O escritor cearense Pedro Jucá lança o livro Amanhã Tardará. Na narrativa, o jovem Marcelo deixa os Estados Unidos e volta à casa onde nasceu e passou parte da vida. A obra teve lançamento em Fortaleza, Rio de Janeiro, Curitiba e também será lançada em São Paulo. Ao Leituras da Bel, Pedro Jucá falou sobre escrita, perspectivas, família e estudo.
“O livro, que marca a estreia do autor no gênero, é um romance de formação sobre as complexidades das relações familiares, da potência inesgotável do trauma e, acima de tudo, das inapagáveis marcas da infância sobre a concepção do desejo, da sexualidade e da própria passagem do tempo. Em uma narrativa cuidadosamente construída e com referências à psicanálise, Pedro aborda na obra temas como comportamento humano, vivências, traumas e cotidiano”, explica a Editora Planeta em material de divulgação.
Amanhã Tardará é publicação do selo Tusquets/Editora Planeta. Criado em 1969, na Espanha, e presente no Brasil desde 2016, onde já publicou nomes como Camila Sosa Villada, José Eduardo Agualusa, Pedro Almodóvar, Xico Sá, Javier Cercas, Marguerite Duras, Édouard Louis e Leila Slimani, o selo passa a investir também em autores considerados promessas da literatura contemporânea nacional. Esse é o caso de Pedro Jucá, escritor nascido em Fortaleza, no Ceará, que lança o romance Amanhã Tardará.
Leituras da Bel – O livro Amanhã Tardará é um mergulho em processos familiares. Como aconteceu o desenrolar para a produção?
Pedro Jucá – Eu acho que tudo o que eu escrevo parte sempre de uma questão familiar. Como diria o Marcelo, protagonista e narrador do Amanhã Tardará: “família é brutal”. É dela que eu acredito que se origina toda a dor e a delícia de sermos quem somos – nossos afetos, nossos bem-quereres, nossos tormentos, nossas faltas e culpas. Nossos traumas, nosso sonho, nossa recordação. É a partir da família, em suma, que nós nos fazemos humanos – que nós aprendemos a ser gente.
Sendo assim, seria impossível que a história do Amanhã Tardará, meu primeiro romance, não contasse justamente a história de uma família, que, se é mesmo verdadeira a frase de abertura de Anna Kariênina, é feliz igual às outras, mas é infeliz à própria maneira. É um drama universal, com o qual muita gente vai se identificar, mas é também muito particular a essas personagens atreladas umas às outras por laços familiares: Marcelo, Inês, sua irmã, Hilde e Joca, seus pais, e até Tobby e Mima, o cãozinho e a gatinha da família. Na narrativa, que cobre mais de trinta anos, eu quis trabalhar também os temas da infância, da memória, do trauma e da sexualidade. Trata-se de um romance de formação.
Leituras da Bel – A obra também tem muitas referências à psicanálise. Gostaria que você comentasse sobre os estudos que vem fazendo da área.
Pedro Jucá – A psicanálise sempre me encantou – eu acho que fui freudiano antes mesmo de ler Freud, no começo da vida adulta. O meu processo de análise fez surgir em mim um interesse pelo Inconsciente, do que comecei a estudar a matéria e logo me vinculei a uma escola de psicanálise em Fortaleza (já não faço mais Formação).
Meu processo de análise foi muito importante, porque, a rigor, um psicanalista se forma mesmo é no divã. Ocorreu, no entanto, que a vida me levou para outras paragens. Achei que fosse sair da análise me tornando um analista. Estava errado: saí escritor. Parece distante, mas, no fundo, são ofícios muito parecidos – num e noutro, é da palavra que se trata; é a palavra que se move de um lugar para o outro, deslocando sentidos; é a palavra que, na caneta ou no divã, ressignificamos e remoldamos.
Ainda tenho uma paixão pela psicanálise, claro, ainda me dedico a estudos na área (atualmente estou cursando uma Pós em Psicanálise, Arte e Literatura), mas não sou um analista. E, às vezes, fico de mal da psicanálise (risos). Por outro lado, não consigo escapar das minhas próprias referências, e aquilo que sou sempre vaza para o que eu escrevo. Por mais que eu tente escapar, a psicanálise sempre comparece na literatura que eu produzo.
Leituras da Bel – Vivências e traumas são duas marcas fortes de Amanhã Tardará. Como manter a leveza da escrita ao tratar de questões tão complexas?
Pedro Jucá – Não mantendo (risos).
Eu acredito que o Amanhã Tardará consegue, sobretudo no texto, transmitir uma delicadeza para contrabalancear o peso do que está sendo narrado. Há riso, há carinho, há encontro, mas também há rancor, inveja, vingança. Estamos, afinal, tratando da história de uma família, com todas as suas complexidades, nuances, contradições. É um drama familiar e psicológico.
Em geral, o que eu escrevo pode soar desconfortável para muita gente. Mas meu leitor é corajoso e sabe que, na vida real, o belo e o grotesco andam juntos. Nem tudo são flores na vida. Eu acho que a Literatura é, por excelência, o lugar da alteridade – do choque, do espanto, da fricção com a diferença, com o diferente, com o que incomoda, com o que nos desloca do lugar de um conforto que acaba por nos deixar alienados.
