São João da Cruz

São João da Cruz

Tomamos o navio para cruzar o Mediterrâneo ensolarado e desembarcarmos na Palestina. Percorrendo durante dias a Terra Santa, mais do que nunca me convenci do valor da peregrinação. Para o coração sensível, o espírito de Cristo impregna tudo na Palestina. Caminhei reverentemente ao seu lado em Belém e Getsêmani, no Calvário e no santo Monte das Oliveiras, ao longo do rio Jordão e do Mar da Galiléia. Nosso pequeno grupo visitou o Presépio do Nascimento, a carpintaria de José, o sepulcro de Lázaro, a casa de Marta e Maria, o recinto da Última Ceia. Revivíamos a antiguidade; cena após cena, assisti ao drama que Cristo representou então para os séculos vindouros.

 Paramahansa Yogananda

[Yogananda, Paramahansa. Autobiografia de um iogue. Tradução de Adelaide Petters Lessa. São Paulo: Summus, 1981, p. 346.]

 

Na terça-feira da semana passada, falei que devo a descoberta de alguns dos grandes luminares do cristianismo à leitura de Autobiografia de um Iogue, de Paramahansa Yogananda. Na ocasião, falei do episódio em que o Mestre hinduísta narra seu encontro com Santa Teresa Neumann. Dando continuidade ao projeto de escrever todas as terças-feiras do mês de setembro sobre Yoganandají, quero falar hoje de outro grande Santo cristão cujas obras assinalariam um marco especial em minha vida, e que conheci graças ao Mestre indiano.

Swâmi Kebalananda

Swâmi Kebalananda

No capítulo quatro de Autobiografia de um Iogue, intitulado Minha fuga interrompida rumo ao Himalaia, Yoganandají descreve um de seus iluminados momentos aos pés de seu instrutor de sânscrito, o Mestre Swâmi Kebalananda. No fato narrado, Yoganandají comenta uma ocasião em que, estando com Kebalananda, este lhe falou do convívio com o seu guru, Láhiri Mahásaya. Narra Yoganandají:

Kebalananda era notável autoridade nos antigos shastras ou livros sagrados; conquistara, por sua erudição, o título de Shastri Mahásaya, de uso comum ao cumprimentá-lo. Meu progresso, entretanto, na disciplina do sânscrito, era quase nulo. Eu aproveitava toda oportunidade para desertar da gramática prosaica e conversar sobre ioga e Láhiri Mahásaya. Um dia, tive a honra de ouvir meu professor falar de seu convívio pessoal com o mestre.

A seguir, transcreve as palavras de Kebalananda, proferidas ao falar de seu

Láhiri Mahásaya

Láhiri Mahásaya

guru, Láhiri Mahásaya: – Tive a rara felicidade de permanecer ao lado do mestre durante dez anos. Seu lar em Benares constituía a meta de minha peregrinação todas as noites. O guru encontrava-se sempre em sua pequena sala de recepção no andar térreo. Ao sentar-se em posição de lótus num banco de madeira sem espaldar, seus discípulos formavam uma semiguirlanda a seus pés. Seus olhos cintilavam e bailavam com alegria divina (p. 46/47).

A essa altura da narrativa, Yoganandají insere uma nota de rodapé, na qual escreve a seguinte frase: Porque a verdadeira natureza de Deus é Beatitude, o devoto, sintonizado com Ele, experimenta uma inata e ilimitada alegria. A seguir, faz a seguinte citação: A primeira das paixões da alma e da vontade é a alegria, informando, a seguir, o nome do autor: S. João da Cruz, autor de Subida do Monte Carmelo. Prossegue, citando ainda São João da Cruz: Um de seus místicos aforismos: “Para chegar Àquilo que não se tem, é preciso tomar o caminho que não se tem; para atingir aquilo que não se é, necessário se faz tomar o caminho onde não se é; para obter o Tudo, é preciso abandonar tudo”. E conclui a nota, afirmando: O corpo do grande santo cristão, morto em 1591, exumado em 1859, achava-se em estado de incorruptibilidade (nota 7, p. 47).

Ao ler tudo o que Yoganandají escrevera sobre São João da Cruz, pensei: “Quem é este Santo, cujo corpo, trezentos anos depois de sua morte, encontrava-se ainda perfeitamente conservado? E o aforismo citado, escrito em forma de paradoxo, no mesmo estilo de alguns escritos dos Mestres Zen-budistas?” O interesse por conhecer melhor a vida e obra daquele Santo de quem eu nunca antes ouvira falar ou sobre quem sequer lera antes qualquer coisa, foi imediato.

Por sorte, poucos depois encontrei, na Livraria Vozes, uma alentada edição das Obras Completas de São João da Cruz. Foi uma paixão que nunca mais teve fim. Quinze anos depois, ao publicar o meu livro “Viagem Mística no Tibete”, São João da Cruz seria um dos Mestres a quem eu, ousadamente, dedicaria a minha tentativa de estréia no mundo das letras.

Parece-me que Yoganandají gostava muito de São João da Cruz, pois volta a citá-lo novamente na página 88 da Autobiografia, no capítulo nove. Posso afirmar que Paramahansa Yoganandají me fez descobrir, maravilhado, os caminhos da mística cristã.

Num dos capítulos da Autobiografia, Yoganandají narra, também, uma peregrinação que ele fez à Terra Santa.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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