Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 19/3/2017 do O POVO.

Covardia intelectual é pior do que postar depois de beber

Algumas das “polêmicas” típicas das redes sociais que surgem na minha linha do tempo do Twitter, eu nem clico para ver. A maioria delas são como cometas, que brilham muito, mas passam rápido e eu – por dever de ofício ou por gosto – tenho coisas mais interessantes para ler.

Também não adiro ao apedrejamento, aos tribunais do ódio da internet, seja a vítima de direita ou de esquerda. Esse tipo de coisa me lembra aqueles filmes de faroeste em que a turba se reúne na frente da delegacia, todos excitados para enforcar o suspeito, antes de qualquer julgamento.

Mesmo menino (bom, confesso que continuo vendo bangue-bangue :)), eu torcia por aqueles xerifes que, munidos de coragem, segurando uma Winchester, faziam os “cidadãos de bem” voltarem para casa, com o rabo entre as pernas. Tenho rejeição física ao espírito de manada, por ser uma coisa estúpida e perigosa, que pode levar ao fascismo ou ao comunismo de tipo stalinista.

“O ignorante se descontrola na multidão, não porque tenha sido inoculado por ela com o vírus da violência, mas porque sua própria violência tem ali a única chance de se exprimir em segurança. Em outras palavras, o ignorante é perverso, porém covarde.” (H.L. Mencken)

Também ponho um pé atrás quando verifico a qualificação de alguém e o indigitado se apresenta como “palestrante”, seja para falar de negócios, economia ou qualquer outro assunto que encontre um público de crédulos para ouvir a lenga-lenga. Ou bem o cara é um empresário, um economista, um profissional qualquer e, eventualmente fala de seus estudos e experiência, ou você terá as famosas “palestras motivacionais”, com o mesmo poder de mudar as pessoas que tem um traque de provocar um grande estrago.

Não é bem a situação de Leandro Karnal, caso que será tratado aqui, pois, apesar de ter-se tornado “midiático” (já deve ter uma “assessoria” somente para cuidar das dezenas de palestras que ministra Brasil afora), ele é autor de vários livros e continua dando aula na Universidade de Campinas, como informa seu perfil no Facebook.

Porém, e sempre tem um porém, Karnal vacilou depois de ter publicado em sua página uma foto de um jantar, em companhia do juiz curitibano Sérgio Moro. Assim que a foto caiu na rede, seus “seguidores” e simpatizantes, normalmente de esquerda, voltaram-se violentamente contra ele.

O que fez Karnal? Enfrentou a turba, reafirmou seu papel de intelectual, que tem obrigação de ir contra o senso comum, contrariou a manada, mesmo com o risco de não mais ser convidado pela “esquerda” a fazer palestras? Reafirmou seu direito de conversar publicamente com quem quiser, pois é professor, historiador e não refém de seus “seguidores”?

Não, ele capitulou. Faz um “mea culpa” vergonhoso, ajoelhou-se no milho, atribuiu o acontecimento à bebida (“o post com a foto feito após algum vinho”) e retirou a postagem em que aparece ao lado de Sérgio Moro. Para piorar, disse que vai continuar mantendo reuniões, agora às escondidas: “Quando eu tiver encontros com outras autoridades e pessoas de referência, prometo, guardarei para mim e para meu debate interno”. Desse ponto de vista, portanto, o problema não é com quem ele fala, mas o que vão pensar os “outros”.

Karnal não atuou como um intelectual, que poderia ter-se inspirado em Hannah Arendt. Agiu como mero “palestrante”, terminando de forma ridícula seu post: “Paguei pelo vinho”.

NOTAS

No vinho a verdade
A propósito, como o professor gosta de citações, talvez tenha se esquecido desta, em latim: “In vino veritas”.

Hanna Arendt
Judia alemã, Hanna Arendt (1906-1975) despertou a ira da comunidade judaica, e de muitos de seus colegas de academia, quando publicou “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”. No livro, ela afirma que o nazista, encarregado de transportar milhares de judeus, ciganos e outros “indesejados” para os campos de extermínio, não era um “monstro”, mas um homem comum, cumpridor de ordens.

Debate
Arendt sustentou suas ideias e pagou um preço alto pela sua integridade intelectual, porém conseguiu ampliar o debate sobre o tema. Há um filme muito bom que conta a história, cujo título leva o nome da filósofa.

Crédito
Post no Facebook no qual Leandro Karnal se justifica.

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