Desenho de Hélio Rola

Meu artigo semanal, publicado na edição do O POVO desta quinta-feira (17/6/2010). Ilustração de Hélio Rôla, exclusiva para os leitores do blog.

Convite ao pensamento
Plínio Bortolotti

Em corajoso artigo publicado na edição de ontem – Utopia sobre escombros – a professora Sandra Helena critica com veemência a “justiça pessoal”, desafiando o senso comum dos que aprovam (ou incentivam) o assassinato de “bandidos”.

Provoca as consciências abastadas: “Como nós, lendo livros de arte, apreciando filmes cabeça, comendo especiarias, como podemos simplesmente fazer de conta de que não sabemos o que se passa, do que se trata? Como admitimos e aplaudimos justiçamentos, vinganças, torturas, crimes que aparentemente nos protegem do terror?” – pergunta a professora de Filosofia para lembrar que o “mal”, ele é “todinho de nossa responsabilidade”.

Pois, esta semana tive conversa virtual com um amigo, fazendo mestrado no Rio, na área de humanidades. Ele se diz inquieto com o aumento de casos, no Ceará, de pessoas que reagem a roubos, matando os assaltantes.

Ele pergunta as eações são todas de “legítima defesa” ou a ação disfarçada de grupos de extermínio, que, com os crimes de “pistolagem”, fazem parte do cotidiano, sem que a polícia consiga lhes dar combate. Ele reconhece que o temor pode provocar e legitimar reações violentas, mas pede para que se analisem os comentários de leitores deixados nas notícias online: “Há mais do que medo, há ódio, preconceito, desejo de morte e aniquilamento dos corpos”. A isso, ele chama de “fascismo societal”.

De fato, é quase possível ouvir suspiros de alívio quando se anuncia a morte de um “bandido”. É inegável o descaso com vidas de jovens ceifadas cotidianamente nas periferias, ainda que se ouça a indignação quando a morte migra para espaços “nobres”.

Que tipo de vida estamos projetando? Uma “sociedade bolha”, dentro da qual vivem os “escolhidos”, enquanto lá fora campeia a barbárie? Quem responde: acadêmicos, dirigentes trabalhistas, empresários?

[No mesmo dia em que é publicado o artigo, na página oposta, a notícia: PM Mata suspeito de assalto e sofre tentativa de agressão. A família nega que o rapaz assassinado tenha participado do assalto.]