Existe uma ligação de continuidade evidente entre a devoção (no bom sentido da palavra) ao Menino Jesus “vivo em Maria” apreciada pela Escola Francesa e a doutrina espiritual de Teresinha do Menino Jesus. Por que Teresinha ou Bernadete foram a tal ponto transformadas pelo sorriso da Virgem? A mais bela filha do mundo não pode dar senão o que tem: seu sorriso dá os oceanos de amor do Coração de Jesus porque ele lhe comunicou “seu Espírito, seus dons, seus tesouros imensos, e sua vida…”

Pe. Etienne Richer

[Richer, Etienne. Maria, sorriso de Deus. Tradução José Joaquim Sobral. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2003, p. 50.]

Há um episódio muito conhecido da vida de Santa Teresinha do Menino Jesus assim relatado por ela em um de seus escritos autobiográficos, o Manuscrito A: “Não encontrando socorro nenhum na terra, a pobre Teresinha apelou para sua Mãe no Céu. Pedia-lhe de todo o coração que se compadecesse dela… De repente, a Santíssima Virgem pareceu-me bonita, tão bonita que nunca vira algo semelhante, seu rosto exalava uma bondade e uma ternura inefáveis, mas o que calou fundo em minha alma foi o ´sorriso encantador da santíssima Virgem´. Todas as minhas penas se foram naquele momento, duas grossas lágrimas jorraram das minhas pálpebras e rolaram pelo meu rosto, eram lágrimas de pura alegria… Ah! Pensei, a Santíssima Virgem sorriu para mim, estou feliz… sim, mas nunca o direi a quem quer que seja, pois então minha felicidade iria embora”.

Na ocasião, a santa estava doente, acometida por um mal difícil de diagnosticar. Próxima a si, em seu leito de enferma, encontrava-se  sua irmã, de nome Maria. Prossegue Teresinha o seu relato : “Baixei os olhos sem esforço nenhum e vi Maria, que me olhava com amor. Parecia comovida e duvidosa do favor que a Santíssima Virgem me concedera… Ah! Fora por causa dela, das suas intensas orações, que eu tivera a graça do sorriso da Rainha dos Céus. Vendo meu olhar fixado na Santíssima Virgem, ela dissera para si mesma: ´Teresa está curada!´ Sim, a florzinha ia renascer para a vida, o Raio luminoso que a aquecera não ia parar com seus favores, não faz tudo de uma vez só, mas suavemente, docemente, levantou sua flor e a fortificou de tal forma que, cinco anos mais tarde, desabrochava no monte fértil do Carmelo” (Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face. Obras Completas (Textos e Últimas Palavras). Tradução: Carmelo de Cotia; Héber Salvador de Lima, SJ; Maria Yvonne de Campos Teixeira da Silva; Marcos Marcionilo; Pe. Maurício Ruffier, SJ; Nady de Salles Penteado. São Paulo: Loyola, 1997. Manuscrito A, p. 116).

De fato, depois do episódio em que viu a Virgem Maria lhe sorrindo, Teresinha não apenas sarou, como experimentou um verdadeiro renascimento espiritual. Partindo desse fato, o Pe. Etienne Richer escreveu um livrinho de leitura muito agradável: Maria, sorriso de Deus. Dividido em três partes – I. Maria, mãe do puro amor!, II. Maria, mãe de misericórdia! E III. Teresinha: sorriso de Maria! -, o autor vai tecendo comentários sobre o valor da devoção a Nossa Senhora, por intermédio de quem Deus manifesta, muitas vezes, o que numa perspectiva meramente humana poderia ser considerado impossível.

Esse aspecto da devoção mariana fica especialmente patente na página 25, quando escreve: “Não se trata somente de fazer memória de nossa  miséria, mas também das maravilhas de Deus que pode fazer facilmente o que nós acreditamos com dificuldade”. Para completar seu raciocínio, faz uso do exemplo de outro grande devoto da Virgem Maria, o Pe. Guy Gilbert: “E não esqueçamos de fazer memória da maravilha de Deus que é a própria pessoa de Maria! O Pe. Guy Gilbert, apóstolo dos presos, dos delinquentes e das prostitutas vítimas da dureza de nossa sociedade e de nossas faltas de amor, não perde a memória: Eu tenho um culto mariano que me foi dado desde pequenino. E depois, este encontro cotidiano com Maria é o mais belo sorriso de Deus”.

Cultivar uma relação de amor e confiança para com a Mãe do Salvador equivale a antecipar o paraíso, experimentando o céu na terra. O clima para essa experiência é proporcionado pela mediação da Virgem: “A Santíssima Virgem é um clima: ela nos coloca secretamente em determinadas disposições, afirma com muita justeza o Pe. Molinié, daí que a verdadeira devoção à Santíssima Virgem não é um meio oferecido à nossa fraqueza, é já o céu”. E conclui asseverando que, para um devoto da Santa Mãe, ser feliz não é um anseio, mas uma consequência inevitável, bastando para sua consecuação que abramos mão do nosso orgulho, que muitas vezes recusa a felicidade: “Não se deve confundir a ´dolorosa alegria´ com a infelicidade. E se nos acontece ser infelizes, é porque somos pecadores. O orgulho tem sempre necessidade de infelicidade e de tristeza para nutrir sua revolta. Existe mais humildade em aceitar ser feliz” (p. 45).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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