Margaret durante filmagem de O Conto da Aia

Por Alessandra Jarreta*

Eu sempre fui a primeira a reclamar que nós não temos mulheres o suficiente na ficção cientifica. Não que elas não escrevam; escrevem, e muito. É o machismo do mercado que não lhes dá a oportunidade. As maiores premiações do meio como o prêmio Hugo, Clarke e Nebula são sempre alvo de polêmicas e reclamações (geralmente vindas do público masculino) quando uma mulher chega ao mínimo de ser citada para alguma categoria. É o velho “não queremos as meninas brincando no parquinho dos meninos”. Esses meninos, entretanto, esquecem que o próprio gênero foi criado por uma mulher no verão de 1816, quando Mary Shelley cansou de brincar com os meninos e retirou-se para o seu quarto para escrever Frankenstein, aos 19 anos. Em 2014, quando uma grande editora nacional veio a Fortaleza anunciar seus lançamentos do gênero, prontamente ergui a mão para questionar a ausência de nomes femininos na lista e autoras do nosso país. A resposta dos editores foi automática: Era extremamente difícil sequer cogitar a possibilidade de publicar mulheres – brasileiras então, nem pensar.

Com todos esses fatores na mesa, pode-se imaginar minha alegria quando, vasculhando uma lista de grandes obras feministas da literatura, me deparei com uma ficção cientifica, escrita em 1985, sobre um mundo governando por homens que sequestravam mulheres para procriação. O livro era O Conto da Aia, de Margaret Atwood.

Margaret Atwood, hoje com seus 77 anos, é uma escritora canadense com inúmeros prêmios literários, além de ter sido agraciada com a Ordem do Canadá, a mais alta distinção em seu país. Seus livros, amplamente publicados no Brasil pela editora Rocco, passaram muito tempo esquecidos, em edições pouco cuidadosas de papel grosseiro. Eu nunca tinha ouvido falar dela. Consegui encomendar minha edição do Conto da Aia na livraria com algum esforço e relutância do vendedor, pois o exemplar era o único de uma série já esgotada, com a lombada machucada e as páginas manchadas. Meses depois de ter a castigada obra em mãos, vi que Emma Watson (mais conhecida por ter interpretado a Hermione nos filmes do Harry Potter) em seu clube do livro online o leria e debateria durante dois meses.

Margaret Atwood

Coincidência ou não, a série homônima produzida pela plataforma Hulu, um serviço de streaming nos moldes da Netflix, começou a ser exibida pouco depois, ganhando fortes elogios da crítica e trazendo o nome da autora (e também produtora da série) para os holofotes. A edição brasileira ganhou uma nova roupagem que rapidamente voou das prateleiras e, inspirado pela iniciativa de Emma, que escondeu edições do livro pelas ruas de Londres, a editora, junto com o clube de leitura Leia Mulheres, espalhou Contos da aia por diversos cantos do país. Ficou difícil falar sobre outra coisa.

Elisabete Moss e Margaret Atwood

Sendo a segunda de três filhos e filha de pai entomólogo, Margaret Atwood cresceu em meio a florestas e começou a escrever histórias com apenas 6 anos. Aos 16 já sabia que queria viver como escritora profissional e formou-se em Artes e Inglês pela Universidade de Toronto, recebendo posteriormente um diploma honorário de Doutora em Literatura pela Universidade Nacional da Irlanda e várias outras universidades canadenses. Seu livro O conto da aia já é considerado um dos grandes clássicos da ficção cientifica, entretanto, a autora nega a classificação. Prefere considerar sua obra uma “ficção especulativa”, algo que está muito próximo da nossa realidade, como explica em entrevista para o The Guardian “A ficção científica é feita de monstro e naves espaciais; a ficção especulativa é algo que poderia realmente acontecer.”

Cena da série

Eu não sei se toda ficção especulativa pode ser uma ficção cientifica, ou vice-versa, mas comparo o Conto da aia com outras distopias igualmente especulativas como 1984, Fahrenheit 451 e Admirável Mundo Novo. Para mim, o que destaca o universo criado pela autora canadense dos demais é ele ser o mais aterrorizante entre eles. Enquanto lemos, temos a sensação de que aquilo pode acontecer a qualquer momento – basta um descuido.

Margaret Atwood tem 16 romances publicados, além de livros de infantis, contos, poesia e obras de não-ficção, que abordam principalmente técnicas de escrita. Além disso, participa do Future Library (Biblioteca do Futuro), um projeto iniciado em 2014 no qual 100 autores escreverão um livro para uma coletânea que será lançada apenas em 2114. Em entrevista, a autora compara o projeto como algo saído de um conto de fadas: “É como a Bela Adormecida. Os textos ficaram dormindo por 100 anos e então acordarão e ganharão vida”. Uma escritora que, com toda a certeza, vale a pena conhecer.

*Alessandra Jarreta é estudante de Letras da UFC, mediadora dos clubes de Leitura Nordestina, Leia Mulheres, Leituras Feministas, Clube do quadrinho e Lendo Clássicos. Escreve quinzenalmente para o Leituras da Bel sobre Mulher e Literatura.

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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