Em verdade vos digo: se tiverdes fé, como um grão de mostarda, direis a esta montanha: Transporta-te daqui para lá, e ela irá; e nada vos será impossível.

Jesus Cristo (Mt 17, 20)

A edição da revista Isto É do dia 2 de dezembro trouxe a seguinte reportagem de capa: “11 perguntas que a ciência não consegue responder. Tudo sobre misteriosos fenômenos, como a cura pela fé, o fim do mundo e a premonição, que ainda desafiam o conhecimento humano”. Na p. 120 as seguintes questões introduzem um dos temas propostos, a fé: “Existem milagres? Uma pessoa pode ser curada simplesmente pela força de sua fé?” (Isto É. São Paulo: Três Editorial Ltda., ano 32, nº 2090, 2/DEZ?2009).

Geralmente, quando a questão do poder e eficácia da fé é abordada, as pessoas tomam logo como referência as supostas curas miraculosas. Uso aqui a palavra supostas porque quero deixar a questão na perspectiva da possibilidade. Tais curas, no entanto, na maioria dos casos se referem a doenças físicas, males do corpo. Quase nunca é abordado um outro universo de males que talvez causem impactos de consequências muito mais radicais na vida de uma pessoa do que as curas físicas.   

Há um episódio da vida de São Francisco que enfoca um desses casos em que o que está em cheque é uma cura de outra ordem que não a física, e que terá por consequência algo de amplidão muito maior, uma vez que resultará numa mudança de perspectiva de vida. O fato é relatado no Espelho de Perfeição Maior. Gosto muito dele porque tem por escopo essa questão, onipresente em minhas reflexões: o poder da fé.

A fé é sempre uma aposta. Não se tem garantias absolutas. Ela é consequência de uma promessa. Mas a promessa se realizará? A promessa é um dado que está intimamente ligado à fé. Quem faz algo movido apenas pela fé, o faz porque acreditou numa promessa, tenha essa sido verbalizada ou não. Não olvidemos, porém, um detalhe importante da questão. Um elemento, por mínimo que seja, de dúvida, assoma sempre no horizonte do crente. A garantia nunca é de cem por cento quanto à realização daquilo que se almeja obter. Os limites da fé ninguém sabe exatamente, e sempre restará possível concluir que, se a promessa não se realizou, foi porque a fé não foi suficiente. E, nesse caso, quase sempre não há como sabê-lo.  

No episódio em foco, Cristo faz a Francisco uma promessa. E uma promessa de consequências inimagináveis, pois o Mestre afirma que, a quem crê, nada é impossível. Este é o horizonte-limite da fé: a realização do impossível. Feita a promessa, que Francisco toma como um desafio, sem vacilar aceita a proposta, concordando implicitamente com a possibilidade de realização do impossível. Crente no poder daquela palavra, que não é uma palavra qualquer, dada levianamente, ele afirma: “Senhor, faça-se em mim como disseste”. E o impossível acontece.

Em última instância, quem age movido pela fé aspira à realização do impossível. O crente vive num mundo de possibilidades virtuais que, para desespero e decepção de muitos, nem sempre se tornam reais. Em alguns casos, porém – e a vida de São Francisco é um bom exemplo disso -, o impossível acontece. Eis o relato, para reflexão e, espero, deleite dos leitores deste texto:    

“Quando morava no eremitério de Santa Maria, foi-lhe mandada uma gravíssima tentação do espírito para proveito de sua alma. Em vista disso, era tão atormentado na mente e no corpo que, muitas vezes, se afastava da companhia dos irmãos, porque não podia mostrar-se a eles alegre como costumava. Apesar disso, mortificava-se com a abstinência de alimento, de bebida e de palavras; orava com mais assiduidade e derramava mais abundantes lágrimas, para que o Senhor se dignasse enviar-lhe um remédio eficaz em tanta tribulação.

“Vivendo assim angustiado por mais de dois anos, aconteceu que um dia, enquanto orava na igreja de Santa Maria, foi-lhe dita em espírito a palavra do Evangelho: “Se tiveres fé como um grão de mostarda e disseres àquele monte (cf. Mt 17,19) que se mude para outro lugar, assim acontecerá”.

Imediatamente São Francisco respondeu: “Senhor, que monte é esse?” E foi-lhe dito: “O monte é tua tentação”. Disse São Francisco: “Então, Senhor, faça-se em mim (cf. Lc 1,38) como disseste”. E logo foi tão perfeitamente libertado que parecia nunca ter sofrido qualquer tentação” (Fontes Franciscanas e Clarianas. Apresentação Sergio M. Dal Moro; tradução Celso Márcio Teixeira… [et. al.]. 2ª. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, Espelho da Perfeição Maior, cap. 99, p. 1091).

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles