Rogério Ceni concedeu entrevista exclusiva aos jornalistas André Almeida e Brenno Rebouças. Foto: Fábio Lima/O POVO.

Na última sexta-feira, 16, Rogério Ceni concedeu entrevista exclusiva no Pici ao O POVO, publicada nas Páginas Azuis desta segunda-feira, 19. Na ocasião, falou sobre diversos temas, incluindo: um balanço do ano vitorioso no comando do Fortaleza, incluindo seu papel de Manager; as dificuldades enfrentadas na temporada; a possibilidade de permanência no Pici; os fatores determinantes para o título da Série B; Seleção Brasileira e planos para o futuro.

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Abaixo, a entrevista na íntegra, com absolutamente todos os temas respondidos por Ceni em cerca de 1h20min de conversa, que se encerra com uma declaração do ex-goleiro: “levarei o Fortaleza pra sempre no meu coração”. Veja!

O POVO – Ao fim do jogo contra o Juventude, você comemorou, mas depois ficou mais isolado, contemplando a torcida. O que passava pela sua cabeça naquele momento?
ROGÉRIO CENI: Eu também estava comemorando muito, estava muito feliz, mas é uma coisa diferente quando você joga e quando treina um time. Primeiro pela postura que tem que ter. Segundo que foi uma festa fantástica. Cinquenta e sete mil pessoas, estádio cheio. Mosaico, que é uma coisa muito particular daqui, em São Paulo você não vê isso. E o torcedor fez uma festa incrível, foi uma das coisas mais bacanas que eu vivi no futebol. E eu estava muito feliz, comemorei bastante também, mas claro, podendo olhar a comemoração de todos e contemplar o carinho do torcedor.

OP – Você já havia vencido a Flórida Cup como treinador, mas não era um torneio oficial. Considera esse título nacional pelo Fortaleza como primeiro ou segundo da carreira?
RC – Primeiro que conquistar um título é uma coisa tão difícil. Em um campeonato de 38 rodadas, mais difícil ainda. (A Florida Cup) Foi o primeiro torneio que disputei, Corinthians e River Plate faziam parte e são grandes times, então tem uma importância grande. Mas logicamente que o Campeonato Brasileiro tem uma outra conotação, é um título com jogos oficiais. A Flórida Cup é um título que considero para a minha carreira, mas são importâncias diferentes.

OP – Você está apenas no segundo ano como treinador e já conquistou um título brasileiro. Imaginava que viria tão cedo? Acha que com isso já pode alcançar outro patamar como técnico de futebol?
RC – Eu acho que um título nacional, mesmo não sendo a Série A, sendo a Série B, dentro do contexto vivido aqui, do que foi montado, do elenco, das condições financeiras, tendo equipes com orçamentos bem superiores ao nosso, isso tem um valor bastante grande. Eu estou pronto para trabalhar onde as pessoas querem que eu trabalhe. Acho que você tem que estar feliz onde você trabalha. O meu grande dilema é que nós acabamos de ser campeões brasileiros, o maior título da história do Fortaleza. E ano que vem a disputa passa a ser um pouco mais desleal do que foi esse ano, porque não vamos ter dois times com orçamento muito maior, vamos ter dezoito ou dezenove times com orçamento maior. Ou seja, tem que pensar muito. O que vai satisfazer o torcedor do Fortaleza no ano de 2019? O que seria sucesso em 2019? Essa é a grande pergunta que se tem que fazer. Se manter na Série A é sucesso? Vaga para a Copa Sul-Americana é sucesso? Tem que entender o que o clube deseja para ver se tem condições de entregar isso. Se não, é melhor seguir uma nova oportunidade, porque dificilmente traremos a mesma alegria que trouxemos esse ano pro torcedor do Fortaleza.

OP – Você disse em entrevista recente que veio com o objetivo de ser campeão cearense. Não estava nos planos brigar pelo título da Série B?
RC – Quando cheguei, montamos um time para o Estadual, onde você parte do princípio que pode chegar numa final. Mesmo com seu rival mais estruturado, com elenco que tinha jogado a Série B no ano anterior e subido para a Série A, ele está mais preparado que você para ganhar o título. Mas quando você chega numa final, sempre tem a chance de ser campeão, e nós tivemos. No segundo jogo perdemos o pênalti com o Bruno Melo, e se tivesse empatado ali, psicologicamente poderia ter mudado o jogo. Mas nós sabíamos da condição de inferioridade. Entre ser campeão cearense e campeão brasileiro, era mais fácil ganhar o Cearense. Para o Brasileiro, reforçamos o time. Se for analisar friamente, difícil acreditar que batemos 71 pontos, não pelos jogadores, que são ótimos profissionais, mas houve muita mexida. A gente conseguiu se reconstruir dentro do campeonato.

