Antonio Candido. (Foto: Marcos Santos/USP/DIVULGAÇÃO)

O crítico literário e sociólogo Antonio Candido, dono de uma das obras mais fundamentais da intelectualidade brasileira, morreu aos 98 anos. Ele estava internado no Hospital Alberto Einstein, em São Paulo, com problemas no intestino. Autor de livros fundamentais como Introdução ao Método Crítico de Silvio Romero, Formação da Literatura Brasileira e Literatura e Sociedade, Candido formou uma maneira de pensar a literatura brasileira que influencia toda a crítica literária do País desde então.

Logo que a morte foi confirmada, na manhã de hoje, 12 de maio, pesquisadores, professores e estudantes lamentaram a perda. Para Cláudio Rodrigues, docente do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, o Brasil perde um pensador que fez da literatura um compromisso com o humano. “Estou pensando na sua escrita original, marcada por uma apresentação da literatura como produto de um sistema indissociável entre autor-obra-leitor. Sua presença na defesa dos valores políticos e sociais o fez encabeçar listas de manifestos contra todo o tipo de autoritarismo e na defesa da democracia”, afirma em entrevista ao Leituras da Bel.

“A lição maior que nós, sobretudo alunos e professores da Letras, podemos levar é que a Literatura não está alheia ao mundo, não é mera representação dele, mas é uma ferida aberta da nossa humanidade. Antonio Candido se foi? Não, por nós, conosco, hoje e sempre estará presente!”, completa Cláudio Rodrigues.

Entre os estudantes, Candido é considerado um mestre e figura viva nos debates. “Crítico literário de renome, a leitura de seus estudos não só contribuiu – e ainda contribui – para o ensino de literatura, como se torna imprescindível para a formação de qualquer estudante e pesquisador da área”, aponta Rafael Lima, concludente do Curso de Letras da UFC. Ele explica que é inviável pensar as Letras, hoje, sem a obra do crítico.

“É bastante complicado pensar o curso de Letras em sua forma hoje sem o papel fundamental de Candido. Certamente este dia, com a partida desse grande mestre, é de bastante pesar para todos nós”, elucida Rafael.

Candido nasceu no Rio de Janeiro, em 24 de julho de 1918. Mudou-se para São Paulo na adolescência, onde ingressou na graduação em Direito. Abandonou o curso e traçou uma carreira brilhante na academia. Em 1945, já era livre-docente em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Nove anos depois, recebeu o título de doutor em Ciências Sociais. Mais tarde, assumiria o cargo de professor de Teoria Literária e Literatura Comparada. Mesmo após a aposentadoria, em 1978, orientou dissertações e teses de pós-graduação. No exterior, lecionou na Universidade de Paris e em Universidade Yale.

“Seu sólido pensamento a respeito da literatura adensou e sistematizou o exercício da crítica literária no Brasil. Com Antonio Candido, temos a construção da ideia de sistema literário em nossas letras, além do fecundo diálogo estabelecido com os textos literários, a partir de uma leitura imanente capaz de articular ficção e sociedade”, opina Sarah Forte, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

O professor Marcelo Magalhães, do curso de Letras da UFC, escreveu um texto sobre a perda. Confira a produção, abaixo, na íntegra:

ELEGIA DE MAIO:
morre Antonio Candido
Em 1941 Mário de Andrade atendia a solicitação da revista Clima, que fora lançada naquele ano com a participação ativa de Antonio Candido entre os editores. O ensaio “Elegia de Abril” sairia estampado no primeiro número da revista, e nele o escritor modernista refletia sobre a inteligência nova de seu país. Entre os moços que representavam a possibilidade de algum progresso cultural, começaria a se destacar a partir dali a figura fundamental do crítico literário e do historiador de nossa formação espiritual que hoje nos deixa, desta forma propondo sem querer o mote para uma “elegia de maio”. A integridade intelectual de Antonio Candido foi testemunhada pela geração modernista que Mário de Andrade representava, integridade que seria confirmada reiteradamente por uma trajetória que percorreu mais de meio século. A formação contemporânea dos estudos sobre a literatura brasileira deve muito de seus avanços ao mestre de Educação pela noite e outros ensaios — e não somente por sua erudição penetrante e questionadora, mas pela dimensão humana e empenhada que sempre soube lhe emprestar. A morte de figura tão amplamente imprescindível, tanto para a reflexão acurada sobre nossa cultura quanto para a compreensão de nossos impasses políticos, em tempos tão sombrios de nossa história traída e golpeada, é motivo mais que sensível para uma “elegia de maio”: lamentemos o desaparecimento de quem, entretanto, continuará a servir de exemplo para uma compreensão mais humana da literatura pela inteligência nova de nosso país.

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Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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