brown)
  10. Espaçonaves (Marcelo Camelo)
  11. Fazendo Cena (Marisa Monte/ Chico Brown)
  12. Sal (Marisa Monte/Marcelo Camelo)
  13. Vagalumes (Marisa Monte/ Arnaldo Antunes)
  14. Elegante Amanhecer  (Marisa Monte/ Pretinho Da Serrinha)
  15. Você Não Liga (Marisa Monte/ Marcelo Camelo)
  16. Pra Melhorar (Marisa Monte/ Seu Jorge/ Flor)

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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