A Editora Moinhos – uma das editoras independentes mais representativas do mercado brasileiro – surgiu para ser a energia que impulsiona escritores e escritoras de diversas origens, manifestações, desejos e aspirações. Já publicou de Branca Sobreira a Adília Lopes, de Cupertino Freitas a Tiago Germano, de Eduardo Villela a Ágnes Souza. Em entrevista por email, o editor Nathan Matos fala sobre os caminhos do mercado editorial, livros digitais, modos de financiamento e o processo para acessar a editora.
Leituras da Bel – Há uma corrente que coloca as grandes editoras como vilãs, outra corrente coloca as livrarias como vilãs, outra que coloca os escritores como os verdadeiros vilões. Há realmente um vilão ou vila no mercado editorial?
Nathan Matos – Eu creio que sim, todos nós, autores e autoras, livrarias, grandes, médias e pequenas editoras somos um pouco culpados. Eu entendo que poderíamos ter uma cadeia do livro mais produtiva, mais sagaz, poderíamos dialogar melhor, já que passamos sempre a imagem de que somos coerentes com o que dizemos ou prometemos. No final das contas, esse ano com maior ênfase, tem-se atacado algumas grandes livrarias por não estarem cumprindo suas obrigações, deixando de pagar a quem deve, e isso é um problema para as pequenas editoras, que podem facilmente quebrar. Contudo, há pequenas livrarias que também não estão cumprindo com o esperado delas. Acho que o momento não é bom pra ninguém, desde o último trimestre de 2017 que converso com editores e editoras amigas e percebo que as vendas só diminuem. Pra passar por essa crise momentânea, teríamos que nos unir mais e arranjar soluções, mas nem sempre é o que acontece, já que são poucos os que desejam realizar algo em prol de todes.
Leituras da Bel – As pessoas estão mais interessadas em escrever e em publicar?
Nathan Matos – Eu não sei se sei responder a esta pergunta. Uma coisa é certa, mais pessoas estão com vontade de dizer que são escritoras. Mais pessoas querem aparecer e, cada vez menos, eu vejo pessoas que realmente querem se dedicar à literatura. Pode parecer até arrogante da minha parte falar isso, mas, enquanto editor, é o que sinto. Evidente que isso não é generalizado, mas é que essa impressão ruim tem me tomado. Contudo, acho que devido às facilidades que a impressão digital trouxe para o mercado tem feito com que muita gente queira ter seu livro publicado sim.
Leituras da Bel – O mercado brasileiro está perdendo o potencial dos livros digitais?
Nathan Matos – O que vejo é a descrença. A Moinhos tem cerca de 99% dos livros também no formato digital. Em quase três anos, o que vendemos no digital não pagou sequer 30% do que foi gasto para produzir os livros digitais, porém a gente acredita nessa mídia (ainda). Não sabemos se conseguiremos manter mais à frente, mas a ideia é sempre continuar com ela. Nossos livros têm chegado há alguns países, já vendemos pros Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Dinamarca, mesmo que pouquíssimas unidades, mas alguém comprou, e acredito que tenha se proposto a ler, pra mim, enquanto editor, isso vale muito porque uma pessoa que não está no Brasil pode ter o mesmo conteúdo em mãos. Acredito que vai demorar, mas o mercado brasileiro ainda vai entender que o livro digital ainda não atingiu nem 10% do seu potencial.
Leituras da Bel – Recentemente, a Aleph, uma editora de médio porte, anunciou um financiamento coletivo para uma obra – alcançando um grande valor em pouco tempo. Essas outras formas de financiamento – que ultrapassam a livraria e a venda direta – são um caminho possível no mercado editorial?
Nathan Matos – Eu vi a notícia quando estava nas primeiras 24 horas. É algo que chega a ser quase absurdo, mas é o que se consegue quando se tem uma legião de fãs que admiram o trabalho da editora em si. E isso é muito difícil, a maioria dos leitores não sabe o nome da editora do livro que acabou de comprar, isso é fato. Tem pesquisa que mostra isso. Mas o caso da Aleph é diferente, e sim, creio muito nisso. A Saga Araruama, do autor Ian Fraser, que está indo agora para o seu segundo volume foi financiado via crowdfunding, e foi um dos maiores sucessos na área literatura no Catarse. E isso acaba até ajudando na divulgação, e fazendo o livro entrar também na livraria, porque os leitores que não tiverem a oportunidade de comprar no financiamento coletivo acabam por querer depois a obra e daí compram via editora ou livraria. A própria Catarse tem investido muito no campo da literatura, pois percebeu que o financiamento coletivo nessa área tem tudo pra dar certo.
Nathan Matos
Leituras da Bel – Você é um dos criadores da Substânsia, uma editora que fez e faz história no Ceará – ao lado dos poetas Talles Azigon e Madjer Pontes. Ela nasceu de uma inquietação, de um desejo, de uma brincadeira ou de tudo isso junto? Ou de nada disso?
