O jornalista Janio de Freitas, comentou, neste domingo [Folha de S. Paulo, 13/12/2009], a recente decisão do Supremo Tribunal Federal [STF] em manter a proibição ao jornal O Estado de S. Paulo de divulgar informações relacionadas a Fernando Sarney, investigado pela Polícia Federal na chamada Operação Boi Barrica.

Destaco dois trechos:

«[…] O vernáculo não perdoa, porém. Proibição de divulgar chama-se censura, sem distinção de sua autoria. E, se procedente do Judiciário, a adjetivação cabível é mesmo a de censura judicial. Não há filigranice jurídica que ludibrie a associação de vernáculo e senso comum.”
[…] Ocorre que “a ameaça” relacionada a uma publicação ainda desconhecida é uma presunção – tanto no sentido de suposição como no de pretensão. É, como base de leis, a própria censura prévia baseada no princípio da arbitrariedade: a censura antidemocrática.»

Veja o artigo completo.

A ameaça
Janio de Freitas

Folha de S. Paulo [13/12/2009]

COM ATRASO, ligo a TV na sessão em que o Supremo Tribunal Federal se manifestará sobre um assunto que nos diz respeito a todos, leitores em geral e jornalistas em particular. É a censura, posta outra vez em questão pela reiterada proibição judicial, já vigente há quatro meses e meio, de que “O Estado de S. Paulo” dê sequências a reportagens, com dados de investigações policiais, sobre um cidadão como qualquer outro (Fernando Sarney).

Alívio. Chego no instante exato em que um ministro, dos mais convictos de suas verdades, proclama: “Não há censura”. Aí está, viva e vigorosa, a nossa maltratada Constituição, por tudo o que diz já no art. 5º e explicita no 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Liberdade plena? Não. Infrações a outros dispositivos constitucionais sujeitam-se a penalidades diversas.

No caso da censura discutida, não cerceou opinião ou julgamento moral, mas informação: notícia de fatos relacionados pela Polícia Federal, integrante do Ministério da Justiça. Mas “não há censura”, logo fica claro, no dizer do ministro do STF, significa que a proibição antecipada à publicação daquelas notícias não é censura. E, apesar de emitida por decisão judicial, “não é censura judicial”. Expressão que o ministro repele, porque “o juiz está limitado pela lei, e o censor, não”. Por isso, “é descabido falar em censura judicial. Não há censura. Há aplicação da lei”.

Façamos ao censor oficial, que parece ser o mencionado pelo ministro, a mínima justiça de que, se o juiz e todos nós estamos limitados, ele está autorizado por “constituição” ditatorial, atos institucionais e, acima da força dessas farsas jurídicas, pela força das armas que a nação põe em mãos de alguns a pretexto de protegê-la, não para dela se apropriarem.

O vernáculo não perdoa, porém. Proibição de divulgar chama-se censura, sem distinção de sua autoria. E, se procedente do Judiciário, a adjetivação cabível é mesmo a de censura judicial. Não há filigranice jurídica que ludibrie a associação de vernáculo e senso comum.

O menos formal e mais substancioso ainda viria, no entanto. E sem surpreender que o fizesse pelas ideias do próprio presidente do STF, Gilmar Mendes. A proteção proporcionada pela lei contra publicações, pensa ele, não pode ser apenas quando já feita a publicação. A seu ver, são necessários dispositivos antecipatórios contra “a ameaça” de violação de direitos.

Ocorre que “a ameaça” relacionada a uma publicação ainda desconhecida é uma presunção – tanto no sentido de suposição como no de pretensão. É, como base de leis, a própria censura prévia baseada no princípio da arbitrariedade: a censura antidemocrática.

Sua defesa no Supremo Tribunal Federal tem muitos precedentes. Mas em outros tempos.