Reprodução do “Ponto de Vista” publicado na edição de 5/3/2016, editoria de Política, do O POVO. (No jornal foi publicada uma versão resumido, sem o trecho a partir do entretítulo “Mais quatro coisas”.)
“Debaixo de vara”
Plínio Bortolotti
Já afirmei algumas vezes que a operação Lava Jato poderia e pode ser um instrumento importante para desbaratar um mecanismo de corrupção do qual se aproveitaram todos os partidos que já passaram pelo poder, sem exceção.
No entanto, é inegável que a Lava Jato vem ganhando cada vez mais um caráter espetacular e passional, com o Ministério Público e a Polícia Federal, julgando-se no papel cinematográfico dos “Intocáveis” – e o juiz Sérgio Moro dando-lhes azo.
Somente isso poderia explicar o mandado de coerção coercitiva, assinada pelo juiz de Curitiba, para colher o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Observem que o próprio Moro temia exorbitância ao deixar bem claro no mandado que Lula não deveria ser algemado e nem filmado, no momento de ser levado para a sede da Polícia Federal.
Se ele fez isso, é porque devia conhecer o ânimo de agentes da PF para agir de forma ainda mais arbitrária superando a violência desnecessária da própria condução coercitiva em si.
Antes que algum celerado, dessas matilhas que costumam agredir virtualmente qualquer pessoa que emita uma opinião diferente das que professam – e o xingamento mais brando é “petista” – exponho para eles as palavras do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF):
“Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado”.
Exponho o argumento do ministro, não porque precise confirmar o meu próprio, mas para mostrar que não é preciso ser “petista” para enxergar um malfeito, uma ilegalidade, uma truculência, independentemente de quem seja atingido.
O mesmo vale, por exemplo, para Eduardo Cunha, se estiver em situação parecida. Ele não deve ser conduzido coercitivamente, se dispuser-se a falar espontaneamente e nem deve ser algemado, caso seja detido, pois não representará nenhum perigo físico para os agentes.
Aliás, práticas que deveriam valer para qualquer cidadão.
Mais quatro coisas
1. Se o juiz Sérgio Moro não tiver provas robustas de que Lula foi beneficiado com os desvios da Petrobras, a Lava jato terá dado um enorme tiro no pé.
2. E o tiro – de quem quis humilhar Lula – pode ainda sair pela culatra. Os apoios a ele vão se multiplicar, o PT vai se unificar em torno de seu líder mais importante, e até seus adversários internos ser-lhe-ão solidários.
3. Mas haverá uma consequência que pode ser ruim para todo o país. Os enfrentamento entre apoiadores e adversários, até agora contidos e pontuais, tenderão a se multiplicar.
4. E, por último, mas não menos importante: para aqueles que entendem que se tornou mais fácil derrubar Dilma Rousseff. Nenhum governo entrega o poder passivamente, ao contrário, a luta costuma ser sangrenta, simbólica ou literalmente. Para ficar em apenas dois exemplos sul-americanos: no Chile (1973), mesmo sabendo que estava perdido, Salvador Allende não se entregou: morreu abraçado a uma metralhadora nos destroços do Palácio de la Moneda. No Brasil (1954) Getúlio Vargas só viu um modo de vencer seus inimigos: matando-se. E o fez, cravando em sua carta testamento: “Saio da vida para entrar para a história”.
Tranquilamente bem colocado. Como pede o momento.
“O choro é livre!”.
Por todo uma vida, e muitos intelectuais se exacerbaram disso, que os “poderoso” também fossem punidos ou que passassem na frente de uma porta de cadeia. A máxima que só quem é “criminoso” é pobre (como se todo pobre fosse um criminoso, que absurdo), continua na fala de quem só entende que a justiça só é justa se for a sua justiça. Que trocadilho, não? Sempre se colocou na justiça os males da impunidade. E se for “rico” e “poderoso” então nunca se é punido. Será que foi nisso que Lula confiou, ou será que foi na gratidão que o “pai dos pobres” deve ter? Ui, ui, ui. O ministro do STF Marco Aurélio de Mello , foi o mais ouvido durante estes dois dias, também o ouvi na CBN: ” se um ex presidente foi levado para depor de forma coercitiva, imagine um cidadão comum?”. Assustador, quando o ministro “acha”(?) que alguém, por ser um ex presidente, possa ser inimputável, mesmo que tenha cometido erros graves, como relata o Ministério público Federal. Pergunto-me, quanto dos “inocentes”, “presos políticos” que se envolveram no mensalão até o petrolão, foram coercitivamente levados a depor? Ontem, diversas conduções coercitivas foram impetradas, mas só um causou choro. Em plena eleição presidencial 2014, Romeu Tuma Jr, foi coercitivamente levado a depor na PF para explicar declarações expostas em seu livro “os destruidores de reputação”, e não ouvi nenhum jurista ou ministro opinou. Finali como comecei: ” O CHORO É LIVRE!!”
