Reprodução do artigo publicado na edição de 14/5/2015 do O POVO.

Hélio RôlaPerguntas a um cidadão de bem
Plínio Bortolotti

Quando se fala em redução da maioridade penal, boa parte das pessoas dá um salto ou alteia a voz para dizer-se um “cidadão de bem”, que “paga impostos”, portanto com direito à segurança que, normalmente, ele vê como repressão às periferias e o encarceramento irrestrito.

Certa vez ouvi, em uma sessão pública da Assembleia Legislativa, uma representante desse setor dizer que não lhe interessava saber o que acontecia na periferia, ao tempo em que reclamava a garantia de sair em seu carro sem ser assaltada. Por óbvio, não passou pela sua reduzida cabeça a relação profunda entre uma coisa e outra.

Porém, o objetivo aqui não é debater se é certo ou errado reduzir-se a maioridade penal, e sim fazer algumas perguntas ao “cidadão de bem”, a respeito da urgência com que se toca alguns assuntos – e o espaço dedicado a eles nos debates – em relação a outros.

Por exemplo, a Constituição brasileira (artigo 153, inciso VII) estabelece cobrança de imposto sobre as grandes fortunas, porém, passados quase trinta anos, a proposta ainda não foi regulamentada. O cidadão de bem sabe que essa medida poderia, inclusive, reduzir a carga de impostos pagos pela classe média e pelos pobres, além de fazer justiça tributária?

O cidadão de bem sabe que no Congresso – enquanto o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aprova a “PEC da Bengala” – existem quase 400 propostas contra a corrupção e controle dos gastos públicos paradas?

Por que o cidadão de bem revolta-se contra direitos concedidos às empregadas domésticas, mas deixa passar – emitindo apenas alguns murmúrios -, quando deputados aumentam seus próprios salários?

Por que o cidadão de bem faz do Bolsa Família (em média R$ 170 por família) tema de sua queixa cotidiana, mas conforma-se rapidamente quando magistrados se auto-outorgam o direito a uma “bolsa-aluguel”, de R$ 4,3 mil por mês?

“Tantas histórias, quantas perguntas.”

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