Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião, O POVO edição de 13/12/2018.

Pedágio ou rachadinha?

Há momentos em que o silêncio, o toureio, as frases interrompidas, os engasgos e os nós de língua, falam mais alto do que uma límpida explanação.

Um “motorista” sumido; um futuro chefe da Casa Civil que tergiversa, deixando entrevistadores sem respostas; um nomeado Ministro da Justiça sinalizando a jornalistas que vai se calar, mas, logo depois, apresenta-se com declarações tíbias; um presidente recém-diplomado justificando-se de forma estapafúrdia.

Esse é o resumo, até agora, do caso envolvendo o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), senador eleito, cujo motorista-assessor foi flagrado pelo Coaf com movimentação “atípica” em sua conta bancária. Ele movimentou R$ 1,2 milhão em um ano, tendo emitido cheque de R$ 24 mil para a futura primeira-dama. (O salário de R$ 9 mil para um “motorista” já deveria ser objeto de escândalo, mas deixa para lá.)

Como se sabe, desde que o caso veio a lume, o assessor está desaparecido e Onyx Lorenzoni abandonou uma entrevista, quando perguntado sobre o assunto. Sérgio Moro, primeiro recusou-se a falar, depois deu um “ok” para a explicação desafinada do chefe: “O sr. presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio”, pontificou. Disse, ainda, que a ele, como ministro, seria “inapropriado” opinar em “casos concretos”. Depois pediu, fracamente, a “apuração” do caso, o que já é alguma coisa, porém atitude um tanto diferente do inflexível juiz anticorrupção, que vai ter o Coaf subordinado a ele.

Mas a melhor desculpa foi de Jair Bolsonaro, porém, apropriada, no julgamento de Moro. O presidente eleito disse que o cheque – suposto pagamento de um empréstimo que fizera ao motorista – fora depositado na conta da mulher, pois ele é muito ocupado para ir a bancos. Mas, tente lembrar-se, caro leitor: quantas vezes você foi a uma agência bancária este ano? O deslocamento tornou-se desnecessário desde que os bancos tornaram-se digitais.

Tomaram também chá de sumiço os cruzados da luta contra a corrupção das redes sociais. Talvez estejam tentando entender o que é “pedágio” ou “rachadinha”, como se diz no Ceará: quando o parlamentar sequestra parte do salário de “assessores” para embolsá-lo. É a forma mais tosca de corrupção.

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