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Com conteúdo indissociável da forma. Aqui, a sofreguidão de corpos exaustos, adoecidos, abatidos pelo niilismo contemporâneo. Ali, a estética da existência como bálsamo e êxtase anunciando o porvir, as pequenas luzes, aquilo que dança na escuridão e exige ser revalorizado, reacendido, reintegrado ao ser e ao mundo. Dessa forma, a Edisca traz para o público o seu novo espetáculo Religare, que será apresentado de 04 a 06 e de 11 a 13 de setembro, no Teatro do Shopping Via Sul.

No palco, 39 bailarinos da Edisca dançam entre imagens icônicas de peso e leveza, ora na pele de anjos humanizados e divindades estilizadas, ora na condição-limite de inferioridade e apagamento de presidiários aniquilados em rebeliões ou índios massacrados pelas leis do capital. Recobrindo o todo, a força vital e a força mística de múltiplas etnias, seus exercícios de espiritualidade, modos de transcendência, reverência e comunicação com processos subjetivos de ressignificação da realidade se encontram nos rituais, cerimônias religiosas e estados de transe.

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Em Religare, os coreógrafos Dora e Gilano Andrade reativam a memória ancestral para pensar, sob holofotes, a depreciação da vida no presente. Lado a lado, criam coreografias entrelaçadas e complementares: se dele vem a dança cáustica e crítica frente ao esgotamento dos modelos civilizatórios que, em escala planetária, dão a ver paisagens de abandono, desolação, miséria e sofrimento, dela vem o sentido de redenção e o acento de esperança colados a cada giro, cada gesto, cada salto que se anunciam como promessas para a conquista individual e coletiva de planos existenciais mais intuitivos, fluidos, porosos, translúcidos e iluminados.

Para realçar o uno e o transcendental no humano, a cor branca prevalece sobre os figurinos do espetáculo. Partindo de uma base neutra e de um corpete comum, a ideia original de Cláudia Andrade se apoia na sobreposição de peças e no toque criativo dos adereços, sobretudo os de mãos e cabeças, para conferir majestade às mais diversas representações do divino colocadas em cena, que vão desde orixás, xamãs, índios e espíritos da floresta até a releitura da própria imagem de Nossa Senhora. Assinando a adereçaria, Gil Braga enfatiza o trabalho em torno da miríade de cores visíveis e invisíveis refratadas através do branco, o que remete justamente à pluralidade de olhares que diferentes civilizações e etnias fundam diante do mistério da criação e de um plano de imanência. Assim, seu desafio foi cruzar ancestralidade e contemporaneidade a partir de materiais sintéticos capazes de gerar texturas e volumes em torno de corpos enredados por elásticos, onde frisos e listras tanto podem remeter a armaduras medievais como às pinturas tribais dos povos antigos.

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Com 45 minutos de duração, Religare também concentra na musicalidade sua potência de revisão e reconexão com os estados fundamentais da alma. Coube a Manassés de Sousa o trecho autoral que casa o erudito à música oriental e enseja toda a montagem combinatória de timbres étnicos responsáveis pela atmosfera imemorial e o sabor arcaico do balé. Habitar fragmentos sonoros de épocas passadas para ouvir os rumores comuns do tempo presente, eis a premissa que está por trás de sons, ruídos e silêncios amalgamados. E se é em torno do que esquecemos de ser e do laço social perdido que Religare gira, tudo foi afinado para que a arte apareça como força redentora, afirmando a beleza da vida.

Religare, o conceito

Religare. Palavra que nos remete a uma reconexão com o divino, à reativação dos estados de elevação e purificação do espírito, à recomposição de uma unidade perdida entre matéria e símbolo, razão e sensibilidade, superfície e essência. O novo espetáculo da Edisca é essa dança com o invisível, o intangível, o mágico, o encantado, os comportamentos rituais, os dispositivos cerimoniais e festivos que suspendem o tempo e nos religam ao próprio ato de criação, ao que antecede à consciência e está intimamente ligado a nós mesmos, ao elo ancestral que nos iguala enquanto seres vivos sem que saibamos ou precisemos classificá-lo.

Religare, o balé, diz, assim, sobre a possibilidade e urgência desse reencontro do homem com forças criadoras capazes de emprestar sentido ao vazio e ao absurdo da existência, apontando para a superação de aprisionamentos do presente e de processos de dominação e padronização do viver que formatam sujeitos passivos e anestesiados diante do sequestro da vitalidade social. Dançar não para buscar salvação ou consolo metafísico, esperando que venha do alto soluções para o esgotamento e os conflitos existenciais terrenos. Mas para vislumbrar no aqui e agora possibilidades de uma redenção transformadora a partir da capacidade que cada um carrega em si para reinventar-se, fazendo irromper uma ética deflagradora de novos modos de conviver, inventar, agir, pensar, experimentar o próprio corpo, partilhar o sensível.

Contra o poder sobre a vida, a aposta na potência de vida. E no retorno a formas de existência e convivência mais simples, mais cooperativas, mais igualitárias, mais justas, mais livres, mais honestas. A Edisca foi buscar no sujeito ancestral e primitivo a retomada desses valores e de uma lógica inteiramente distinta daquela que a subjetividade moderna nos propõe. Daí o foco nas matrizes e culturas étnicas, em suas simbologias, em seus códigos ritualísticos, nos fazeres e saberes que perpassam gerações e se propagam ao longo dos tempos. Índia, África, Oriente Médio. Anjos, santos, alegorias. A etnicidade e a diversidade cultural abrindo passagem para a percepção sensível do mundo, para o universo paralelo da imaginação. Imaginação que é política quando capaz de instituir novos sentidos para a vida à revelia do visível, da ordem estabelecida, do que parece imutável, natural, impossível de mudar.

Existir de uma outra maneira, esculpir com arte a própria vitalidade, estabelecendo uma relação de maior comprometimento com a vida, a partir de utopias tornadas possíveis, de uma dança coletiva híbrida, intuitiva e delicada.

Sobre a Edisca

Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca) é uma organização formativa em Arte que tem o objetivo de promover o desenvolvimento humano de crianças e adolescentes em circunstância de fragilidade social por meio de uma proposta educacional fundamentada na criatividade, inovação e diversidade.

Espetáculo Religare – Edisca

Local: Teatro do Shopping Via Sul
Endereço: Av. Washington Soares, 4335.
Data: 04 a 06 e 11 a 13 de setembro de 2015
Horários: Às sextas-feiras às 21h, sábados às 18h e 21h, e domingos às 18h e 20h
Duração: 45 minutos
Classificação indicativa: Livre
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) R$ 20,00 (meia).
Horário da Bilheteria 13h às 22h – de terça a domingo.
Bilheteria Via Sul: (85) 3048-1262

 

Texto: Eduardo Sousa com informações da Edisca |Imagens: Edisca

 

 

 

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