Receitas tradicionais: na imagem, um coco verde está em cima de folhas de alface e rodeado por tomates.

Entre as receitas tradicionais que serão mostradas na série Dicumê estão o Búzio Icapuí, Moqueca de Siri, Pudim de Leite com Castanha de Caju, Moqueca de Banana Madura e Lasanha de Caju ao Leite de Coco (Foto: Reprodução/Youtube)

Comidas que representam a coragem de quem enfrenta o mar todos os dias para pescar.  Receitas que há muitos anos fazem parte da vida das famílias pescadoras, do cotidiano e das festas da comunidade, mas que também se renovam com a criatividade de quem prepara. Elas trazem também o reconhecimento ao trabalho das mulheres que, antes mesmo de o sol chegar, já estão no mangue coletando alimentos para suas casas e para a venda.

Todo esse universo da cultura alimentar presente em comunidades do litoral do Ceará poderá ser descoberto nas receitas tradicionais da websérie Dicumê, criada pelo Sesc para marcar os dez anos do Encontro Sesc Povos do Mar. Dividida em doze episódios, a série vai ao ar de 7 a 11 de dezembro de 2020 no canal do Sesc Ceará no Youtube, onde o material permanecerá disponível.

Os protagonistas são moradores e moradoras das praias do Ceará, que ensinam os segredos dos pratos que fazem parte de suas vidas e transformaram-se em especialidades de suas cozinhas. Os convidados fazem parte da Rede Sesc Povos do Mar, encontro que anualmente reunia mais de 200 comunidades costeiras para o intercâmbio sociocultural que inclui as práticas alimentares do eixo Saberes, Sabores e Saúde. Os participantes do projeto cozinham ao lado de integrantes do Observatório Cearense da Cultura Alimentar (OCCA) que analisam os ingredientes, temperos e preparos e dialogam sobre memórias e histórias de vida.

Entram no menu o preparo do peixe cação, tal como é feito na comunidade Córrego do Sal, em Icapuí; dessa cidade também é a receita de Búzio Icapuí e a panqueca com algas ao molho de maracujá. De Aracati, os pratos ensinados são a moqueca de siri e o arroz de camarão. De Cascavel, a sardinha e a moqueca de arraia. De Beberibe, o refogadinho do peixe Ubarana. De Acaraú, o ensopado de sururu. De Fortim, a mariscada. Entre as receitas inovadoras estão o pudim de leite com castanha de caju, de Camocim, a moqueca de Bbanana madura (do Quilombo da Serra da Rajada, em Caucaia) e a lasanha de caju ao leite de coco (Amontada).

Riqueza cultural

Roberto Araújo é historiador, gastrônomo, membro do Observatório Cearense da Cultura Alimentar (OCCA), professor dos cursos de Gastronomia e Hotelaria  do IFCE e cozinheiro formado pelo Senac. Ele participou da websérie Dicumê e percebe que ainda há muitos elementos desconhecidos da cultura alimentar das praias cearenses, que poderão ser vistos nos vídeos.

“Esse tipo de revelação é muito significativa, porque nos mostra a amplitude de opções que essa culinária nos traz. Vamos conhecendo ingredientes, cotidianos e vivências. A cultura alimentar dá conta da amplitude de práticas, saberes, costumes, tradições, pertencimento e identidade, territorialidade, convivência, sociabilidade, esse projeto nos traz tudo isso. Esses elementos estão contidos em cada receita e são extremamente importantes de serem conhecidos e valorizados. Essa é a grande importância desse projeto”, analisa o pesquisador.

Na receita da mariscada, ele identifica elementos essenciais como os pescados, os temperos que famílias sempre cultivaram nos quintais e o tipo de preparo de fogo único, em que todas as etapas são feitas na mesma panela. Essas características revelam, ao mesmo tempo, a condição econômica dos pescadores e a riqueza de sabores que eles constroem dentro de suas possibilidades.

“Para muitas pessoas, a comida das camadas mais pobres da população é uma comida muito simples, o que é um grande erro. Essa preparação nos mostra uma profunda riqueza do ponto de vista dos seus componentes, de sabor, aroma e diversas texturas encontradas nessa preparação. Essa cultura praiana é profundamente rica, diversa e extremamente criativa”, analisa o pesquisador,

Marileide Monteiro veio da Praia de Pontal do Maceió, em Fortim, para ensinar a mariscada que a pescadora Lalá desenvolveu e ela aperfeiçoou. A receita, que leva cinco tipos de frutos do mar, representa o ofício de mais de 300 marisqueiras da sua comunidade. Coletar búzio, sururu, ostra e siri para vender é o que gera renda para as famílias, mas também são alimentos presentes nas refeições em suas casas. Essa ação representa também a organização comunitária de mulheres marisqueiras, que ainda buscam reconhecimento e direitos.

O primeiro passo da mariscada, conta ela, começa por volta de cinco da manhã, no mangue, catando os ingredientes. “É um processo longo! Primeiro a gente coleta, depois chega em casa e limpa, vai fazer o primeiro cozimento, são cinco etapas até o prato ficar pronto. Se começar às cinco da manhã, passa o dia todo para de noite você comer”, detalha Marileide.

A mariscada é servida nos festivais da comunidade, como o Pontal do Maceió, realizado todos os anos em novembro, e quando Marileide prepara com satisfação a receita para os turistas. “Essa receita significa valorização e reconhecimento pelo esforço. É bom quando você faz uma coisa que as pessoas gostam”, diz Marileide.

Para ver a programação completa da websérie Dicumê e do Encontro Sesc Povos do Mar, acesse o site do evento.