Estudantes precisam se sentir confiantes para enfrentar os desafios impostos e evitarem passar por episódios de violência na escola.
Alunos com crise de ansiedade coletiva em Recife, adolescentes se cortando com lâminas de apontador no interior de São Paulo, aluna trans sendo agredida por colegas no Distrito Federal. Estes são alguns dos episódios noticiados pela imprensa nas últimas semanas que mostram o aumento dos casos de violência nas escolas e ameaça à saúde mental no retorno às salas de aulas.
Após quase dois anos longe da escola, a pandemia alterou a rotina e o emocional de estudantes e professores. Crianças e adolescentes buscam se adaptar ao novo cenário, que tem gerado estresse e motivado conflitos. Para a especialista em educação do Itaú Social, Claudia Petri, o acolhimento da comunidade escolar é a base para prevenir episódios de violência e ansiedade entre estudantes, que precisam se sentir confiantes para enfrentar os desafios que vêm pela frente.
“São várias as maneiras de desenvolver ou aprimorar o acolhimento da comunidade escolar, que precisa ser um compromisso coletivo da escola e redes municipais. Abertura e incentivo ao diálogo, a partir de uma escuta ativa, que realmente compreenda as necessidades de cada estudante, são fundamentais”, explica Claudia Petri.
De acordo com a pesquisa realizada pelo Datafolha, a pedido do Itaú Social, Fundação Lemann e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), entre os estudantes que correm risco de abandonar a escola, 15% não se sentiram acolhidos no retorno às aulas presenciais. Entre as famílias entrevistadas, 35% afirmaram que as escolas estão oferecendo apoio psicológico aos estudantes.
Para Claudia Petri, os recursos tecnológicos podem e devem continuar sendo empregados para aproximar as escolas dos alunos e suas famílias. “Promover atividades culturais também é uma alternativa para que crianças e jovens possam, por meio da arte, traduzir seus sentimentos e compartilhar suas vivências”, completa.
Bons exemplos de acolhimento
Fale sem medo
Na cidade de Manaus (AM), existe o projeto AME que, dentro de escolas públicas, realiza acolhimento e escuta de crianças e adolescentes que sofrem ou já sofreram algum tipo de violência ou discriminação.
Organizada pela Associação Educacional Voz Ativa, o projeto surgiu a partir do pedido de um grupo de estudantes, que alertou o professor sobre uma colega que estava se cortando. Após uma articulação multiprofissional, a aluna passou a ser acompanhada por profissionais de saúde o que propiciou uma melhora no seu comportamento.
Graças ao resultado positivo, o projeto foi ganhando mais notoriedade entre os gestores escolares, motivando a criação da sala “Fale sem Medo”, que tem a proposta de acolher e ouvir estudantes vítimas de algum tipo de violência. O ambiente do novo espaço é decorado pelos professores e estudantes do colégio a fim de promover um melhor acolhimento.
Respeito ao público LGBTQIA+
“Assegurar aos docentes e alunos transgêneros o reconhecimento de seus nomes sociais nas escolas públicas estaduais foi uma grande conquista. Embora os estudantes trans possam usar seus nomes sociais nos registros escolares, as redes ainda precisam superar a transfobia e promover inclusão, com uma gestão acolhedora”, reflete a professora Paula Cruz.
A docente vive na cidade de São Paulo (SP) e apesar das dificuldades percorridas pelo caminho, a professora se tornou a primeira mulher transexual a ser diretora de escola pública estadual. No cargo de gestão, Paula se esforça para desenvolver ações de acolhimento a professores e estudantes de diferentes orientações sexuais.
“O mundo de hoje exige a inserção em outros referenciais do conhecimento: técnicos, como a informática, éticos, como a autonomia sobre o corpo, ou ligados à cidadania, como os direitos humanos, entre outros”, reflete a docente.
Condutas que podem favorecer o acolhimento
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Escuta ativa, ouvindo pelo tempo que a pessoa precisar falar, esforçando-se para compreender o que ela diz e quais sentimentos expressos, e informando o que está compreendendo de tempos em tempos.
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Abertura e incentivo ao diálogo.
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Atenção à expressão verbal e corporal das pessoas, seguida de questões como: Como você está? Quer conversar? Posso ajudar?
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Genuína intenção de compreender como a pessoa está e de apoiá-la.
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Conduta compreensiva, eximindo-se de julgamentos.
Atividades que podem ser promovidas com equipes de educadores, estudantes e famílias
As ações sugeridas estão baseadas na proposta de construir espaços sadios de convivência nos quais seja possível compartilhar sentimentos e, também, ter acesso a boas experiências, como um “respiro” diante de um período tão prolongado de estresse em decorrência da pandemia.
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Rodas de conversa a partir de leitura, filmes/vídeos, músicas e outras expressões artísticas, além de potenciais conversas com psicólogos(as). É interessante pensar também em garantir rodas com pequenos grupos;
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Saraus em que cada um(a) possa trazer para o grupo alguma manifestação artística de predileção (música, poema, repente, embolada, performance teatral etc);
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Canais de escuta sistemáticos por público, como lives periódicas direcionadas a gestores(as), a familiares e a estudantes;
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Consultas específicas que permitam a expressão e a escuta (por exemplo, sobre a educação e o momento vivenciado);
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Oficinas artísticas como oportunidade de expressão de sentimentos.
Curso para profissionais de educação
Está disponível para profissionais de educação o curso gratuito “Acolhimento e clima escolar”, oferecido pelo Polo, ambiente de formação do Itaú Social. O objetivo da formação é apoiar na realização de um planejamento de atuação que considere como premissas o acolhimento da comunidade escolar diante da crise pandêmica e a necessidade permanente de zelo pelo clima escolar como um dos fatores centrais para a aprendizagem de estudantes e educadores. A carga horária é de quatro horas e o conteúdo foi produzido em parceria com a Comunidade Educativa CEDAC.