Nathan Matos – Nossa, fez e faz história? Uma honra isso pra gente (Eu, Madjer e Talles). A Substânsia mora no meu coração. A gente resiste com ela até hoje. É uma guerrilheira que ainda não se deixou entregar. Ela nasceu de uma ânsia, de uma inquietação que eu tinha, de ver poetas como o Talles e o Madjer de não terem um livro publicado. De ver Ayla Andrade sem um livro de contos na mão, entre outras pessoas. E essa inquietação foi nos fazendo ir aprendendo um pouco sobre o mundo da edição. Enquanto eu ia conversando com o Eduardo Lacerda, editor da Patuá, que brinco ser o meu padrinho editorial, eu ia convencendo os meninos de que iríamos ser os nossos próprios editores. A ideia, então, foi nos unirmos. Durante seis meses, juntamos as moedas pra produzir o primeiro livro do que viria a ser a Substânsia, que foi o livro do Madjer (O Núcleo Selvagem do Dia). Depois disso, a gente publicou o do Talles (Três Golpes D’Água), e o meu nunca saiu, me vi na posição de editor mais do que na de poeta. No começo era isso que você falou misturado, depois passou a ser um hobby e vimos que poderíamos editar livros de terceiros. A partir daí, fomos criando o que não fazíamos ideia do que criar.
Leituras da Bel – De quando a Substânsia nasceu – há mais de quatro anos, acredito – até agora, o que mais mudou no mercado editorial?
Nathan Matos – Acho que a pulverização das feiras de livros, desde as pequeninas feiras de livros até a bienais. Em várias partes do Brasil, sejam cidades pequenas, sejam capitais, as feiras pipocaram. E mais, muitas delas acabaram por se unir a outras artes. Ou seja, se ia haver uma feira de quadros, artes em geral, chama o pessoal das editoras. Vai ter uma feira com mercado gráfico, chama o pessoal da editora e assim por diante. Acho que essa foi a maior mudança, o que contribuiu para que os livros das pequenas editoras começassem a chegar até os leitores. Facilitando um pouco mais a divulgação das independentes.
Leituras da Bel – Quais aspectos você privilegia na Moinhos? Como um escritor pode ter acesso ao trabalho da editora e ser publicado?
Nathan Matos – Olha, eu sempre digo que pra publicar na Moinhos primeiro eu e Camila (Araujo, editora da Moinhos) temos que gostar do que lemos. É fato, é questão de gosto. A gente edita o que gosta. Não tenha um livro que eu não tenha lido, por exemplo. Não publico nada sem ler antes. A gente sempre preza mais pelos livros coesos, coerentes. Por exemplo, não adianta ser um ótimo poeta e enviar um livro de poemas que não tenha uma unidade, uma organicidade. Assim como um livro de contos, muitas pessoas creem que por ter vários contos escritos basta uni-los e pronto, tenho um livro de contos em mãos.
Não. Não é assim. Um livro precisa de um fio condutor, seja qual for o gênero, isso tem muito peso pra nós na Moinhos. Acho até que é primordial. E muito nos interessa também, além da literatura de novos e novas autoras, obras que não tenham tido reedições nos últimos anos e que merecem, como é o caso do livro Como e porque sou romancista, de José de Alencar. É uma obra importante para a literatura brasileira, e para qualquer pesquisador de literatura. Um outro livro que há vinte anos estava sem nova edição, e que faz uma ponte entre poesia e filosofia, é o livro Poesia (e) filosofia, organizado pelo Alberto Pucheu, com textos de Adélia Prado, Orides Fontela e Antonio Cícero, por exemplo, e que pode contribuir muito para pesquisadores que se atenham a essas duas áreas. Além disso, livros estrangeiros são nossos objetivos, porque desde o início a ideia era ter um catálogo variado na Moinhos, de novos e novas autoras e escritores de fora do país, pois a gente crê que um dá força pro outro. E pra encontrar nossos livros é fácil, só jogar no google, Editora Moinhos, pronto, aparece lá nosso site e é fácil comprar um livro. Ou então pedir em algumas livrarias pequenas em algumas cidades do Brasil. São poucas, mas estão por aí. E temos, anualmente, uma chamada de originais, que abrimos durante cerca de 30 dias e recebemos livros dos mais diversos gêneros para tentarmos publicar. No nosso site, é possível encontrar as chamadas anteriores, e ter mais informações sobre.
Leituras da Bel – Quais ferramentas podem ser usadas pelas pequenas editoras para executar o trabalho com maior tranquilidade? Quais obstáculos atrapalham o trabalho?
Nathan Matos – Acho que qualquer editor que se preze tem que, no mínimo, pesquisar bons programas de gestão financeira e estoque. Isso é algo que vai quebrar a cabeça. Há muitas no mercado, e pesquisar sobre isso e testar as que conseguir é um bom começo. Além disso, acho que ter backups em nuvem é o melhor a se fazer.
Confio mais nesse tipo de backup do que meu próprio pc ou hd externo. E estar, se possível, com os programas de edição licenciados, porque, vá por mim, quando você precisar, se seu programa não for original, ele vai bugar e você vai atrasar a produção do seu livro apenas porque não quis gastar um pouco. E acho que isso é algo que atrapalha muito o pequeno editor. A gente nunca tem grana, não tem de onde tirar, mas quando puder tirar, sou a favor de um gasto produtivo. Sou a favor de perder aqui para ganhar mais à frente. Um passo para trás para ser possível dar dois para frente.
Serviço
Para conhecer os livros da Editora Moinhos:
https://editoramoinhos.com.br/
Para participar da temporada de originais:
https://editoramoinhos.com.br/3a-temporada-de-originas-editora-moinhos/