OP – Mas o que o Marcelo Paz te propôs quando te convidou para vir?
RC – Eu perguntei pra ele ‘o que é sucesso para você?’. Ele disse que sucesso era ter o calendário de 2019 cheio, chegar à final do Campeonato Cearense e permanecendo na primeira página do Campeonato Brasileiro. Então acho que fechamos com sucesso, e isso é sinônimo de um trabalho bem feito.

OP – Em determinado momento, você viveu algo no Fortaleza semelhante ao que aconteceu no São Paulo, perdendo peças importantes que fizeram o time piorar. Você temeu que o acontecesse o mesmo?
RC – Com certeza. Fomos jogar contra a Ponte Preta e eles fizeram 2 a 0 no primeiro tempo. Naquele dia eu tinha Jean Patrick no banco, voltando de lesão, e guardei porque pensei que não tinha condições de reverter o resultado. Inclusive colocamos meninos da base para fechar e perder de 2 a 0, porque perder por 3 a 0 é mais impactante (o resultado foi 2 a 0). Nas saídas de Edinho, Osvaldo, lesão de Gustavo e Marcinho, eu fiquei um pouco perdido, com bastante dúvida se conseguiríamos nos manter na zona de classificação.

OP – Dos dois momentos em que o time ficou quatro jogos sem vencer (da 13ª a 16ª rodada e da 24ª a 27ª rodada), qual te preocupou mais?
RC – O primeiro. Porque no segundo eu tinha os jogadores, foi uma oscilação. Teve lesões também, mas eu não tive perda de jogadores em definitivo, como foi na primeira. No primeiro ainda tinha muito campeonato para jogar e eu perdi dois jogadores que eram fundamentais para o meu estilo de jogo.

OP – Qual foi o momento que você sentiu que o Fortaleza ia forte brigar pelo acesso e pelo título?
RC – Eu falo que os dois jogos contra o Guarani são dois divisores de água. Os dois foram marcantes para mim, no sentido de retomada ou de ambição, de chegada. O 2 a 1 e o 3 a 2. O primeiro vindo de uma perda de Campeonato Cearense, que aqui tem um impacto muito grande, então aquele gol aos 49 minutos do segundo tempo (referente ao primeiro jogo contra o Guarani) mudou a concepção do torcedor. E a virada do Guarani (no segundo jogo) porque eles estavam há poucos pontos da gente, iam ficar a três pontos e nós passamos a sete pontos de vantagem. Então foram pontos importantes. Até pela forma como aconteceu.

OP – Segundo dados do SoccerWay, 63% dos gols do Fortaleza foram marcados após os 45 primeiros minutos e 48% dos 15 minutos do segundo tempo para frente. A explicação para isso está no preparo físico?
RC – Com certeza. Primeiro que é onde os times baixam a intensidade e quem tem mais qualidade, quem propõe mais o jogo, começa a ter vantagem. Os jogadores de lado sobre defensores, sobre laterais. E o preparo físico faz a diferença. Não trabalho muito tempo por dia, mas tento trabalhar no máximo que posso deles para que eles não se machuquem. Eu tento priorizar que o atleta trabalhe acima dos 80% dos batimentos, esse é o tempo que eu preciso exigir dele, porque o trote e o caminhar, o que ele faz abaixo dos 10 ou 12 quilômetros por hora, isso ele vai fazer tranquilamente. O mais difícil é conseguir o sprint acima de 25 quilômetros por hora, entre 20 e 25 quilômetros por hora, por isso a gente sempre faz uma sequência de trabalho de força, resistência e velocidade, para chegar no dia do jogo bem. Trabalho no primeiro dia em torno de 3 mil ou 3,5 mil metros, no segundo dia distância maiores, com 4 mil ou 4,5 mil metros, e depois a gente começa a descer para que eles tenham combustível para o dia do jogo.

