Se queremos saber quem somos e entrar em contato com a natureza real, silenciosa e profunda de nossa vida, temos de ser como realmente somos. De que modo? Através do zazen: sentando-nos em meditação. (…) A simplicidade só se manifesta quando nossa vida, nossas circunstâncias, são bastante nítidas. Quando nossa vida é nítida, ela se torna uma grande oportunidade para manifestarmos simplicidade ou tranquilidade. É muito difícil manifestar simplicidade e tranquilidade vivendo em nosso mundo complicado. Vivendo num mundo assim, como podemos manifestar ou compreender a simplcidade? Para nós, essa é uma questão difícil, mas temos de fazê-lo porque se trata de nossa natureza original. Assim, a cada dia, tentamos praticar. A fim de nos submetermos na vida à tranquilidade ou à simplicidade, fazemos zazen. Simplicidade é zazen.

Dainin Katagiri

[Retornando ao silêncio: A prática Zen na vida diária. Trad. Rubens Rusche. – São Paulo: Círculo do Livro, 1991, p. 21 e 64.]

 

Suponhamos que resolvêssemos fazer a seguinte experiência: escolheríamos de forma mais ou menos aleatória dez pessoas do nosso círculo de amizade e proporíamos a cada uma permanecer durante sete minutos sentada em silêncio sem nada fazer e, igualmente, sem em nada pensar. Asseguro-lhes que, no mínimo, cinquenta por cento não conseguiriam. E quando arrisco cinquenta por cento estou sendo otimista, pois, muito provavelmente, o percentual dos que se mostrariam incapazes do feito seria bem maior. Mas, afirmo sem medo de errar, essa prática aparentemente tão simples é suficiente para operar milagres na vida de qualquer pessoa que resolva levá-la a sério.

Para a maioria das pessoas, é quase imossível ficar a sós em silêncio, sem fazer nada, durante alguns minutos. Tudo neste mundo atribulado do século XXI nos impele a fazer. Temos sempre que estar fazendo ou pensando em algo. Na maioria das vezes, somos forçados mesmo a ir para. Ir para onde? Não importa, temos que ir para. Ou seja, seguir, de preferência correndo. Todos seguem para. Mas se indagarmos: “Aonde você pretende chegar?”, a maioria não terá uma resposta convincente ou satisfatória.

Precisamos, todos nós, de um mínimo de silêncio e quietude. Para a maioria de nós, porém, é quase impossível praticar tanto uma coisa quanto a outra.   Por isso quero lembrar aqui um Mestre muito querido, com o qual tenho aprendido um pouco da arte de silenciar. O seu nome é Dainin Katagiri (1928-1990). Ele nasceu em Osaka, no Japão, passando a residir nos Estados Unidos em 1963, onde se dedicou ao ensino da meditação Zen-budista.

Dainin Katagiri recomenda uma prática simples, conhecida no Zen pelo nome de Zazen:  sentar em silêncio, de pernas cruzadas, durante alguns minutos. Enquanto se permanece sentado, deve-se procurar não pensar em nada. Pode parecer impossível para muitas pessoas não pensar em nada. Há, no entanto, um mecanismo simples e eficaz para consegui-lo: basta não reter os pensamentos, ou seja, não se fixar às imagens que vão surgindo na mente. Quando as imagens surgirem, deixe-as passar, como se sua mente fosse uma tela de cinema, em que as imagens passam sem que você as retenha.  

Somos, simultaneamente, quietude e movimento. A vida não pode parar enquanto estamos vivos. Mas, imersos no dinamismo inerente à vida, podemos cultivar o repouso, e um dos caminhos para consegui-lo é permanecer em silêncio durante alguns minutos do dia.

“Se você observa uma cachoeira a distância”, diz Dainin Katagiri, “ela aparenta estar em repouso, mas se você a observa mais de perto, ela está em constante movimento. A natureza original da consciência humana assemelha-se a uma cachoeira serena e tranquila mas, ao mesmo tempo, dinâmica” (p. 29).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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