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Imagem: Sol Coêlho

“O teatro não está morrendo. As pessoas estão”, aponta o dramaturgo Rafael Barbosa, responsável pelo texto de ‘Metrópole‘. O espetáculo inicia curta temporada nesta quinta-feira, 7, na CAIXA Cultural Fortaleza, onde segue em cartaz até o próximo domingo. A trama surgiu em um momento em que Rafael almejava discutir o teatro, a arte contemporânea e as dificuldades de ser artista em uma “metrópole capitalista”. O teatro, diz, “é uma extensão da vida humana”.

A encenação de Silvero Pereira e Gyl Giffony é construída a partir de espaços não convencionais do equipamento cultural, que permite integrar o público em um ambiente até então restrito. Giffony, aliás, dirige a história de seu personagem Charles e o irmão Caetano (Silvero).

A peça, que estreou em 2012 na sala de dança Hugo Bianchi do Theatro José de Alencar, já passou pelo Crato e Juazeiro do Norte, no Ceará, além de São Paulo (SP), Curitiba (PR), Natal (RN) e Porto Alegre (RS). Estas duas últimas capitais estão nos planos da Inquieta Cia de Teatros para retornar com ‘Metrópole’.

Em conversa com o Repórter Entre Linhas, Rafael e Giffony discutem a criação do espetáculo e o debate em torno do mercado artístico, no qual, lembram, “não há garantias”.

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Imagem: Sol Coêlo

Como surgiu a ideia para escrever o espetáculo?

Rafael Barbosa: Eu iniciei um processo e elaboração de questionários de múltipla escolha para entender melhor as inquietações do Cia. Naquela minha fase como dramaturgo, aos 20 anos, eu almejava constantemente discutir na cena, o teatro, a arte contemporânea e as dificuldades de ser artista em uma metrópole capitalista. Então, seguindo essas preposições iniciais, surgiu uma temática central para Metrópole: “Quando a arte começa a sucumbir no artista” ou “Quando somos obrigados a deixar a arte pela necessidade financeira”, em outras palavras, sendo mais simples, “Quando deixamos de fazer arte para não morrer de fome”. Então, surge a ideia de colocar Caetano como o ator que, embora fosse extraordinário nos palcos, agora faz bolos e doces para levar uma vida sem batalhas. Ser artista é assim. Há os riscos de instabilidade, não há garantias. Os incentivos são poucos para cultura, as pessoas vão muito pouco ao teatro e Caetano desistiu de se arriscar, parou de caminhar na avenida e foi para a comodidade da calçada. Para a peça não terminar apenas com essa temática pessimista, embora realista, da arte em terreno frágil, criei Charles, o irmão que surge no espaço de Caetano mostrando aquilo que ele era quando, no passado, era trabalhador de teatro. “No entanto, será que eu posso voltar ao ofício de Dionísio?” Charles e Caetano são a mesma pessoa, e seus diálogos são porosos dando margem de interpretação ao público; Charles e Caetano são, consequentemente, o passado e o presente, e nessa arena civil surgem os conflitos do “ser ou não ser”.

A sinopse fala de um “cenário de morte do teatro dentro da carne”. O teatro está morrendo ou é algo mais particular?

Rafael: O teatro não está morrendo. As pessoas estão. Teatro não existe sem pessoas, então posso dizer que ele é uma extensão da vida humana. Sejam aqueles que fazem jus a etimologia de “lugar onde se vê”, sendo assim o público, ou aquelas que são artistas, sendo assim o intérprete. A morte do teatro na carne é na verdade, a morte dele na vida de Caetano. Morte como metáfora de distanciamento físico, mas a cabeça de Caetano ainda cintila sobre um elipse, suas memórias ainda estão em Shakespeare enquanto ele decora um bolo ou polvilha sal na massa, por exemplo. O teatro não morreu na sua cabeça, mas por ociosidade física, morre na sua carne. Por isso ‘Metrópole’ é, também, uma peça metalinguística.

Gyl Giffony: Essa referência está no espetáculo a partir da desistência que um dos irmãos, Caetano, faz por abrir mão de sua vocação, daquilo que tem aptidão para ser e fazer, que é atuar no teatro, aí está “um cenário de morte do teatro dentro da carne”. Em oposição seu irmão, Charles, está começando no teatro, cheio de ímpeto, e a peça mostra esse encontro dos dois irmãos, dessas duas ações, que estão para além de uma conversa sobre teatro, falam para qualquer um que tem vontades e abri mão delas por outras circunstâncias.

O mote geracional parece a oportunidade para falar do ofício do ator em si. A intenção sempre foi essa?

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Imagem: Sol Coêlho

Rafael: Não só essa. Metrópole é também sobre ser plateia. Por isso o grupo percebeu essa discussão quase invisível na peça e optou pelos espelhos. “Vejam, todos nós somos responsáveis da banalização da arte pelo sistema de exclusão”. A plateia, os apreciadores da obra artística são obrigadas a se deparar com o seu oficio de observador, e ver aquilo que está por trás do espetáculo, os bastidores da vida, a frustração pela ausência de um público apreciador, que embora faça parte de uma sociedade consumista, pouco consomem aquilo que está fora do eixo cultural de massa.

Como é essa relação da arte com a carne e como ela influencia a percepção narrativa?

Gyl: Ela está na subjetividade e no corpo dos personagens, mas também no que o sistema e a cidade em que vivem, no ambiente familiar e de amigos que convivem. Ela fala de tudo que os formam, e o que levam inscritos em seus corpos. O corpo aqui é mais que matéria, é pensamento e ação. O que forma e influencia as decisões, a forma de ser de cada um é seu corpo.

Metrópole estreou no TJA e já passou por vários outros teatros. Por ultilizar espaços não convencionais, é necessário se readaptar quando o espetáculo muda de equipamento?

Gyl: Sim, por que cada espaço tem arquitetura e qualidades próprias. No caso, não podemos nem considerar só como adaptações como algo que já está na encenação do espetáculo que o olhar para o espaço, e o público é convidado para ser cúmplice também desse dispositivo.

Rafael: (No texto) Não.

Na temporada de estreia, a plateia podia ver a peça refletida em um espelho no equipamento do TJA. Isso vem de uma reflexão proposital do texto?

Rafael: Creio que sim, embora o texto não fale sobre espelhos. Vale lembrar também que o grupo ensaiava na sala de dança do Teatro José de Alencar, e uma sacada inteligente do grupo foi usar os elementos da sala, como quadros, portas, e o espelho da sala, que mais tarde se tornou o principal elemento da peça e sendo indispensável.

Serviço

Espetáculo Metrópole
Temporada: de 7 a 10 de janeiro
Horário: de quarta-feira a sábado às 20 horas; domingo às 19 horas.
Local: CAIXA Cultural Fortaleza (av. Pessoa Anta, 287)
Ingresso: R$ 10 (inteira); R$ 5 (meia).
Classificação indicativa: 14 anos.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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