OP – Na Série B, o Fortaleza é o time com maior média de posse de bola, maior número de passes trocados, maior número de finalizações e melhor ataque. Você tem um estilo dominante, que é efetivo. E no Brasil é muito forte a cultura do resultado, mas às vezes há dificuldade de conciliar um bom futebol com resultado…
RC – Nós tivemos a felicidade de não ter três derrotas consecutivas nenhuma vez no ano. A terceira derrota consecutiva gera desconforto muito grande em qualquer time brasileiro. E eu não mudo meu estilo de jogo. Eu tenho sempre uma coisa na minha cabeça: se me sinto melhor ou igual ao adversário, vou agredir. Se me sinto inferior a ele, vou preparar uma estratégia para ter o contra-ataque como referência. Mas eu uso normalmente as peças que tenho com mais qualidade. Se eu tenho três ótimos zagueiros, vou usar três zagueiros, se tenho três ótimos atacantes, vou usar três atacantes. É o que a gente prioriza, mas nós tivemos a felicidade de propor o estilo de jogo que eu gostaria de jogar aliado ao bom resultado. Acho que a ideia de jogo do Fortaleza foi bacana. Se ano que vem o Fortaleza jogar assim, pode ser que não tenha os mesmos resultados. Aliás, dificilmente os terá no Campeonato Brasileiro. Dificilmente vamos bater 21 vitórias em 37 jogos. Agora, eu vou propor sempre, onde eu estiver, jogar em função do gol e não parar.

OP – Em algum momento você pensou que não conseguiria completar um ano de trabalho no Fortaleza?
RC – Com certeza. Acho que aquele gol do Gustavo (contra o Guarani, na estreia da Série B) tem muito a ver com essa pergunta. Infelizmente é assim, a gente não pode fazer de conta, é a realidade do futebol. Acho que aquele gol do Gustavo mudou a história do centenário do Fortaleza e a minha com o Fortaleza também. O problema tá aí. O torcedor sempre acha o time dele o melhor do mundo. E quando você pega um adversário com o orçamento dez ou vinte vezes maior que o seu, ele acha que você tem que ganhar. E o que a gente tem que ter é frieza e calma.

OP – No hiato entre a final do Cearense e a estreia na Série B, o que você pensava?
RC – Que nós não poderíamos ter a terceira derrota. Que nós teríamos que sair vencendo na estreia para o torcedor acreditar mais no time. E vou ser sincero para você, se o Fortaleza vencesse o Ceará na final do Campeonato Cearense, seria surpresa, no sentido técnico. O Ceará tinha um time bem mais formado, meio campo trabalhava bem a bola, com Richardson, com Ricardinho, Pedro Ken, Luiz Otávio bem na zaga, time bem encaixado, bem redondo mesmo. Hoje, se eu colocar o time que jogou contra o Juventude em campo e eu não falar nada, ele fará tudo direitinho. Porque já jogou muito, todos sabem por onde é a saída de bola, quem baixa, qual é a circunstância que baixa o Felipe, qual a circunstância que o Felipe marca por trás dos homens de frente, cada um sabe do seu posicionamento. Quando o Jussani leva a bola, já sabe quem dá a opção pelo meio; quando o Ligger leva a bola, e os zagueiros compraram essa ideia de ser o primeiro homem a armar o jogo, eles levam a bola muito à frente e isso ajuda muito. Eles ganharam coragem e evoluíram com o passar do tempo, mas há seis meses atrás não tinha isso. É como construir um ídolo, demora anos, demora tempo, você tem que jogar, tem que mostrar. Um time também demora tempo para você construir.

OP – Sobre sua permanência ou não no Fortaleza, dá para depreender das suas declarações que a principal condição para você ficar é ter um time competitivo para a Série A (Ceni balança a cabeça positivamente). Essa semana o time aprovou um orçamento de R$ 56,7 milhões para 2019, com R$ 32 milhões de investimento no futebol. Dividindo em doze meses, o Fortaleza terá uma folha em torno de R$ 2,6 milhões/mês. Com esse valor, se faz um time competitivo para a Série A?
RC – Primeiro tem que descobrir algumas peças mais baratas. Mas o problema não está em fazer o pagamento para o atleta, está em adquirir o atleta. Ele tem vínculo com outros times. São poucos os jogadores que o Fortaleza tem hoje e tem que analisar se eles se encaixam no perfil para jogar uma Série A, no modo como o time pensa em jogar. Hoje os salários de jogadores da Série A são altos. É difícil. Eu não sei te dizer, mas acho que a folha de pagamento do Fortaleza hoje gira em torno de R$ 1,1 milhão mensais, então nós teremos um pouco mais que o dobro, agora uma coisa é ter jogador e pagá-los com esse dinheiro, outra coisa é montar um time com esse dinheiro. Eu não sei se é possível.