P.S. Digamos que o jornalista não seja “ptista”, mas com certeza sua alma (uma força de expressão, pois já deixou transparecer que és ateu) certamente é ‘ptista”.
Você estava indo bem, Diego, até com um certo humor, mas no “PS” deu um jeito de enfiar o “petista”, que obsessão, não? Creio que nem Freud explicaria.
Agradeço pela leitura e pelo comentário.
Plínio
Tratei da Aletheia no meu trabalho de conclusão do curso de especialização em Filosofia, aprovado com média 10 pela UECE Fortaleza.
Não quero com isso dar uma espécie de carteirada, até porque o Pondé tem o título de doutor em Filosofia. Mas, no meu entendimento, ao contrário do que informa a Polícia Federal, Aletheia não é a busca pela verdade. Muito menos pela verdade que caberia à Polícia Federal ou ao Judiciário tentar encontrar.
Essa busca pressupõe a procura por evidências, que por sua vez levem a provas irrefutáveis, possíveis de serem comprovadas à luz da razão e da lógica. Assim deveria funcionar o Estado Democrático de Direito. Ou seja, de modo exatamente oposto à Aletheia.
Aletheia, dos gregos pré-socráticos à fenomenologia heideggeriana, trata da verdade como desvelamento, algo que se revela a uma presença iluminada, sem que ela necessite da razão para alcançá-la. Trata-se de uma verdade anterior à correspondência e adequação entre o discurso e o objeto ao qual se refere, anterior ao exercício da representação e da lógica.
Tenho minhas dúvidas de que os delegados da PF que batizaram essa operação algum dia estudaram sobre Aletheia. Parece mais que procuraram no tradutor automático por uma expressão exótica em outro idioma que soasse profunda o suficiente para a mídia não saber explicá-la, porém, conseguisse relacioná-la à descoberta final da verdade.
No enredo produzido coletivamente pela plutocracia, mídia hegemônica e seus tentáculos na PF e no Judiciário, Aletheia deveria ser o capítulo final, em que Dilma é derrubada e Lula é preso. Logo depois viria o clímax, em que a plutocracia retoma o poder executivo.
Esse é o final escrito já desde muito antes da chamada “estrada de provas” na Teoria do Roteiro, trajetória do herói de mil faces.
Caro Carlos,
Não se impressione com o título de “doutor em Filosofia” de Pondé ou de quem quer que seja. Continue procurando seu próprio caminho.
Abraço,
Plínio
Não entendi, Plínio…
Esqueceste a renúncia do Governo Collor? Não teria sido passiva sua saída do governo, no sentido de que usas o “passiva” como sinônima de belicosa?
Caro Paulo,
Mas Collor entregou o governo passivamente? Houve mobilização por todo o Brasil. Eu escrevi “sangrenta simbólica e literalmente”. Os dois casos que citei foram literalmente; no caso de Collor, mais pelo lado simbólico: manifestações de rua, enfrentamentos judiciais, etc. A propósito, “passivo” é antônimo e não sinônimo de “belicoso”.
Agradeço a leitura e o comentário.
Plínio
Claro que foi só uma pequena provocação. Hoje parece até ser um insulto ser simpatizante do PT.(Cruzes?!)
É sabido que o PT foi fundado, em 1980, de uma costela dos movimentos populares ligados à Igreja e a Teologia da Libertação (TL). Hoje partidos como o PSOL, PSTU e mais recentemente a REDE, são costelinhas do Partido dos Trabalhadores e que nasceram juntos no setor progressista católico.
Estes partidos nasceram nas comunidades eclesiásticas de base entre os anos 70 e 80, levando a visão marxista para a igreja católica (TL) , assim, todos estes partidos estão umbilicalmente ligados.