Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 22 de janeiro de 2017, do O POVO.
Encarceramento indiscriminado não reduz crimes
O que aconteceu no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, a matança de mais de uma centena de presos no intervalo de poucos dias, foi apenas a exposição crua da rotina nos presídios brasileiros, nos quais se morre e se mata diariamente. O morticínio de presos se “naturalizou” de tal forma que apenas o horror de cabeças decepadas, corpos esquartejados e sangue em quantidade industrial conseguiu pôr em movimento, ainda que vacilante, a máquina governamental para balbuciar algumas explicações e apresentar mais um “novo” plano para um velho problema. Justiça seja feita, a responsabilidade não pode ser jogada totalmente nas costas do atual governo, pois se trata de mal antigo.
O mínimo que se esperava, porém, é que um debate sério sobre o assunto surgisse a partir da tragédia, buscando-se experiências positivas que pudessem ser replicadas no Brasil. Mas o que se viu foi o apequenamento da maioria dos “homens públicos”, que se abstiveram de declarações mais duras sobre a situação, pois “defender bandido” faz perder votos.
O que acabou por ganhar destaque foram declarações brutalizadas de alguns estúpidos incentivando mais chacinas. Claro que nada há de convencer elementos que têm esse tipo de distorção mental, porém – se por um milagre – conseguissem ver além de sua própria covardia, talvez mudassem de ideias a respeito de como devem ser tratados os prisioneiros.
Na Noruega, por exemplo, onde os presídios são comparados a hotéis e pelo menos um deles se assemelha a um resort, o índice de presos que voltam a delinquir depois de soltos não passa de 20%, quando no Brasil o percentual é de 70%.
Já estou ouvindo o vozerio: “Lá a cultura é diferente”. Vamos então ver exemplos do Brasil.
A Associação de Proteção e Amparo aos Condenados (Apac) é uma entidade privada, cristã, sem fins lucrativos, atuando há 42 anos, período em que nunca houve rebelião nos presídios sob seus cuidados. Atualmente a Apac administra 39 prisões, sendo 34 em Minas Gerais, com um total de 2.500 detentos. Nas unidades administradas pela Apac ficam condenados de menor periculosidade. Os presos recebem visitas frequentes da família, ficam em celas limpas, têm banho quente e ajudam na administração dos presídio. O índice de reincidência não passa de 15%.
Outros estados, como Alagoas, Goiás e Mato Grosso do Sul, organizam algumas unidades prisionais voltadas para a ressocialização dos presos. O Centro Ressocializador, em Alagoas, é uma dessas prisões. O tenente-coronel Carlos Luna, superintendente da Administração Penitenciária, parte do princípio de que o tratamento respeitoso é essencial para a ressocialização dos detentos. A unidade onde o sistema é aplicado é pequena, com pouco mais de 130 presos, selecionados por bom comportamento. Segundo o coronel, o índice de reincidência é de 5%.
Alguém pode argumentar que o sistema só funciona com presos de baixa periculosidade. Ainda que fosse – considerando que, no Brasil, a maior taxa de encarceramento atinge quem cometeu delitos menos graves -, grande parte do problema seria resolvido.
Portanto, como se constrói uma sociedade melhor? Degradando, torturando e assassinando presos – e devolvendo às ruas homens que vão continuar delinquindo – ou apostando nos direitos humanos, no tratamento respeitoso e na ressocialização, para devolver ao convívio pessoas redimidas?
A escolha é da própria sociedade.
NOTAS
Prendendo muito…
Entre 2005 a 2014 o número de presos do Brasil dobrou, passando de 300 mil para 600 mil encarcerados. No mesmo período, o percentual de homicídios aumentou em 125%, com cerca de 60 mil mortes em 2015 – recorde no mundo.
…e prendendo mal…
A falta de critérios objetivos para diferenciar o traficante do portador da droga para uso pessoal fez com que aumentasse o número de prisões. Até 2005, antes da lei antidroga, 14% das condenações eram devido à relação com drogas, em 2014 o número subiu para 28%. “Lotamos o sistema com gente do varejo de drogas, facilmente substituível. Quem ocupa a alta hierarquia do tráfico está solto, lavando dinheiro.” (Luciana Boiteux, professora de direito da UFRJ).
… pobres e primários
“O perfil majoritário do condenado por tráfico é este: pobre, primário, preso com pouca droga. É o elo mais fraco na cadeia da produção e venda.” (Vitore Maximiano, defensor público de São Paulo e ex-secretário nacional de Políticas Sobre Drogas.)
