Clarice, um sopro de vida

Clarice, um sopro de vida

 

Se estivesse viva,  Clarice Lispector completaria 94 anos hoje. Ontem fez 37 anos de sua morte, da sua última viagem. Para mim e para outros admiradores Clarice é uma escritora e tanto. Lembro-me muito bem da primeira vez que tive contato com uma obra de Clarice. Tinha dez anos de idade e foi em janeiro de dois mil e quatro. Toda sexta-feira na minha escola, depois do intervalo a professora de Português/Literatura reunia os alunos em fila indiana e colocava vários livros na mesa, assim o aluno passava, pegava algum e levava para casa para ler, tinha no máximo uma semana para entregar o livro, ou seja na outra sexta-feira tinha que devolver o livro e pegar outro. Foi nessas vias de fato que me deparei com uma obra de Clarice, inclusive a última obra dela, A Hora da Estrela. Eu nos meus inocentes dez anos de idade já entendia bem o enredo de Macabea e seus costumes bizarros e estranhos, sua felicidade repentina e seu destino trágico. Eu gostei tanto, tanto, maaas tanto que pedi para a minha irmã colocar o nome da minha sobrinha que nascera em dois mil e quatro de Clarice. Ela gostou do nome, até então nunca tinha ouvido falar da Clarice, hoje em dia, super acho isso um absurdo. Então colocou o nome da minha sobrinha de Clarice, mas colocou com dois ss, ficando Clarisse.
A partir de então, comecei uma aventura em todas as sextas-feiras da minha infância, queria sempre ler alguma coisa da Clarice, daquelas frases e palavras esquisitas que eu gostava, daqueles personagens reais, eu me encontrava e até hoje eu me encontro.
“Liberdade é pouco. O que eu desejo, ainda não tem nome”

Quem me conhece, sabe o quanto eu sou fissurado pela autora, pela sua biografia, pela vida de mãe, pela suas obras jornalísticas, enfim, pela sua existência e pelo legado deixado. Eu acredito que nem todas as pessoas sabem ler Clarice, nem todas sabem interpretar os assuntos abordados por ela. Algumas pessoas acham ela hermética, porém, na minha opinião, isso não é verídico, volto à dizer, que para se ler Clarice, tem que ter uma preparo psicológico, um preparo mental, pois é um encontro com o seu propio eu-lírico, em toda a sua magnitude, transpassando o âmago do seu eu. Porém, nem só os livros de Clarice me encantam. A própia Clarice me instiga.

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Pesquisei e li muito sobre quem ela foi, e nunca consegui chegar a uma conclusão exata sobre a verdadeira Lispector, talvez porque ela nunca deixa ser desvendada por inteiro. Nisso eu também me identifico, o mistério de Clarice não era proposital, era apenas ela em sua maneira “tímida e ousada” de ser, como ela mesma se definiu. Mas a tristeza de Clarice estava tão estampada em seu rosto, como o delineador que ela usava rente aos cílios, talvez ela fosse triste por ser avançada de seu tempo, por seus questionamentos existenciais tão mostrados em seus personagens, a forma como ela escreve parecendo um sopro de vida, um grito de revolta, mas no fim era só uma forma de se expressar, desabrochar. Escrevendo. E mesmo negando, ela não nos convenceu, pelo menos não a mim. Ela era solitária. Não de companhia, mas de alma, e eu a compreendo demais. Sou tão igual quanto. Ela era solitária porque precisava desse isolamento para se encontrar consigo mesma, talvez nem todos a preenchia, mesmo seus hiatos sendo tão profundos e dolorosos, esse silêncio era necessário.

De longe, Clarice Lispector é minha escritora preferida. De perto, a minha melhor inspiração. Não tem como resumir em um único post alguns dos motivos pelo quais tanto amo essa escritora e talvez ela nem seja a leitura que eu saia indicando por aí, recomendando, porque como eu já ouvi falar uma vez, não é qualquer um que lê e entende Clarice. “Um leitor de Clarice não anda, flutua”. E falar sobre ela, é incerto, porque como ela mesma disse “Tudo é tão incerto”.

 

Caros leitores, se acostumem, pois neste blog vai haver muitas resenhas dos livros da Clarice, é preciso ter, como que uma obrigação de mim para mim mesmo. Obrigado e até mais.