Há dias em que conseguimos pegar o tempo com a mão. Como se tivesse corpo, ele nos enxerga. Essa comunhão traz calmaria nas águas de dentro, mesmo quando as tempestades transbordam. Mas para merecer esse encontro é necessário um atravessar – de dores, desculpas e planos. O tempo corre a nossa revelia.

É um sujeito indomável esse tempo que não se permite encapsular. Ora corremos em busca dele, ora contra, ora a favor dele. Quando o encontramos, o perdemos, aí lamentamos e recomeça a corrida maluca de encaixar as horas nos afazeres. Tudo de novo, sem ser nada novo, novamente. É um disparate essa moeda da existência. O tempo, a justa medida da vida que levamos.

Em algumas pessoas, no entanto, podemos reparar o tempo que parou. Nas memórias, virou fotografia da mente. As palavras não alcançam o hoje, ficaram lá nas brincadeiras de infância, ou nas recordações da juventude. O relógio da parede congelou sem avisar. Seguem jurando que no dia seguinte acertam os ponteiros, compram pilhas novas. Mas o que era movimento tornou-se quadro, denunciando a falta de sincronia.

Outros, por sua medida, estão sempre a projetar – trabalho, bens, família, viagens – desenhando a vida que se firma em uma estrutura própria, muitas vezes avessa ao esboço original. Mentes à frente do tempo, senhoras do futuro que se esqueceram de levar consigo o corpo e a alma. Todos os dias, transformam-se em três à procura de reunirem-se.

Confesso que já permaneci um bom período no tempo passado. Agora, tenho me percebido no tempo futuro, com essa mente que elabora e prega peças. Um anacronismo que leva à exaustão, já que não há de fato domínio sobre a vida, nem tampouco haverá.

Imagino o quanto de vida perdemos por não desfrutarmos o presente.

Meditar tem sido para mim um caminho para alcançar esse tempo presente. Surgiu como tentativa e há um mês tenho conseguido manter a prática diária. Começo a sentir os benefícios. A regularidade tem me permitido olhar para o tempo do lado de fora. Às vezes, vejo os segundos correrem sem régua. E há dias em que eles não saem do lugar. Fico curiosa como o mesmo tempo se mostra em perspectivas tão distintas. É como se o sol fosse poente, a cada dia, em uma janela de casa, convidando para uma nova vista.

Um dos grandes desafios desse tempo por dentro tem sido manter a mente junto ao corpo e ao lado da alma. As ideias do que pode vir a ser tornam-se uma poderosa dispersão. É o tempo do abstrato querendo se impor. É a ilusão de querermos ditar o fluxo e estabelecer metas que nem sempre nos levam ao melhor caminho.

A meditação, ou mesmo aqueles simples momentos que reservamos para sentir tudo o que acomodamos – pensamentos, emoções, sonhos e frustrações – é uma fonte de energia transformadora. Primeiro requer persistência (assim como a vida), depois mudança de hábitos com uma boa dose de resiliência, em seguida (mas não por fim) uma atitude de entrega e confiança – na vida, em si mesmo, no fluxo.

Manter-se no tempo presente é uma atitude contínua de aprendizado. O tempo é rei e é presente. Faz a gente alinhar corpo, mente e alma e acaba por trazer mais sossego ao coração. É quando a gente não tenta mais se impor ao tempo, porque ele sempre vai ser melhor que nossos ponteiros acertados.

 

 

 

 

 

 

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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