Crédito
BBC Brasil: Prisão na Noruega é comparada a hotel, Por que a Noruega é o melhor país do mundo para ser preso, Prisões-modelo apontam soluções para crise carcerária no Brasil e Índice de reincidência no crime é menor em presos das Apacs; Folha de S.Paulo: País superlota cadeias com réus sem antecedentes e não violentos.
É pura cortina de fumaça.
José Eduardo Cardoso lembrou que nossas prisões são medievais quando grandes nomes do PT margeavam a “PAPUDA”. Apreçou-se em fazer reformas “dignas” para um público tão seleto.
O que ocorre nos presídios brasileiros é puro reflexo do que ocorre fora deles. Temos 60 mil mortes violentas no país, em sua grande maioria proveniente do acerto de contas do tráfico. Temos um estado inoperante na segurança pública fora dos presídios e muito maior dentro dos presídios
A lógica é simples, quem compra um “dólar” de maconha, uma pedra ou um “pino”, fomenta Elias Malucos, Fernandinhos Beira Mar e Marcolas.
Tenta-se dissimuladamente criar uma cortina de fumaça para a liberação de drogas ilícitas. “Ai, que peninha, a maioria dos presos do Brasil são por porte ou tráfico de drogas, ilícitos menores.” – vociferam. Esquecem que menos de 3% dos assassinatos do país são elucidados. “Falta educação nos presídios” vociferam. Mas esquecem que fora dos presídios a oportunidade de estudo e educação – inclusive profissionalizante – existe.
Acortina de fumaça quer tolerância mínima, quando a teoria da janela quebrada e a tolerância zero sim deveria ser aplicada.
Os que estão aprisionados e subjugados fora dos presídios perguntam: e nós, quando teremos uma atenção?
“Peninha” eu tenho de você Diego, tão necessitado de “atenção”.
Sugiro aos leitores verem o vídeo: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/edicoes/2017/01/23.html#!v/5594687
Se o “hôme” da Globo falô, então tá, vamu respeitá as otoridade.
Apenas dados:
População: Noruega, 5,1 milhões de habitantes; Brasil, 200,4 milhões (39 vezes maior);
Fronteira Terrestre: Noruega, 2.550 km com 3 países; Brasil, 16.145 km com 10 países (dentre eles 3 dos maiores produtores de cocaína do mundo, Peru, Colômbia e Bolívia, e um que fornece cerca de 80% da maconha consumida no Brasil, o Paraguai);
Fonte: Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes e UNODC.
NOTA
“Prendendo bem…”
Entre 2005 a 2014 o número de presos do estado de São Paulo, passou de 121 mil para 219 mil encarcerados. No mesmo período, o percentual de homicídios dolosos diminuiu em 44%, de 18,05 para 10,06 por 100 mil habitantes.
Fonte: Conselho Nacional de Justiça, SAC/SP, Infopen e Depen.
Adaptando aquela propaganda de 1988 da Folha de São Paulo: “É possível dizer o contrário da verdade, só dizendo verdades”.
Caro Giovani,
1. O “questionamento” sobre as diferença entre os países está respondido no próprio texto, talvez v. tenha pulado essa parte;
2. Mesmo afastando-se o fato de que alguns estudiosos atribuem a queda de homicídios ao PCC, como uma espécie de “regulador” da violência, manobras na metodologia promovidas pelo governo de São Paulo influíram nessa queda. O próprio governo do Ceará fez essa denúncia, quando se comparou o número de homicídios de SP e CE. Dê uma pesquisada na internet que você verá matérias em vários jornais paulistas e na BBC Brasil sobre o assunto.
3. E, ainda, de qualquer modo, ver apenas São Paulo é ver a árvore e pensar que está-se vendo a floresa;
Repito:
Os que estão aprisionados e subjugados fora dos presídios perguntam: e nós, quando teremos uma atenção?
Agradeço muito por sua “peninha”.
Mas creio que o jornalismo OPOVO prima por seus leitores, mesmo aqueles que discordam de determinadas matérias. A ideia do comentário é comentar, se não seria chamado de “elogiem” ou “concordem”.
Admiro a linha editorial do jornal o povo por permitir que seu leito possa lê e opinar sobre diversos assuntos, por isso mantenho-me fiel ao jornal.
Grato.
Fique a vontade, mas não vou deixar de responder – e ironicamente, quando julgar que devo, mas sem ofender.
É preciso inverter a lógica prisional: quem deve pagar pelo crime cometido e suas consequências é o criminoso,… (link: http://fb.me/1HQYInZt9) fb.me/1HQYInZt9