Por Luana Braga*
garcía márquez?
iniciei assunto
sempre ele
tu foi me respondendo, já sorrindo,
enquanto eu acomodava minha mochila logo acima da tua poltrona
janela
falei pra ti
tu levantou-se para eu entrar
corredor
tu se apresentou, ainda sorrindo
a gente não se conhecia
até então
e foi, provavelmente, meu falar baixinho
o que te atiçou curioso
– depois que tu me pediu desculpas por ter
esbarrado o teu braço em mim
e a gente se olhou
– e logo desolhou
e a gente riu
e a gente se olhou mais uma vez
– e desolhou de novo
e a gente riu-se junto, num sem-jeito meio bobo
fogo,
antes apagado,
saiu-me pelos poros
– e a gente se olhou ainda mais uma vez
e naquele instante, meu pescoço estava uma brasa
e eu consegui sentir os pêlos do teu braço eriçarem
– juro!
parecia que não queríamos saber o que acontecia
ainda que parecesse que queríamos
porque não sabíamos de nada
– ao certo
eu fervia de tanto querer
em qual página tu tá?
perguntei sem querer saber a resposta
eu não sei…
tu respondeu sem nem olhar pro livro
então, olha aí
engasguei na mesma pergunta
não consigo ver…
tu gaguejou me fazendo sentir uma espécie de chama por detrás da língua
e porque não?
insisti já imaginando a resposta
agora, meu entre-pernas super-aquecido te salivava
foi quando tu me olhou como quem não via roupa
e já não havia mais perguntas
ou respostas
– agora, éramos só alguns risos suspirosos
e tu virou-se pra frente
e passou a mão pela cabeça
– e eu conseguia sentir o cacheado dos teus
cabelos entre os meus dedos
e tu parecia remexido,
como num sem-saber o que fazer,
como num vexamento,
como um pouco afoito
– e um pouco lento
e suspirou de novo,
meio rápido
– e meio breve
e riu-se sozinho,
como que pra si mesmo
e passou a mão na boca,
– e no rosto todo
e, repentino, levantou-se
e pediu licença,
deixando o livro em cima da poltrona
e falou qualquer coisa sobre pegar uma água
no final do corredor
tá
assenti com a cabeça
não olhei pra trás
fiz foi rir do gostoso cortejo
– numa sem-graceza só minha
e tu voltou suspirando
– ou era bocejando
e reclamou qualquer coisa sobre o dia estar quente
– ou era sobre a chuva
só te olhei
– e sorri
tinha umas certezas dentro de mim
– e algumas dúvidas
mas ri de todas elas
depois que tu se acomodou de volta na tua poltrona
fez-se breve silêncio
fiz um poema pra ti
te confessei
um poema?
tu pareceu surpreso
é, lê
tentei te entregar
esse?
tu nem me deixava mostrar
aqui, este aqui
te mostrei
era este aqui
***
Luana Braga
Nascida em Fortaleza, Luana escreve poesias desde os seis anos de idade, quando teve um de seus poemas publicados no jornal. Desde então, só tem crescido nos seus escritos, tendo culminado num vídeo-poema, “Carnaval em mim”, de 2018 (Maré Alta Filmes), e numa música, “Samba do Desengano”, de 2018 (parceria com Joyce Custódio). Apresenta-se regularmente em saraus pela cidade de Fortaleza, como o Sarau da Lamarca (na Livraria Lamarca), Sarau da Taipa (no Pirambu) e Sarau da Gentilândia (Gentilândia Bar). É arquiteta. Possui uma mente artisticamente fértil, observa o mundo encantada com tudo e fala com o corpo todo. Faz café forte e não consegue ficar parada, mesmo se o seu pé estiver quebrado. Habita o mundo com Olivia, sua filha, e acredita que seu Marte em Capricórnio e seu Meio-do-Céu em Áries lhe impulsionam o tempo todo. Publica suas ousadices em fotogramas poéticos ressignificados. Luana Braga é a própria insólita viagem (@insolitaviagem no Instagram).