Reprodução do artigo publicado na edição de 22/11/2018 do
O POVO, editoria de Opinião.

Um imprevisto

Pode-se dizer várias coisas do ex-juiz e futuro Ministro da Justiça, Sérgio Moro, menos que ele seja mau aluno. Para quem vai exercer um cargo “técnico” (#sqn), ele aprendeu rapidamente a linguagem anfíbia do poder.

Confrontado com o caso de seu colega de transição, Onyx Lorenzoni, que usou caixa 2 em campanha política, Moro saiu-se com esta: “Ele admitiu e já pediu desculpas”, convidando-nos a “olhar para a frente”, recurso típico de políticos para se livrarem de enroscos. (Vamos ver qual será a desculpa de Moro para a indicação de Luiz Henrique Mandetta para o Ministério da Saúde. Ele é investigado sob suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa 2.)

Agora, na nomeação de sua própria equipe – Moro está levando a “República de Curitiba” para o governo – ele classificou o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier como “um infortúnio e um imprevisto”. Em todas as suas palavras: “A delegada tem minha plena confiança. O que aconteceu em Florianópolis foi uma tragédia, algo muito trágico. Toda a minha solidariedade aos familiares do reitor. Mas foi um infortúnio e um imprevisto (sic) no âmbito de uma investigação”.

A delegada, no caso, é Erika Marena – nomeada por Moro como chefe da Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do novo governo -, autora do pedido de prisão de Cancellier. Ele era acusado, indevidamente, de obstruir investigação da Polícia Federal que verificava supostos desvios recursos na universidade.

O reitor não se conformava com a “humilhação e o vexame” que passou por ter sido preso, e nem com a proibição de entrar na UFSC. Alguns dias depois suicidou-se, deixando um bilhete: “Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”. Nada foi provado contra ele. Mesmo assim, Moro não viu nenhum impeditivo para nomear a delegada para a sua equipe.

Debite-se, portanto, a morte de Cancellier na conta de um “imprevisto”, um “dano colateral” na guerra que os cruzados da República de Curitiba movem contra a corrupção. E, em uma guerra, “se vão morrer alguns inocentes, tudo bem”, como diria o chefe de Moro.

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