Como escrevi em post logo abaixo, participei, como debatedor, do programa “Grande Debate”, da TV O POVO (3/5/2011). O tema foi o Dia Mundial da Liberdade da Imprensa, instituído pela Unesco, em 1993.
Com a mediação de Ruy Lima, participaram também: Alessandra Oliveira (professora de Jornalismo da Unifor), Marilac Souza (coordenador Pedagógica da ONG Catavento) e Rafael Mesquita (do comitê cearense do FNDC – Fórum pela Democratização da Comunicação).
Um dos temas em debate referiu-se aos Conselhos de Comunicação, em discussão no país – assunto que já comentei por aqui. Se alguém quiser saber o que penso sobre, pode pôr no item “Pesquisa”, acima, o termo “conselho de comunicação” (com aspas), que surgirão alguns posts.
Creio que se deva debater o assunto, mas o que temo é a visão que alguns de seus defensores tem sobre o que é democracia em comunicação.
Reproduzi abaixo o confronto (no bom sentido) direto que tive com Rafael Mesquita, que é o representante no Ceará do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). O que me espantou é que ele acha que temos de avançar nessa questão no Brasil, mas entende que, em Cuba, corre tudo bem com relação à imprensa: “Eu não chamaria [o que acontece em Cuba] de censura à imprensa”, disse.
Reproduzo os 10 minutos finais do debate para a avaliação dos leitores [os grifos são meus].
Ruy Lima – O Carlos Matos, da Parangaba, escreve para dizer o seguinte: “No continente americano a percentagem de países com acesso à imprensa livre é de 48%. Cuba, Honduras, México e Venezuela, se encontram na lista de países com menor liberdade de imprensa. No Brasil, temos o que comemorar?”
Rafael Mesquita – Eu acho que só a possibilidade de a gente discutir comunicação no Brasil já é um ganho enorme. Eu não ousaria fazer a comparação direta com os países colocados por ele, pois são outras realidades, mas o caso brasileiro precisa realmente avançar nesse tipo de discussão. Os espaços de intervenção da sociedade brasileira nos meios de comunicação deveriam ter aumentado nos últimos 20 anos, mas foi-se perdendo direitos. O Plínio falou [na dificuldade] do direito de resposta. O direito de resposta foi derrubado junto com a Lei de Imprensa, em 2009, pelo STF, assim como a formação superior para jornalista exercer a profissão. Em 2004 foram para ser aprovados vários projetos que lidavam diretamente… inclusive a revisão sobre a Lei de Imprensa, e depois vem a reboque a eliminação completa. Então, a gente está em um processo, que é complicado, que o Estado brasileiro está atentando para isso, mas ainda não deu o devido destaque, a gente precisa realmente regulamentar a comunicação no Brasil e isso comunica diretamente…
Plínio – Rafael, vou fazer o papel não de debatedor, mas de jornalista, você disse que não ia falar dos países comentados [pelo telespectador] porque você não conhecia a realidade. Você não conhece a realidade de Cuba?
Rafael – Não falei isso, falei que não dá para comparar com a realidade brasileira.
Plínio – Pois é, mas você acha que justifica, por exemplo, a censura à imprensa em Cuba?
Rafael – Eu não chamaria, em Cuba, de censura à imprensa.
Plínio – Ah, em Cuba não tem censura à imprensa e você acha que no Brasil tem.
Rafael – É um outro regime.
Plínio – Mas você acha que deve existir censura em Cuba?
Rafael – Não, não, em Cuba é outro regime. Cuba não vive uma democracia. Eu estou falando perspectiva democraticamente…
Plínio – Mas o que eu estou perguntando para você é o seguinte: você acha que se justifica a censura à imprensa em Cuba, porque lá é outro regime?
Rafael – As pessoas em Cuba escolheram , em determinado período da história, por um regime socialista e optaram por um Estado centralizado e com imprensa única.
Plínio – Então você acha que no Brasil falta liberdade de imprensa e em Cuba tem?
Rafael – Não, o Brasil precisa avançar na democratização dos meios de comunicação…
Plínio – Mas eu quero saber de Cuba, você acha que justifica a censura em Cuba porque o povo, há cinqüenta anos, escolheu um partido único, etc.?
Rafael – Quem tem de avaliar é o povo cubano.
Plínio – Ah, olha, eu vou ler para você aqui, o artigo 19, da Declaração dos Direitos Humanos e ver se você concorda com ele: “Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”. Você acha que esse artigo 10 não cabe para Cuba.
Rafael – Não estou falando isso… Não estou falando isso…
Plínio – Você está justificando a censura em Cuba…
Rafael – Eu estou colocando que Cuba vive outra realidade…
Plínio – A pergunta objetiva é a seguinte: a “outra realidade” de Cuba justifica a censura à imprensa?
Rafael – Posso falar.
Plínio – Pode. Quero ouvir.
Rafael – Acho inclusive que não cabe nem no debate esse tipo de exposição, tão direta, mas…
Plínio – Debate é isso…
Rafael – Eu acredito, realmente, que Cuba escolheu não ter outras forma de opressão: lá a maior parte da população tem acesso à educação, tem acesso a ensino de qualidade… Então, é outro regime, é outra ideia, outro contexto de sociedade. Cuba vivencia uma outra ideia de nação. O Brasil optou no decorrer da história ou foi conduzido, aí é uma discussão que a gente ainda pode fazer, pelo processo de democracia, que hoje tem gente morrendo em vários lugares do Brasil. Eu, particularmente, se fosse escolher entre viver e morrer, eu escolheria viver, e o povo de Cuba escolheu viver. Então, eu acho que num regime…
Ruy Lima – Eu acho que essa discussão é longa, daria para fazer outro programa, mas o nosso tempo está terminando [dá 30 segundos para cada debatedor se despedir.
Marilac Souza – [Agradece pela participação]
Plínio – Eu acho lamentável, eu estava concordando com muita coisa com o Rafael, mas justificar censura é o fim da picada. Dizer que Cuba optou por viver e que viver se opõe a ter liberdade de imprensa, sinto muito, é o fim da picada, viu Rafael.
Rafael – [Inintelível] Nem certo nem errado em Cuba. Acho que não cabe avaliação nessa nossa perspectiva para Cuba. Acredito realmente que eles vivem em outro regime, outro patamar de ideias. E não estou justificando e nem acolho [se entendi bem a palavra], pois inclusive represento um movimento que luta pela democratização dos meios de comunicação e acredito realmente que a comunicação tem que ter [ininteligível] para todo mundo. Agradecendo o convite e deixando claro que a democracia na comunicação, no Brasil, tem que avançar e a gente consiga conduzir a conversa em um patamar que algo flua realmente.
Alessandra Oliveira – Gostaria de agradecer [pela participação]. Sou a favor da democracia dos meios de comunicação em qualquer país, em qualquer lugar, independente do regime, acho que é um direito humano, à comunicação à expressão. Acho , inclusive, que esse espaço de debate mostra que é possível dentro da televisão, a televisão aberta, a gente discutir comunicação. Isso é um avanço, é um passo para a democratização da comunicação.
[Ruy Lima encerra o programa.]
Plínio,
É tão democrático em Cuba que o irmão passa o poder para o outro irmão. É uma monarquia que se diz socialista. Podemos e devemos reconhecer as chamadas conquistas sociais em Cuba, mas por que não criticar absurdos como a prisão de quem discorda do regime.
Plínio,
Mesmo sem ser jornalista vou me manifestar sobre o o debate transcrito. Subscrevo a última manifestação da Alessandra Oliveira no encerramento do programa por refletir exatamente, e com clareza, o verdadeiro sentido da liberdade de imprensa. Da leitura do seu diálogo com o Rafael o que se vê é a tergiversaçãopor parte dele expressa na fuga a uma resposta direta e objetiva frente a perguntas tão óbvias. Lamentavelmente, os apreciadores de Cuba, por razões ideológicas ou não, sempre obscurecem uma realidade que salta aos olhos do mundo para enaltecer a qualidade alcançada na educação e na saúde, o que, aliás, ninguém contesta.