OP – O que o Fortaleza precisa melhorar para a Série A?
RC – Para mim, nós vivemos no ano do centenário o maior título da história do clube. O que deixará o torcedor tão feliz no ano que vem? O título? Só isso vai satisfazer ou se permanecer na Série A, pegar mais uma cota da Série A. Mas investir no Centro de Treinamento, na formação, em melhores alojamentos pros atletas, alimentação melhor, melhores campos, aparelhagem de fisioterapia portáteis, que precisa para levar na viagem para tratar jogador e acelerar recuperação. Profissionais também que se dediquem exclusivamente ao clube em determinadas áreas, como nutrição e fisiologia. Eu acho que é isso que o clube precisa pensar e eu não sei se a gente consegue entregar, não sei se diante das expectativas criadas, se é possível entregar o que o torcedor sonha. E eu não quero frustrar o torcedor porque nós deixamos uma página super bacana escrita neste ano do centenário.

OP – O que vai te mover a escolher seu projeto para 2019?
RC – Ter chance de vencer. Eu gostaria de ter chance de ser campeão. Estou muito grato ao que aconteceu esse ano aqui. Eu sei da importância que foi estar aqui para o time, também a importância da cidade, estádio cheio, jogar para 50 mil pessoas é diferente de jogar para 5 mil pessoas, como a maioria dos times, e mais de uma vez. Os últimos cinco jogos do Fortaleza estiveram na casa dos 50 mil. O que eu gostaria era de enfrentar com possibilidade de vencer.

OP – Você já conversou com o presidente Marcelo Paz sobre prazo para resposta?
RC – Nós devemos ter uma reunião lá em Curitiba (na sexta-feira, após a partida contra o Coritiba, pela última rodada da Série B). Nós conversaremos ao final do campeonato para fazer uma análise geral. De quem está emprestado e vai retornar para o clube de origem, daqueles que estão aqui, o que é possível fazer, o que é possível trazer, se o orçamento cabe para um ou outro, ter um panorama. Eu já penso em alguns nomes se for para ficar aqui, se é possível trazer, pra gente dar uma encorpada, porque se a gente ficar parado no tempo os outros atropelam. E outra coisa, é novamente como ano passado, montar 70%. É um trabalho difícil, posso garantir para vocês. É muito tempo de vídeo, muita hora vendo jogador, muito tempo no telefone. E para você ter a chance de trazer o jogador, tem que conversar com o cara e tentar sensibilizar ele de alguma maneira. Se o outro oferece mais dinheiro, você tem que ter algo a oferecer para ele. É um trabalho que você começa os treinos na última semana de dezembro, primeira semana de janeiro, mas essa montagem começou a ser feita dia 14 de novembro. Quando eu vim para cá, os meninos do vídeo trabalharam comigo no hotel até 3 horas da manhã. Quase seis dias que passei aqui, pegava de tarde e ia até a madrugada. Trabalharam muito, mostrando jogador, e aí se você gostar do jogador tem que ver quanto ganha, se ele pode vir, se ele tem interesse de vir, se o empresário quer que ele venha, é uma série de coisas, e às vezes você gastou tudo aquilo. Do que nós vimos, aproveitamos 10%.

OP – Em entrevista ao portal Yahoo, o pessoal do CIFEC disse que você, dos últimos quatro técnicos do Fortaleza, foi o que mais os consultou…
RC – É que nós tínhamos uma composição de orçamento. Nisso, quando eu tenho um cara de R$ 60 mil, eu vou ter que ter uma peça de razoável a boa para compor o elenco de R$ 10 mil. Então assim, claro que conheço um pouco mais a base do São Paulo, o Natel tinha trabalhado comigo, então tenho que fazer esse equilíbrio para poder chegar no número final. Como eu tenho um valor X, tenho que montar o time em cima daquele valor. Se eu quero o Gustavo, que tem um salário maior, tenho que ter o contraponto dele. Então é assim que se monta elenco quando se tem um limite de valores para atingir. E os meninos me ajudaram muito, e eu respeito porque eles viveram mais a Série B e a Série C do que eu. Eles têm mais conhecimento sobre jogadores e você tem que respeitar isso. Quando se têm profissionais que trabalham nessa área de ver jogadores, eu tenho que escutar o que eles têm para oferecer. O mínimo que tenho que fazer é escutar a opinião de todos. Claro que a decisão final será minha, mas eu tenho que analisar e eles fazem parte disso, e se eu ficar farão parte de todo o processo para contratação, não é só minha opinião que vale.

