Por Lilian Martins*
Maio é o mês internacional da masturbação! Embora algumas pessoas tenham ainda muito medo em tocar (ops!) neste assunto, a data foi criada nos Estados Unidos com o objetivo de desmistificar os tabus em torno desta popular prática de autoerotismo. Na literatura, não nos falta prazerosos exemplos de onanistas, um desses se chama Alexander Portnoy, do célebre romance: “O Complexo de Portnoy” (1969), de Philip Roth (1933-2018), autor, curiosamente também dos Estados Unidos, falecido nesta última terça-feira aos 85 anos.
O romance chocou a sociedade conservadora, ainda resistente ao movimento da contracultura e do amor livre, do fim da década de sessenta, do século passado, e escancarou o retrato de uma geração de judeus norte-americanos, bem como da própria complexidade social dos Estados Unidos temas que, posteriormente, se tornariam norteadores da bibliografia de Philip Roth. A obra projetou o autor mundialmente e traz com um fino humor cáustico o embate entre pornografia e alta literatura. O personagem Alexander Portnoy divide com o seu psicanalista e, por conseguinte, com o leitor toda sua compulsão desenfreada pela masturbação e a transforma em válvula de escape frente a uma vigilância materna austera e aos dramas, vergonhas e dilemas da família pequeno-burguesa.
Acusado de misógino e machista, Philip Roth edificou sua carreira envolto a calorosas críticas e importantes premiações literárias até tornar-se ícone da literatura estadunidense da segunda metade do século XX. Não raro encontrar diferentes estudos sobre a sua obra, alguns deles apontam para as relações entre o autor e a música. Há até uma dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que aproxima Roth da banda inglesa Radiohead. De autoria do pesquisador Lauro Iglesias Quadrado, a dissertação trata sobre a construção da figura do sujeito contemporâneo!
Mas a crítica mais corrosiva ao moralismo deste sujeito contemporâneo, especialmente, norte-americano está no romance: “A Marca Humana” (2002). O enredo traz como pano de fundo o escândalo entre o ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e a sua estagiária, à época, Monica Lewinsky e conta a história de Coleman Silk, um apaixonado pelo jazz, que ouve insistentemente: “The Man I Love”, dos irmãos Gershwin, com Artie Shaw na clarineta e Roy Eldridge no trompete.
Ouça: “The Man I Love”
https://www.youtube.com/watch?v=oh4ntia0hOE
Philip Roth
Nas mais de 400 páginas, o leitor percorre por uma jazzística trilha musical que inclui também nomes como: Vaughn Monroe; Count Basie; Frank Sinatra e o clássico “Green Eyes” de Helen O’Connell e Bob Eberly . Ouça “Green Eyes”:
https://www.youtube.com/watch?v=pbAlu3krd4w
Mais uma narrativa envolvendo sexo, hipocrisia, relacionamento abusivo, preconceito e as relações de poder que envolvem todos nós desde os altos escalões da política até as mais aparentes singelas relações amorosas. A escolha musical da obra não poderia ser melhor, pois o jazz é um gênero musical de origem negra e que foi, paulatinamente, sendo incorporando a uma dada cultura de elite branca, o que vem a nos ser uma pista sobre a identidade do próprio personagem “bewitched” de Coleman Silk.
Ouça: “Bewitched” de Frank Sinatra:
https://www.youtube.com/watch?v=ZWkOgsPv0bg
Sem dúvida, Philip Roth, permanecerá para nós, seus leitores, como um excelente escritor de primoroso repertório, também, lítero-musical.
Aumenta o som e boas leituras!
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*Lílian Martins é jornalista, tradutora, professora, pesquisadora e militante em Literatura Cearense. Mestre em Literatura Comparada pela UFC com a dissertação: “Com saudades do verde marinho: O Ceará como território de pertencimento e infância em Ana Miranda”, vencedora do Prêmio Bolsa de Fomento à Literatura da Fundação Biblioteca Nacional e Ministério da Cultura (2015) e do Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) em 2016. É uma apaixonada por rádio, sebos, pelos filmes do Fellini, os poemas de Pablo Neruda e outras velharias…