Acho tão bonito isso de ter sonho. Dá uma coragem danada de viver mais e arriscar. Enche a alma de possibilidades. Sai uma força gigantesca de dentro do peito gritando que a gente pode e merece ser feliz. Sonho é magia.

Gosto de pensar nos sonhos que alimentamos, que um belo dia viram presente quando antes só eram possíveis no coração. Digo isso, porque costumo, de forma inconsciente, naturalizar as vitórias como algo simples, sem esforço, “mais do que a obrigação”. Sintoma de pessoa autoexigente. Para me tratar, tenho procurado internalizar o percurso das conquistas, o tempo maturado, a energia desprendida e as ações. As pequenas, as grandes, as improváveis, as banais.

Comecei, então, a registar sonhos e conquistas em um “caderninho de vitórias”, como apelidam por aí. Percebi que se anotamos as superações diárias vira uma lista de ruma. Pode ser algo diferente que ousamos certo dia, coisas simples como falar com estranhos, chegar a um lugar desacompanhado, ir ao cinema sozinho ou fazer o que estava na lista de “para quando tiver tempo”. Atos bobos para uns e um passo enorme para alguém. Desejos tão pessoais e legítimos.

Vejo que esse processo acaba por assinalar também nossa trajetória. Abraça os altos e baixos como natural da caminhada. Mostra que aquele dia “não tão bom” não se torna uma mancha na fotografia. Compilar as vitórias, ajuda a lembrar que, se hoje estamos aqui, foi porque antes estivemos mais atrás, e antes de nós outras pessoas, e outras gerações, numa longa cadeia de sonhos, acertos, atropelos. E é tudo tão incrível, porque só o fato de resistirmos, sonharmos, é fantástico. Olhar nossa história com generosidade e acolhimento é energizante.

Outro dia conversei com uma pessoa que me falou muito sobre o quanto cada pessoa tem um percurso particular, desenvolvendo uma percepção distinta sobre a vida. E sobre como viver é relacionar-se o tempo todo. Daí a importância de ser gente, de cultivar a humanidade.

Após quase uma hora de conversa, saí embevecida. O corpo adormecido, enquanto a cabeça processava as reflexões. É sempre interessante ouvir os próprios valores pelo discurso do outro. É um tônico. E prontamente me ocorreu um insight sobre momentos de dúvida, seja na vida pessoal ou profissional. Veio o entendimento de sempre optar pela humanidade, porque no fundo é a nossa razão de existir.

Naquela tarde, eu estava cheia de trabalho, prazos a cumprir e uma amiga recém-operada por visitar. Eu já tinha concluído que não haveria tempo para ir ao hospital, nem espaço para comportar todos os objetivos do dia. Depois da conversa, no entanto, fiquei sentindo a melhor decisão. Lembrei-me sobre ser gente e optei pela humanidade de abrir o tempo com a mão. Fui ver a amiga.

Já em casa, à noite, “optar pela humanidade” foi para meu “caderninho de vitórias”. Mais uma conquista a celebrar, junto com os sonhos, os pequenos êxitos e as coisas sensíveis. Comemorei a vitória em ser gente, por mais um dia.

O caderninho tem mais inúmeras páginas em branco para anotar, quantas vezes necessárias, essa opção pela humanidade. Uma conquista que não reclama de repetição.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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