OP – Você tinha a ideia de utilizar um elenco enxuto e acabou descobrindo habilidades dos jogadores para outras funções. Em determinado momento chegou a usar o Felipe de zagueiro….
RC – O Felipe eu usei como zagueiro nos jogos que eu precisava ganhar e que eu via que saída de bola era um pouco deficiente, que o adversário só estava se defendendo. Eu botava o Felipe para zagueiro puxava o Dodô para volante e usava o Ederson de camisa dez. Era uma maneira que eu encontrava de deixar um time mais técnico, um pouco mais ousado, logicamente não como um especialista na função, mas um cara que tem melhor saída na defesa.

OP – Você vai levar isso para sua carreira, montar elencos mais curtos, mas com jogadores versáteis?
RC – O jogador que joga em duas ou três posições e faz bem tem vantagem, mas aqui o que eles mais aprenderam é que cada jogador é obrigado a ter o conhecimento do jogador da outra posição, principalmente das que jogam perto dele. O Marlon não é um ponta, mas ele desempenha uma função tática, se eu botar ele de segundo volante, ele sabe jogar, se eu precisar de primeiro volante, ele sabe, pensei em botar ele de lateral esquerdo, ele falou ‘nunca joguei, mas se você quiser eu faço’. Para um treinador é muito satisfatório ouvir isso. Felipe já jogou de zagueiro, sabe fazer a lateral direita e se eu precisar dele como segundo volante, ele não vai render tanto, mas sabe fazer. Para mim não interessa quem ocupa a posição dentro de campo, sim que ele compreenda aquilo que ele tá fazendo.

OP – No Fortaleza você foi mais que um treinador, foi uma espécie de Manager, se engajou em várias áreas. Você fez isso porque sentiu que aqui havia necessidade ou é uma característica sua?
RC – Eu senti que aqui era necessário. Isso no São Paulo eu fiz também, mas lá eu não precisava olhar refeitório, comida, alojamento, se estava limpo, se não estava, lá tá tudo pronto. Nos grandes clubes isso está tudo pronto. O treinador pode usar o poder de convencimento para trazer um atleta, porém mais que isso não precisa fazer. E digo para vocês, é chato, primeiro porque te tira do principal, que é se concentrar no jogo, mas aqui, naquele momento, quando cheguei, era necessário. Eu vi que pra ter a vitória no final era aquilo que eu precisava fazer. Agora demanda muito tempo. Esse campo (auxiliar, construído a pedido de Ceni) que você tá vendo era um estacionamento, de areia. Eu perguntei se podíamos fazer um campo auxiliar, perguntaram onde os carros iam parar, eu falei que nós vivemos de futebol, não de vaga de carro. Hoje é o melhor campo que nós temos.

OP – Você interferiu em vários setores do clube. Pediu academia com visão para o campo, deu vida ao CT, em Maracanaú, que antes não era tão utilizado. Qual legado você deixa em relação a estrutura física?
RC – Eu não sou muito bom pra construir, mas sou bom pra ter ideias (risos). Então quando eu vi esse espaço vazio (no Pici) eu disse: “porque vocês não constroem uma academia aqui? E faz a parte de fisioterapia com vista pro gramado”. Porque o cara que tá se tratando ele não gosta de tá ali na fisioterapia. 90% dos atletas querem estar no campo. Então se ele não puder tá treinando, tá vendo o que tá acontecendo. Se for um bom observador, ele já vai ver em que setor ele se encaixa dentro daquilo que tá sendo desenvolvido, o que o treinador quer. Ele já vai tá, se não executando, podendo ter uma noção. Enquanto se ele estiver em outra sala lá atrás, fechada, não vai tá conectado com aquilo. É uma forma de deixar mais próximo. Se você tá próximo ao campo, até o lado psicológico melhora, que ajuda muito na recuperação. Então isso nós quisemos mudar, e tivemos o projeto pra mudar muita coisa aqui no Pici. Pra que o profissional ocupe esse espaço. E o maior patrimônio que um clube tem é seu Centro de Treinamento. Isso é que vai desenvolver jogadores, desenvolver o profissional, que vai dar mais tranquilidade pra se trabalhar num momento de derrota. O atleta também precisa se concentrar. O CT é meio desgastante, tem 50 minutos pra ir, 50 pra voltar. Mas eu acho que é essencial ter um lugar fechado pra que tenha paz e calma pra analisar o time.

