Reprodução do artigo para a editoria de Opinião, edição de 10/11/2016 do O POVO.

Trump e a utopia reacionária

Tomei um choque quando vi a Primeira Página deste jornal, edição de ontem: “Trump surpreende e vence”, com a foto em close do novo presidente americano, e o subtítulo formando-lhe um bigodinho. A composição gráfica remete a outro personagem, que também ascendeu, na Alemanha, em momento de crise, igualmente apelando para aquilo que o ex-deputado Roberto Jefferson chamaria de “instintos mais primitivos” da multidão.

Não quero me meter a analista de política internacional, porém, creio que os dizeres do subtítulo ajudam a explicar, pelo menos em parte, a vitória de Trump: “EUA: um país dividido elege um bilionário sem tradição política”.

A mim parece que em quase todo o mundo as pessoas estão cansadas do stabilishment político; sem rumo, atordoadas pelas violentas mudanças que estão se processando em todos os setores da vida social, que correm velocidade das novas tecnologias. E esse é justamente o pântano onde se dão bem os demagogos e aventureiros.

Recentemente, o Reino Unido fez um plebiscito para decidir se permaneceria na União Europeia. Do mesmo modo que na eleição americana, era uma disputa apertada. Do mesmo jeito, a direita, a favor da saída, atacava imigrantes. Da mesma forma, previa-se a vitória, por pequena margem, dos votos pela permanência. Igualmente ao que aconteceu nos Estados Unidos, ocorreu o contrário.

Em situações instáveis, as pessoas almejam um mundo seguro, como era “antigamente”, nos gloriosos tempos em que tudo estava no seu devido lugar. Uma utopia reacionária, sem dúvida, pois esse tempo é lugar nenhum; porém, o apelo é hipnotizador. E, normalmente, sensibiliza as pessoas mais truculentas ou de mais idade que, por circunstâncias biológicas, talvez estarão livres de viver o horror que se seguirá.

PS. No Brasil, muita gente, incluindo jornalistas, que se dizem chocados com eleição de Donald Trump, estão alimentando monstros.

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