Por Lílian Martins*
Para Simone Barreto
Ottomatopeia
, novo álbum do pernambucano Otto, é um grito uníssono de liberdade e amor. O disco é o sexto na carreira do ex-integrante do Mundo Livre S/A e nos atravessa feito bala – canção que o inaugura – para atingir em cheio a caretice destes dias censurados, de arte sequestrada e de artistas convidados a se retirar de equipamentos culturais e universidades dada à nudez e à sensualidade desmedida de suas obras!  
“Toda nudez será castigada”, já nos bradava Nelson Rodrigues, então, cantemos em alto e bom som a poesia de Otto em Teorema: “Se a vida é louca/Um beijo na tua boca/Disfarça e aperta minha coxa/Isso me faz tanto bem”. Ottomatopeia é essa ode ao romantismo – nem tão romântico quanto dizem, mas tão necessário quanto dele se espera –, e através dessa brega music é possível cantar dias menos temerosos, pois como continua a canção: “Quem ama não cansa/ E caso me levante, sobe as paredes/Que amar é gostoso demais”.

Ouça Otto:

Após um hiato de cinco anos, Otto nos chega muito mais maduro e provocativo. O seu novo título nos evoca a figura de linguagem onomatopeia, referente à formação de uma palavra a partir da tentativa de reprodução de um som. Assim, Ottomatopeia é uma subversão linguística da usual figura de linguagem ao passo que também recria um novo vocábulo para definir o som que nos é feito e produzido pelo músico em parceria com o também pernambucano Pupillo, baterista da Nação Zumbi. Aliás, entre os parceiros temos também: Zé Renato em Carinhosa; Céu e Roberta Miranda na reinterpretação de Meu Dengo; Manoel e Felipe Cordeiro na necessária Teorema e Andreas Kisser na apocalíptica Orunmilá, alusão a divindade da profecia e que narra em graves acordes de guitarra, ruídos e versos manguebeat a criação.

Otto (Foto: Kenza Said)

“Tudo nos é permitido, mas nem tudo nos convém” é a mensagem do apóstolo Paulo aos Coríntios e tão atual e necessária aos dias de hoje está este amor que edifica cristãos, gregos e troianos sem distinção e democraticamente, afinal uma das lições mais valorosas do amor é a liberdade. Tal qual Paulo na estrada de Damasco, Otto parece comungar desse aprendizado quando canta: “Melhor ficar sozinho /Destino me namora e o tempo saberá/Trazer de volta a vida”.

Pois, a solidão é também um ato de liberdade artística! E a solidão do artista, tão necessária quanto nos afirma Blanchot (1907-2003), talvez tenha sido a mestra para tornar de Ottomatopeia um dos álbuns mais sensíveis de Otto tanto pela delicadeza poética de versos como: “As lágrimas caiam no meu rosto / Me trazia muita dor … Sabe quando passo aqui por perto / Lembro dos seus olhos chorando / Chuva que começa cedo molha / Me abusa”, de Bala, quanto pela empatia da perda do ser amado em Atrás de você: “Eu cansei de viver/Cansei de correr atrás de você/Mas o amor me deixou/Não quer mais/Mas o amor me deixou/O amor me queimou/O amor se quebrou”.  E quem nunca sofreu por amor? Ottomatopeia é também sobre o amor desfeito, mas nos toca com muita lascívia de uma latinidade sincopada por guitarras nervosas, de ritmo marcado por uma percussão que já não ouvíamos desde o álbum de estreia e que nos convida a bailar a ciranda de nossas vidas amorosas.

Ouça Ottomatopeia  na íntegra:

A liberdade do artista está em criar sem olhar a quem e que a sua arte toque as pessoas das mais diferentes formas, mas cercear a produção artística é como privar o amor, moldá-lo a sua única forma de praticá-lo e não se permitir as delicadezas de senti-lo em suas mais distintas maneiras. Das lições que aprendi com o apóstolo Paulo e acerca do amor é que o perdão liberta e as músicas do Otto são um convite à resistência da escolha por um amor sem limites!

Aumenta o som e boas leituras!

*Lílian Martins é jornalista, tradutora, professora, pesquisadora e militante em Literatura Cearense. Mestre em Literatura Comparada pela UFC com a dissertação: “Com saudades do verde marinho: O Ceará como território de pertencimento e infância em Ana Miranda”. Vencedora do Prêmio Bolsa de Fomento à Literatura da Fundação Biblioteca Nacional e Ministério da Cultura (2015) é do Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) em 2016. É uma apaixonada por Rádio, sebos, pelos filmes de Fellini, os poemas de Pablo Neruda e outras velharias…

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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