OP – O que você acha do perfil do presidente Marcelo Paz e o quanto isso impacta no time?
RC – O Marcelo é um cara jovem, tem 35 anos, é 10 anos mais jovem que eu, mas é um cara que tem vontade de vencer, tá sempre lá no vestiário. Às vezes eu até falo pra ele que o presidente é uma figura que tem que tá pontualmente em momentos, às vezes se desgasta muito…mas tem a vantagem de conhecer jogadores, saber características de jogadores, de quando a gente vai fazer as escolhas ele conhece. E isso ajuda bastante. É um cara aberto ao diálogo, calmo, tranquilo, raramente se exalta, e isso é bacana. E tem conhecimento sobre o futebol, uma noção geral. Isso ajuda muito do que ter uma pessoa que não tem a mínima percepção de nada, com uma visão arcaica. Ele é um cara que aceita opiniões…aqui não tem essa de “o Rogério mandou”. Não, eu não mando em nada. Eu emito uma opinião sobre o que eu acharia que ficaria melhor. Não pedi pra construir edificações, nada…são coisas possíveis de fazer, dentro das coisas já existentes e um orçamento real.

OP – Como foi seu relacionamento com os jogadores?
RC – Eu acho que por ter acabado de sair do futebol, com 3 anos pode-se considerar recente ainda, eu tento ser o treinador que eu gostaria de ter quando eu fui jogador. Tem gente que diz que não gosta de cumprimentar o jogador porque acha que pode perder o respeito. Eu acho que o que ganha o respeito do jogador é ele notar que você domina o que tá fazendo. Uma postura bacana, amizade, converso todos os dias, cumprimento cada um. Durante o trabalho, ali eu grito, cobro, eu faço tudo que precisa fazer. Quando acaba aquele treinamento…uma coisa que eu digo do futebol: nada é pessoal. No futebol, tudo é profissional. Nunca leve nada pro lado pessoal.

OP – Teve problemas com algum jogador? Alan Mineiro e Germán Pacheco saíram do clube chateados…
RC – Não. Alan Mineiro, camisa 10 nato, tanto que tem feito sucesso no Vila Nova, jogador que tem uma visão de jogo fantástica. Muito bom tecnicamente, mas no meu entendimento ele estava um pouco abaixo. Não é que eu quis que ele fosse embora, não. Ele vinha entrando em vários jogos, mas precisava melhorar o condicionamento físico. Não é que eu quis que ele fosse embora, ele que sentiu que eu até acho de muita personalidade, muito valioso isso num atleta, ele sentiu que tinha que jogar em outro lugar. Aceitou outra proposta, mas é digno de um atleta não se acomodar. Ele teve personalidade, foi pra outro lugar. O Gérman, ótimo jogador tecnicamente, menino nota dez, tranquilo, mas queria mais minutos pra jogar, e eu não tinha condições de dar aqueles minutos que ele queria. Mas não tive problema nenhum de relacionamento com nenhum dos dois, pode perguntar. Agora o treinador ele é mais especial sempre pra aqueles que têm mais minutos dentro de campo, e não é tão pra quem fica fora. Mas não tive nenhum problema de relacionamento durante todo esse período. O grupo que trabalhei só tenho elogios a fazer. Comportamentalmente os caras foram fantásticos e os grandes responsáveis pela campanha do Fortaleza. Deram uma aula.

OP – Em que você acha que os treinadores brasileiros precisam evoluir para alcançar um nível mais parecido ao da Europa?
RC – Eu acho que nós aqui nunca vamos jogar igual na Europa. Na América do Sul não tem um poder aquisitivo que possa segurar um jogador muito tempo. Se os melhores estão lá é óbvio que lá vai ser um futebol melhor. Se nós não temos a mesma qualidade de gramado, é óbvio que lá vai ser praticado um futebol de melhor qualidade. Nós nunca chegaremos ao nível de jogo deles. Nível de jogo que eu digo, se pegar os 10 jogos da rodada do Campeonato Inglês, é diferente dos 10 do Campeonato Brasileiro. Agora os treinadores, não dá pra generalizar também. Cada um tem um perfil…mas acho que gerir grupo passa a ser o essencial pra um treinador. E depois é tentar sempre se atualizar, desenvolver novos treinamentos e o mais importante: entender pra que o treino serve. Porque às vezes você vê, mas não sabe pra que aquilo serve. O mais bacana é desenvolver o próprio exercício. E saber quando um atleta te perguntar pra que aquilo serve. Desenvolver a parte tática é muito importante.

