Por Bruno Paulino

“Os grilos são os poetas mortos” (Mário Quintana)

Era noite, já estava deitado na cama para dormir, lendo Vidas Secas enquanto o sono não vinha, sossegando, só silêncio no sertão de Graciliano Ramos e no meu quarto, quando de repente ouvi aquele barulho:

Cric…Cric…Cric…Cric…

Custei acreditar. Pensei logo num vazamento: Ping…Ping…Ping… Não poderia ser, não havia torneiras perto de mim, nem chovia na história de vida da cachorra Baleia. Não, definitivamente não era um vazamento nem chuva. E foi então que ouvi pela segunda vez, perfeitamente, agora não tinha dúvidas: Cric…Cric…Cric…Cric…

Era um grilo. Existe algo mais irritante que cantiga de grilo? No meu quarto então, onde eco pouco é bobagem, às onze e meia da noite, interrompendo a narrativa de uma história…Argh!

Cric…Cric…Cric…

Diabo do grilo! Afastou meu sono, me desconcentrou da leitura, acabou com meu sagrado silêncio só possível durante a noite.

Grilo é um ser imprestável para o silêncio.

Ah! Eu tinha que acabar com isso. Cric…Cric…Cric…Levantei-me armado com minha chinela havaiana, ele não teria escapatória, mas grilo é bicho especialista em se esconder. Procurei, procurei o desgraçado, revirei tudo dentro do quarto, livros, cama, estante, travesseiros, roupas, mochila, vídeo-game, e nem sinal do grilo. A cantoria continuava zoando nos meus ouvidos:CRic…CRIc…CRIC!…

Muito tempo depois já cansado e impaciente de procurar, avistei o desgraçado, ao lado da porta, fiz mira, apontei a chinela, mas não arremessei, uma força me invadiu, de repente um sentimento de piedade tomou conta de mim, lembrei-me da cachorra Baleia, como os animais podiam ter sentimentos humanos – pelo menos na cabeça do Graciliano Ramos – me senti como um predador, um sanguinário. O fato é que não consegui matar o grilo, não havia o porquê, fui deitar e fiquei pensando, procurando significado pro grilo – como se um grilo pudesse significar alguma coisa. Achei que o grilo quisesse dizer alguma coisa além de: Cric…Cric…Cric… Assim como a cachorra Baleia dizia e significava no livro.

Por uma fração de segundos me senti feliz por isso, por deixar a natureza seguir seu caminho normal, não afetar a cadeia alimentar (de que os grilos se alimentam?). Eu não seria o desequilíbrio da natureza (antigamente não sertão havia tantos grilos, vaga-lumes, pirilampos, já na cidade não são tão comuns).

Cric…Cric…Cric…

Na verdade não sabia muito de grilos – e continuo não sabendo – será que estão ameaçados de extinção? E como alguém poderia saber de grilos? Nem nos livros de biologia eles aparecem, pesquisei no pai dos burros virtual (Wikipédia) as informações não eram muito confiáveis.

Consegui dormir.

Passei o outro dia sem pensar nisso, mas à noite, ao deitar na cama para prosseguir na leitura de Vidas Secas, e merecidamente ter o sono dos justos, ele estava lá novamente no canto da porta, imponente e pomposo com seu cantar, como se cumprisse uma dádiva. Deixei-o quieto.

Finalmente eu entendia o que queria dizer: Cric…Cric…Cric…

***
Bruno Paulino é cronista e aprendiz de poeta.

 

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Colaboradores LDB

Colaboradores do Blog Leituras da Bel. Grupo formado por professores, escritores, poetas e estudiosos da literatura.

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