Pedro Tostes, poeta reincidente e insistente, vai cruzar os estados nordestinos com seu mais recente livro: Na Casamata de Si. Carioca que vive em São Paulo, o escritor já vendeu mais de seis mil exemplares de seus livros anteriores apenas comercializando direto com o público. No Ceará, ele tem dois eventos agendados. Será recebido no dia 25 de novembro, no Crato, às 17 horas, será recebido na Comunidade do Gesso. Em Fortaleza, ele participa da Fresta Literária (opa!) no dia 24 de novembro, a partir das 19 horas, no Bar Cultural Lions (ver serviço).

Na entrevista, feita por email, ele fala sobre processo criativo, turnê pelos estados nordestinos e a “crise” no mercado editorial brasileiro.

Escute o livro aqui: Na Casamata de Si

Pedro Tostes (Foto: Renata Armelim)

Leituras da Bel: O que é um poeta reincidente? E um poeta insistente?

Pedro Tostes: Eu adotei o epiteto “poeta reincidente e insistente” após ter meus livros apreendidos pela FLIP, em 2009. Na época eles estavam incomodados com a presença dos poetas de rua vendendo seus livros e, juntos com a prefeitura de Paraty, mandaram reprimir os poetas. Recebi um auto de apreensão dos meus livros, e isso pegou mal pra caramba pra eles. A foto de um poeta tendo seus livros apreendidos numa Festa Literária e a do meu auto de apreensão circularam por todo Brasil, chamando atenção dos principais jornais. Até brinco com isso no meu mais novo livro, mencionando o caso em um poema que emula o discurso das fake news pra demonstrar o absurdo da realidade. Então sou reincidente e insistente pois mesmo com livros apreendidos, eu não aprendi e continuo vendendo poesia nas ruas.

Leituras da Bel: Você acredita que as pessoas estão lendo e ouvindo mais poesia?

Pedro Tostes: Eu acredito que sim, ainda mais se compararmos com o cenário dos anos 90, final do século passado. Com a modernização do pátio gráfico brasileiro e a adoção das gráficas digitais, começou a circular cada vez mais livros de poesia pelo país. A chegada da internet com os blogs e depois as redes sociais também trouxe um papel de destaque novamente a expressão escrita. Com isso mais e mais pessoas se interessaram em escrever e, também, ler poesia.

Leituras da Bel: Como é o trabalho de vender poesia de mão em mão pelas ruas das cidades?

Pedro Tostes: É um trabalho duro e desgastante, mas também muito prazeroso. Ao mesmo tempo que você lida com muita gente que não sabe ser gentil, é também um trabalho que proporciona encontros e trocas riquíssimos. A experiência de olhar nos olhos dos meus leitores é algo que não troco por nada. É um retorno imediato. É sentir a poesia balançando, tocando as pessoas. Fiz amigos nessa trajetória da rua que levo comigo há muito anos. Gente que um dia comprou um livro, lá atrás, e depois se tornaram amigos e parceiros de tantas outras ideias. E tem também a possibilidade de uma difusão ampla pra um público não tradicionalmente literário. Eu já vendi mais de 6 mil dos meus livros de mão em mão, além de cerca de 20 mil revistas, zines e livretos.

Leituras da Bel: E a turnê pelo Nordeste? Como surgiu essa ideia e quando será a passagem por Fortaleza?

Pedro Tostes: Essa vai ser já a segunda turnê pelo Nordeste. A verdade é que um dos meus grandes prazeres sempre foi enfiar meu livro na mochila e viajar levando literatura pelos lugares. Chegar invadindo as praças lendo poesia, conversar com as pessoas nas mesas dos bares, é uma forma muito peculiar de conhecer as cidades que passo, se integrando a rotina e conhecendo as pessoas. No entanto, devido a distância, só consegui fazer minha primeira grande viagem de lançamento em 2014, com meu “Jardim Minado”. Fui na base da aventura, de Salvador a Fortaleza, ficando na casa de amigos escritores, lançando em saraus, vendendo nos bares e faculdades. Dessa vez a ideia é subir de São Paulo até o Maranhão por via terrestre, parando em diversas cidades, tanto capitais quanto outras cidades de interior, promovendo lançamentos, saraus, bate papos e toda a forma de trocas que eu puder desenvolver. Estou agendando para começar a viagem no final de outubro, creio que entre o meio e o fim de novembro já passarei por Fortaleza, onde tenho o prazer de ter grandes amigos.

Leituras da Bel: O que você conhece e gosta da literatura feita no Nordeste atualmente?

Pedro Tostes: Em Fortaleza gosto muito da poesia da Nina Rizzi, do Allan Mendonça, do grande poeta Roberto Pontes, do meu colega poeta de rua Emerson Bastos e recentemente tive o prazer de conhecer a excelente poesia da Sara Síntique. No entanto minhas andanças me permitiram também conhecer outros grandes poetas em atividade no Nordeste, como os paraibanos Antonio Mariano e André Ricardo Aguiar, em Pernambuco Luna Vitrolira, Wilson Freire e Miró da Muribeca, admiro também o sergipano Allan Jones, a jovem potiguar Regina Azevedo, assim como o baiano José Inácio Vieira de Melo. Acho que existe uma poesia muito rica sendo feita por todos os cantos do Brasil e um dos maiores prazeres de poder viajar promovendo lançamentos e participando de saraus e encontros é justamente poder conhecer e se alimentar de tantos contemporâneos e suas muitas vozes.

