Imitação de CristoJesus: Filho, deixa-me fazer contigo o que quero; eu sei o que te convém. Tu pensas como homem, e julgas em muitas coisas consoante te persuade o afeto humano. A alma: Senhor, verdade é o que dizeis. Maior é vossa solicitude por mim, que todo o cuidado que eu comigo possa ter. Está em grande perigo de cair quem não entrega a vós todos os seus cuidados. Fazei de mim, Senhor, tudo o que quiserdes, contanto que permaneça em vós, reta e firme, a minha vontade. Pois não pode deixar de ser bom tudo o que fizerdes de mim. Se quereis que esteja nas trevas, bendito sejais; e se quereis que esteja na luz, sede também bendito. Se quereis que esteja consolado, sede bendito, e se quereis que esteja tribulado, sede igualmente para sempre bendito.

Tomás de Kempis

[Kempis, Tomás de. Imitação de Cristo: com reflexões e orações de São Francisco de Sales. Tradução portuguesa confrontada com o manuscrito autógrafo de 1441, editado pelo Revmo. Pe. Fleury, por Frei Tomás Borgmeier, O.F.M./ Tradução das reflexões de São Francisco de Sales e demais orações e salmos, por Lúcia M. Endlich Orth. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 161. – (Série Clássicos da Espiritualidade).]

 

Temos no Brasil diversas edições da Imitação de Cristo, livro cujo manuscrito autógrafo data de 1441. Embora sua autoria seja eventualmente objeto de alguma controvérsia, a maioria dos estudiosos concorda em atribuí-la a Tomás de Kempis, sacerdote agostiniano nascido em Kempen,

Tomás de Kempis

Tomás de Kempis

pequeno povoado da Diocese de Köln, na Alemanha, em 1380 e falecido em 1471, aos 91 anos. Uma das edições em língua portuguesa foi lançada em 1920. Essa edição foi novamente publicada, em 2009, pela Editora Vozes. Uma de suas vantagens é que vem acrescida com diversas reflexões de São Francisco de Sales, além de algumas orações e salmos. 

A primeira leitura que fiz da Imitação de Cristo, há muitos anos, me causou um incômodo muito grande. Na ocasião, cheguei a interromper a leitura por vários dias, ponderando se deveria ou não retomá-la. Se levada a sério, essa uma leitura que não se faz impunemente. Passada mais de uma década, porém, ao me deparar com a edição aqui comentada, decidi fazer uma releitura  do precioso e incômodo livro de Kempis. A publicação feita pela Editora Vozes me proporcionou a oportunidade de voltar à Imitação com outros olhos. Não sou mais o mesmo Vasco da primeira leitura e a Imitação, por sua vez, igualmente não é mais a mesma.   

No Prefácio preparado para a aludida edição, escreveu seu tradutor, Frei Tomás Borgmeier, O.F.M.: “Da Imitação de Cristo já se tem dito tudo quanto é possível dizer – assim inicia o Conde Afolsno Celso o prefácio à sua maviosa tradução. E tem razão o ilustre escritor. Seis séculos porfiaram em tecer-lhe elogios, mostrar-lhe as sublimidades, encarecer-lhe o subido valor, denominando-a uns o quinto livro dos evangelhos, chamando-lhe outros o melhor tratado de moral cristã, considerando-a todos o mais perfeito compêndio de vida espiritual. Depois da Bíblia – diz o Arcebispo mártir Darboy -, que vem de Deus, é a Imitação de Cristo de todos os livros o mais admirável e popular; nenhum granjeou em tão alto grau a estimação dos homens, nenhum parece tão adaptado a todos os leitores. Nenhum outro livro, saído de mãos humanas, excede-o na linguagem persuasiva e na doce violência com que arrasta os corações, e milhares de almas já sentiram os maravilhosos efeitos de sua leitura” (p. 17).

Gostei imensamente da expressão de que lança mão o autor, doce violência, para se referir ao arrebatamento proporcionado pela leitura da Imitação. O início da Quaresma,  nesta quarta-feira de cinzas, oferece aos que têm a religião Católica por credo um excelente motivo para se iniciar à Imitação de Cristo, caso não o tenham feito ainda. Quem tiver a necessária coragem para se submeter à doce violência do texto de Kempis, a oportunidade é única.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles