Ilustração: Jéssica Gabrielle Lima

Uma dor me invade a cabeça como se cabeça tivesse.

Hoje fui picada por um zangão. Quando o tirei do meu braço, seu ferrão ainda se contorcia dentro da minha carne, entre sangue e um elevado na pele. Doeu como dói minha cabeça agora. Doeu como dói todo o resto. Foi espantoso ver o ferrão separado do corpo do zangão ainda animado por alguma força ancestral que o impulsiona pra dentro da pele. Feito pra doer.

No ato da dor, no rompante da carne cortada, matei o zangão, como se pudesse devolver-lhe alguma dor.

Mas dor não é algo que se devolve.

Matei o zangão por desespero e ato impensado, por dor e vingança da dor. E lá estava o zangão sem o ferrão, agora morto, parecendo indefeso. Parecendo. O corpo caído no chão. Escuro e amarelo. Pequeno. Mas meu braço ainda dói. Lateja. Será que de fato alcancei meu intento de fazer doer o zangão?

Quando a gente faz doer o outro é por miséria humana ou pura condição de se estar vivo? A gente tem clareza da dor quando a dor é no outro? Mesmo quando quem a gente faz doer é alguém próximo? E fazer doer por vingança faz doer menos?
Mas dor não é algo que se devolve.

Olhei mais uma vez para o zangão assassinado. Minha dor não diminuiu mesmo com o ato (impensado) da vingança. E a gente sempre quer vingança. Quando o ônibus não para. Quando leva topada. Quando atrapalham o caminho, Quando bate a fome. Quando é madrugada e matam crianças, tudo passando na tv. Antes era dor e agora é vingança.

Ainda penso que a dor na cabeça é pela morte do zangão e não do ferrão na pele.
Mas me sobra, entre a lembrança do bicho colorido e o corte na pele, um sabor de não pertença.

Essa dor não é minha.
Toda dor é nossa.

Ayla Andrade
Novembro, 2017

 

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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