Como diria Belchior: eu quero mesmo é que este canto torto feito faca corte a carne de vocês. Pode doer um pouco, mas encarar de frente as dores da vida sempre nos torna maiores – e melhores.
Leituras da Bel – Quais livros formaram o escritor que você é hoje?
Pedro Jucá – Nossa, muitos! Todos os que já li, para o bem ou para o mal. Eu acho que, como disse a Elena Ferrante, um escritor está sempre profanando túmulos (de quem veio antes). Eu acho que a escrita é um tipo de arte eminentemente solitária – é como tocar piano: pode-se até tocar a quatro mãos, mas nunca fica tão bom assim –, mas isso não significa que o ofício seja autossuficiente. Aliás, um escritor só se forma lendo. E lendo muito.
Meu primeiro marco literário aconteceu ainda na adolescência, com Harry Potter. A cada livro que saía, eu me preparava para passar ao menos dois dias (no máximo quatro ou cinco) enfurnado no quarto, me alimentando de sucrilhos e leite ou o que de mais fácil estivesse à mão. Achei que, depois de adulto, nunca mais ia experimentar isso. O prazer com a leitura persistia, claro, mas esse completo arrebatamento é raro. Eis que, há alguns anos, eu me deparo com a Tetralogia Napolitana. Foi um terremoto. Não cheguei a me alimentar exclusivamente de cereais (risos), mas me vi negociando horas de sono comigo mesmo. “Só mais uma horinha… amanhã compenso depois do almoço”. Uma loucura. Uma delícia.
Fora isso, passeei, na época do colégio, por contos de Clarice, Lygia e Machado. Um pouco mais velho, conheci Milton Hatoum, Philip Roth, Ian McEwan e sobretudo Milan Kundera, que escreveu meu livro favorito da vida, A Insustentável Leveza do Ser. Mais recentemente, me encontrei também com o Carrère, que já me emocionou muito.
Leituras da Bel – Como a formação em escrita criativa realizada em Fortaleza impactou os teus processos de produção?
Pedro Jucá – Foi algo complexo. Mergulhar num assunto a fundo tem sempre um preço: a perda da ingenuidade. Estudar a literatura “por dentro”, pelo avesso, não foi diferente. É valiosíssimo aprender a destrinchar estrutura, ritmo e tom do texto, construção de personagens, marcação de estilo. Por outro lado, o gesto da escrita tende a perder a naturalidade, a espontaneidade. É preciso muito cuidado para não ficar obcecado com o próprio rastro, como um cão seguindo a própria cauda, autoconsciente, de imediato, a cada linha ou palavra que se escreve. É preciso que o texto flua para, só depois, revisar – e é nessa hora que eu acho que o conhecimento técnico em escrita criativa deve vir à tona. Aquela coisa: vinho para escrever, café para revisar.
Leituras da Bel – Há vozes da literatura nacional que permeiam a tua escrita?
Pedro Jucá – Sim, muitas! E até cearense. Ainda no ensino médio, eu entrei em contato com a literatura da Tércia Montenegro – que, aliás, foi minha professora da Específica de Português/Literatura no Terceiro Ano –, da Natércia Campos (filha do Moreira Campos) e da Angela Gutiérrez, que tinham livros listados para o Vestibular da UFC (“A Casa” e “O Mundo de Flora”, respectivamente). Acho que herdei delas as questões com a morte, com as repetições familiares e com a passagem do tempo.
Milton Hatoum escreveu um dos meus livros favoritos da vida, o Dois Irmãos. Acho que dele eu bebi esse impulso de desvelar o sexual presente nas entrelinhas das relações familiares. Mais recentemente, tomei sustos com o Os Tais Caquinhos, da Natércia Pontes, e Habitante Irreal, do Paulo Scott, que são livros contemporaníssimos, esquisitíssimos, no melhor sentido do termo. Enfim, tem muita, muita gente. Sei que, nesse momento em que escrevo, estou sendo injustíssimo e me esquecendo de muita gente.
Leituras da Bel – Depois de Amanhã tardará, teremos novos livros? Tem algo em mente?
Pedro Jucá – Tomara que sim! (Risos). Antes do Amanhã Tardará, eu escrevi o Coisa Amor, um livro de contos que saiu em 2022. Na época, não acreditei que conseguiria escrever um romance – mas ei-lo aqui, um bichão de 320 páginas (mais risos).
Nos últimos dois anos, eu me dediquei à escrita de crônicas, aliás todas disponíveis na minha coluna do Curitiba Cult, um portal de cultura aqui de Curitiba. Só que, pelo meio do ano passado, me deu vontade de voltar a escrever uma narrativa longa. Emergiram, então, duas histórias, que foram oscilando na minha cabeça: uma primeira sobre uma mulher com transtorno bipolar que, por isso, acaba perdendo as filhas e uma segunda sobre um homem idoso, solitário e ácido em confronto com vizinhos. Já escrevi algumas páginas de cada uma, mas atualmente estou integralmente voltado à divulgação do Amanhã Tardará. Vamos ver se os deuses da literatura me permitem retornar para a escrita até o começo do ano que vem. Enquanto não, leiam o Amanhã Tardará e venham me contar o que acharam.
FICHA TÉCNICA
Título: Amanhã tardará
Autor: Pedro Jucá
ISBN: 978-85-422-2747-5
320 páginas
R$ 64.90
Editora Planeta | Selo Tusquets