Leituras da Bel: Você se considera um riscador de palavras?

Pedro Tostes: Me considero um arriscador de palavras. Escrever poesia é assumir riscos. O risco de ser ridículo, o risco de errar, o risco de se repetir, é botar em risco a você mesmo em busca de um verso que preste. Como dizia o piauiense Torquato Neto “é destruir a linguagem e acabar com ela”. A poesia é um vírus da linguagem, é tudo aquilo que é erro.

Leituras da Bel: Como foi o processo de gestação do poema “Na Casamata de Si”?

Pedro Tostes: Foi bem interessante. Na verdade escrevi esse poema em comoção quando um amigo veio me encontrar que tinha encontrado um poema meu pichado na porta do banheiro da Faculdade de Letras. Achei bem simbólico eu ocupar esse espaço dentro de um ambiente acadêmico. Tomei como uma espécie de prêmio pessoal, um reconhecimento insólito surgindo de onde as expressões são mais espontâneas. Essa existência à margem, que também me evocou Bocage, cuja obra sobreviveu por mais de um século de censura sendo passada de mão em mão, de forma velada e escondida. A literatura de resistência tem esse caráter insurgente, ocupa os espaços onde não há censura. Acho que esse poema é uma celebração dessas existências literárias insurgentes.

NA CASAMATA DE SI

Não quero ser
poeta de vestibular
ter versos cantados
consagrados canônicos
com lastro de interpretação
resposta certa e errada
trabalhado em sala de aula
citado pelos grandes mestres.

Antes ser
o poeta riscado em banheiro
falado à boca miúda
escrito em cantos do papel
passado à mão de mão em mão
sobrevivendo escondido
com um fuzil
habitando o que resta
de nós.

Leituras da Bel: Depois de quinze anos fazendo e consumindo poesia, qual a tua avaliação?

Pedro Tostes: A minha avaliação é a de que preciso ler mais e mais, tanto de autores contemporâneos quanto dos essenciais clássicos. Os contemporâneos são importantes de serem lidos pra você poder entender, situar e (des)afinar a sua voz em relação ao seu tempo. É fundamental ler o que está sendo produzido hoje para e se posicionar dentro desse mundo, entendendo quais diálogos são possíveis de se estabelecer. E acho que vivemos um momento esplendoroso e profícuo, com muitas obras de relevância sendo escritas. Mas os clássicos são fundamentais para te dar dimensão e estatura literária. Ler um grande autor lhe dá novas perspectivas sobre o mundo e sobre a vida. Dá musculatura literária pro escritor. Nunca devemos deixar de ler e estudar os grandes que nos precederam.

Leituras da Bel: Estamos vivendo uma “crise” no mercado editorial, incluindo o fim de grandes editoras e situações críticas em livrarias. Para onde você acha que o mercado editorial vai nos próximos anos?

Pedro Tostes: Olha, eu faço poesia. E na poesia a crise sempre existiu. O senso comum é de que não se vende poesia. Os poetas nunca tiveram destaque nesse grande mercado, então me criei acreditando que literatura é um espaço de guerrilha, onde devemos pensar de forma a ocupar espaços e conquistar leitores, da forma que for. Seja escrevendo livros, promovendo debates e saraus, colando lambes nas paredes das cidades, fazendo camisetas, bolsas, zines, revistas. O que for possível de ser feito pra abrir espaço, melhor. Então como sempre preguei e acreditei nessa horizontalidade da relação autor-leitor, acho que essa é a direção que deve ser tomada. A retomada da república, no sentido do espaço público, da coisa pública, pela literatura. A quebra dos espaços tradicionais de mediação de leitura em privilégio de novos espaços capazes de dialogar de forma mais dinâmica com esse universo que surge. É só ver a força que os Saraus e os Slams tomaram no Brasil. A literatura sempre vai estar viva, basta estarmos atentos e entendermos como construir literatura dentro desse grande mercado.

Leituras da Bel: Como surgiu a ideia de fazer o audiolivro?

Pedro Tostes: Enquanto elaborava o projeto do livro, que acabou premiado no Primeiro Edital de Publicação de Livros da Prefeitura de SP, pensei que seria fundamental pensar uma foram de acessibilidade do livro para deficientes visuais, um público tradicionalmente privado do direito a literatura. Devido a minha relação antiga com a poesia falada dos saraus, onde estreei no final dos anos 90, e também devido ao processo e pensamento da minha poesia, de sonoridade fortemente marcada, achei que o audiolivro seria uma oportunidade de dar a essas pessoas um acesso ao texto poético através da minha leitura. Acredito que a oportunidade de ouvir o texto direto da voz do autor é muito singular e pode proporcionar outra dimensão do texto até para quem não é deficiente visual. Fico feliz com o retorno que tenho tido. O grande poeta Glauco Mattoso, que é deficiente visual, teceu grandes elogios ao audiolivro como peça de acessibilidade do projeto.

Serviço
Pedro Tostes no Ceará
Em Fortaleza
Participação na Fresta Literária, que acontece de 22 a 24. Pedro Tostes participa às 17 horas, no dia 24 de novembro, no Bar Cultural Lions  (Rua general Bezerril, 376 – Centro)

No Cariri
Dia 25 de novembro, às 17h, no Terreiro do Coletivo Camaradas, na Comunidade do Gesso, terá Roda de Poesia e lançamento do livro Na Casamata de Si” do poeta Pedro Tostes

 

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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