OP – Hoje você só não ficaria no Fortaleza se recebesse outra proposta ou tiraria um ano para estudar e se aperfeiçoar mais?
RC – Eu gosto de pegar trabalhos no começo de ano, com pré-temporada. Eu não acredito muito nas mudanças em meio a campeonato. Claro que tem casos que deram certo, como a Ponte Preta, o Palmeiras mudou, o próprio Ceará também, com o Lisca…mas aí quer dizer que o Chamusca não era bom, então? Subiu da Série B pra A, foi Campeão Cearense, em 5 rodadas ele deixou de ser bom? Não. Não trabalhei com ele, mas deve ser um ótimo profissional. Só que o Lisca mudou a cara do Ceará, tirou de uma situação em que todo mundo dava como rebaixado e, a meu ver, eu acho que o Ceará fica na Série A, pelo futebol apresentado. Mas é legal começar com pré-temporada e ter um trabalho. Quando cheguei aqui, um dos grandes objetivos era concluir o ano de trabalho. Ter pré-temporada, campeonato regional, brasileiro e concluir isso. Felizmente deu tudo certo.

OP – O Fortaleza te oferecer o “padrão Ceni”, com seu modelo desde as categorias de base, um contrato mais longo…
RC – Eu não me apego muito a tempo de contrato. É muito variável, tudo pode mudar tão rápido. Mas eu ainda acredito que um trabalho ele pode ser avaliado em um ano. E aí se você me quer aqui, se vierem 3 derrotas, e é possível que venha num campeonato brasileiro Série A, o que vocês vão fazer? Tão contratando resultado ou um profissional? Acho que é isso, qual o objetivo, isso é muito importante.

OP – Teme que mudando de clube pode não ter o mesmo respaldo que no Fortaleza? Aqui já tem um maior crédito?
RC – Acho que em todo time de massa, e o Fortaleza é um time de massa, torcedor é impulsivo, apaixonado, não é racional. Ele vai ao estádio pra não ser racional. Pra gritar, extravasar, chamar você de burro. Lógico…aquilo é intrínseco ao momento, futebol é muita emoção. Então no Fortaleza nós ganhamos ,foi bacana, mas ano que vem…sabe qual é o ruim de ganhar um campeonato? É que ano que vem começa tudo de novo. Quando você tem 71 pontos e o outro 59, queria que o campeonato durasse mais, porque é bom estar nessa posição. Difícil é chegar a essa posição. No ano seguinte vamos ter que construir tudo do zero, seja aqui no Fortaleza, seja em outro lugar. Nós estaremos sendo avaliado também por resultados.

OP – Na imprensa nacional havia o tratamento do “Fortaleza de Ceni”. Isso te incomodava ou você achava positivo?
RC – Acho que é natural. É o centro onde eu joguei toda minha carreira. Joguei sempre em um único clube também, isso é muito marcante e cria uma identificação, uma personalidade. Teu nome, os títulos, as vitórias. Então o Fortaleza, estando numa Série B, com alguém que esteve a vida toda na Série A, jogando Libertadores, então é normal que eles tratem assim. Não vejo como uma diminuição.

OP – Se imagina treinando a Seleção Brasileira no futuro?
RC – Eu gosto muito de trabalhar o dia a dia. Gosto muito de clube. Quando eu jogava, gostava mais de trabalhar no clube que esporadicamente na seleção. Acho que a Seleção Brasileira é o ponto máximo que um atleta pode chegar, um treinador e dirigente também. É precioso o reconhecimento não só dos seus torcedores, mas de um país inteiro, Mas o dia a dia do clube acho mais prazeroso que o esporádico da seleção. Não tenho esse como objetivo principal. É muito difícil acontecer, gosto do trabalho no clube e acho bacana esse desenvolvimento diário, é o que me satisfaz bastante.

OP – Como é a sua relação com a cidade de Fortaleza e o povo cearense?
RC – Muito boa, cara. Juro pra você. Vou ser sincero, saio muito pouco aqui. Não conheço quase nada, nem as praias que são famosas. Acho que eu fui meia dúzia de vezes na praia em um ano. Mas eu gosto muito de ver o mar. Isso dá uma paz de espírito. O que me faz ter força e energia no dia seguinte é quando eu chego em casa e posso ficar olhando pro mar. E eu acho o povo muito alegre, receptivo, a cidade foi muito bacana comigo. Eu não conhecia muito do Nordeste, a não ser viagens a trabalho, pra jogar, e posso dizer que fiquei encantado com tudo. O clima é muito bom. É quente? É quente! Mas eu prefiro o calor que o frio. Tem uma brisa muito gostosa. Sou muito grato à cidade, a maneira como me recebeu, que me trata todos os dias.. Estando aqui ou não, vou levar pra sempre esse ano que vivi em Fortaleza.

