No início deste mês, ao discursar no Congresso americano defendendo a reforma que pretendente implementar no sistema de saúde, o presidente Barack Obama [Partido Democrata] ouviu um grito: “O sr. mente”. Era o congressista Joe Wilson, do Partido Republicano [oposição], que bradava a ofensa brandindo o dedo para o presidente dos Estados Unidos.
Corta
Na sextá-feira passada, o governador do Ceará, Cid Gomes [PSDB] reúne-se com a bancada de deputados federais cearenses para debater uma estratégia para garantir a divisão igualitária entre os estados dos royalties do petróleo da camada pré-sal.
A reunião, no Palácio Iracema [sede do governo] foi proibida à imprensa, mas o pau troou lá dentro, o que foi caracterizado como “bate-boca” pelo O POVO. Ao saírem, alguns deputados relataram [sob o pedido de sigilo a seus nomes], que houvera um desentendimento entre o governador e os deputados Pedro Ribeiro [PNDB] e Vicente Arruda [PR]que cobraram, de forma desrespeitosa, uma suposta promessa de Cid Gomes de liberar verbas para obras nas “bases” dos parlamentares. Cid teria pedido que os dois saíssem da sala; como não saíram, o próprio governador teria deixado a reunião.
Na edição de ontem do O POVO, o próprio governador confirmou o confronto e disse que teria sido “desacatado” e reagiu “de forma dura; duríssima”. Segundo o jornal apurou, um dos deputados envolvidos na conflito teria chamado o governador de “mentiroso”, por, supostamente, não ter cumprido a promessa de liberar as verbas.
Deve ter baixado o espírito do irmão, Ciro, no sempre controlado [pelo menos publicamente] Cid Gomes. Não se sabe exatamente os termos que ele usou para responder aos que lhe confrontaram: ninguém, dos presentes na reunião, dá detalhes.
Comportamento diferente 1
Mas é interessante observar o comportamento oposto que tiveram Barack Obama e Cid Gomes. Obama, ao ser xingado, pára o discurso por alguns segundos, sorri levemente ao ver o deputado ser vaiado pelos pares, e segue o seu discurso, com a mesma inflexão que vinha usando até então [veja o vídeo abaixo].
Cid, como ele próprio admite, chutou o pau da barraca e, depois, sem usar os termos que deve ter usado na reunião, confirmou que respondera no mesmo tom [ou mais alto] aos que lhe teriam desacatado. [Como nãohá vídeo do episódio, use a imaginação.]
Corportamento diferente 2
Se o comportamento das duas autoridades foi diferente ao enfrentar um afronta; também é diferente a forma com o Brasil e Estados Unidos tratam seus representantes; representantes de instituições da democracia.
Quando se se dirige a Barack Obama ou ao governador Cid Gomes, fala-se, em última análise, com instituições que eles representam. E estas, independentemente do eventual ocupante do cargo, têm de ser respeitadas – e não podem ser desmoralizadas.
Isso, obviamente, não exime nenhuma autoridade da crítica – e há centenas de modos de fazê-la, de forma dura, sem que seja necessário apelar para o xingamento.
Observem que Joe Wilson foi acidamente criticado, inclusive pelos integrantes de seu partido, o Republicano, e teve de pedir, ligeiro, desculpas a Barack Obama.
No Brasil é um vale-tudo de permissividade. Hoje, isso aparece com menos intensidade, mas assim que Lula foi eleito, era comum ouvir jornalistas chamá-lo publicamente de “você” para demonstrar intimidade ou desprezo, quem sabe.
Há colunistas “de grife” que gostam de chamar Lula e seus auxiliares por epítetos engraçadinhos; quando o presidente comprou um avião novo, a imprensa “séria” apelidou-o de “Aerolula”. Eu pergunto: é preciso esse tipo de expediente para fazer uma crítica servera, embasada nos fatos? [Obviamente para os humoristas, tudo é liberado, mas estamos no terreno da piada ou do jornalismo?]
Liturgia
Um exceção recente no respeito que se deve aos representantes de instituição, talvez seja, o ex-presidente Collor; mas este, ele mesmo cuidou de desrespeitar a instituição que representava.
Como disse uma vez o presidente do Senado José Sarney, quando presidente da República: “É preciso respeitar a liturgia do cargo”.
Mas, ainda tendo Sarney como exemplo, é preciso dizer também – às autoridades – que “respeitar a liturgia” formal é essencial, mas não basta.
Plínio, acho que um dos problemas é essa linha entre o jornalista e o humorista, que praticamente inexiste (assim como a linha entre o poder e a mídia ou a opinião e a informação). Aqui no Brasil há essa vontade clara de alguns jornalistas de serem importantes, afamados. É toda uma postura de prepotência que me dá vergonha de ser estudante de jornalismo. Nem formado eu sou e muitas vezes só de observar alguns jornalistas bate uma preguiça.
No final, para muitos, vale muito mais ser visto como íntimo do presidente do que fazer um trabalho minimamente decente.
A desqualificação e o deboche para com a figura do Presidente da República chegou ao paroxismo na gestão do Presidente Lula. Isto é inegável.
Vivemos numa sociedade democrática(?) na qual o respeito, tanto pessoal como ao papel social devido ao cargo ou função,deve prevalecer sobre eventuais divergências políticas, ideológias, ou o que seja.
De ambos os lados – do Poder e da imprensa – há posturas equivocadas e, no extremo, não civilizadas.
Nesse campo, efetivamente, estamos ainda distantes do chamado primeiro mundo.
PS: um cochilo da revisão: “….que houvera um desentedimento….” O correto não seria: “que HOUVE um desentedimento?”
Acompanho esse blogueiro há muito tempo, inclusive como Ombusdman do Jornal O POVO e condutor do programa de entrevistas na Rádio do mesmo grupo.
A partir de hoje entro no “time” de comentadores.
Na minha opinião a liturgia é sim importante, porém existem momentos em que é necessário pegar mais pesado para realmente dar um tranco e colocar as coisas nos seus devidos lugares.
O Sr. trata duas situações diferentes como se fossem iguais e tira conclusões equivocadas. Obama foi chamado de mentiroso em público, em cadeia nacional de TV. O Sr. queria que ele fizesse o quê ? Proferisse palavrões contra o deputado ? O Governador foi desacatado em uma reunião de trabalho, onde a imprensa não estava presente. Não tinha porque não reagir a altura da agressão.
Partindo-se de premissas falsas chega-se a conclusões equivocadas.