OP – Qual sua análise do futebol cearense? O que é preciso evoluir?
RC – Acho que é preciso ter decisões tomadas mais cedo. Pretendo não ofender pessoas, mas quando se cobra uma melhoria no gramado é porque se quer ter um futebol bom. No interior a gente vê que precisa de melhorias, acho que isso é o principal. Pra se ter um bom campeonato tem que oferecer melhores condições. De resto, acho que o público poderia melhorar um pouco…a diferença do público do Cearense pro Campeonato Brasileiro é muito grande. Tem que oferecer atrativos, ver o que é bacana pro torcedor, como melhorar o espetáculo. Não exagerar em muitos jogos no Castelão pra que se tenha um gramado melhor pra jogar, melhorar o PV, que é um estádio muito aconchegante. Olhar com carinho pro futebol. Se ano que vem o futebol cearense tiver com 2 representantes na Série A será espetacular. É significativo ter 2 times na Série A. Movimenta economia, turismo, dá visibilidade…

OP – Com toda sua história no São Paulo, treinaria algum outro time do Estado de São Paulo?
RC – Eu tenho uma história muito linda com o São Paulo. Eu cresci dos 17 aos 42 anos no São Paulo, e tenho um respeito muito grande pelo clube, então acho que os rivais não iam querer me contratar (risos). Acho que no momento é incompatível isso acontecer e talvez seja incompatível por toda a carreira. Mas tenho um respeito muito grande pela história deles.

OP – O que representa o Fortaleza Esporte Clube pra você hoje?
RC – Hoje é uma grande história de sucesso, um dos anos mais marcantes na minha vida. Ficará pra sempre na minha memória tudo que aconteceu aqui. Por se tratar do ano do Centenário, pelo título conquistado, pela forma como fui recebido. Pra mim, levarei o Fortaleza pra sempre no meu coração. Como diz a música, “pra sempre te amarei”, e eu com certeza vou levar esses cantos da torcida, eu sei quase todos eles. São músicas que têm letras consistentes, bonitas, é prazeroso ouvir. Vou levar pra sempre como uma recordação muito bacana um dos anos mais especiais de toda a minha vida.

OP – Se o São Paulo é sua casa, o Fortaleza passará a ser a segunda?
RC – Com certeza! Hoje é a primeira (risos). Essa história vai estar sempre aqui. Eu falo pros jogadores que a melhor maneira de entrar pra história é conquistar títulos, e o quadro de campeão estará sempre ali. A foto do time campeão estará na casa do torcedor com você lá, marcado pra sempre. E eu falo pros jogadores que eles conseguiram entrar na história do Fortaleza em definitivo. Daqui a 100 anos, esse feito que aconteceu contra o Avaí será lembrado.

OP – Independente de ficar ou não, Rogério Ceni deixa um legado no Fortaleza?
RC – Cara, eu espero ter colaborado com alguma coisa. Não somente na parte técnica, no trabalho, mas principalmente com ideias futuras. Independente de estar aqui ou não, que tudo que a gente colocou no papel, aqui tem um projeto de uma mudança drástica dentro do Pici, pra que no futuro o profissional utilize isso aqui como seu centro de treinamento mesmo, que eles possam dar sequência. Uma coisa eu te garanto, o Fortaleza continuará grande, fazendo as mesmas festas, os mesmos mosaicos no Castelão, com a minha presença ou não. O Fortaleza é o eterno amor daqueles que vão ao estádio todos os dias, independente da pessoa, do personagem que esteja aqui. Outros treinadores tem capacidade de vir, desenvolver o mesmo trabalho que eu desenvolvi. E nós somos uma peça e que tem que aproveitar o que a gente viveu aqui. Agora o Fortaleza continuará com seus 57 mil todo jogo na Arena Castelão, com os milhares que acompanharam. Eu espero que daqui pra frente caminhe e permaneça, que ao menos na minha cabeça imagino que é esse o objetivo, estar o máximo de tempo possível na Série A do Campeonato Brasileiro.

About the Author

André Almeida

É jornalista, repórter do Jornal O POVO e comentarista do Futebol do Povo. Análise baseada em fatos, estatísticas, scouts, números, esquemas e comportamentos táticos. Futebol é isso.

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