São Lourenço de Bríndis, um apaixonado por Maria

A sã filosofia considera que de todo ser se tem que examinar três aspectos: o que é, o que pode, o que obra. E Maria em seu canto, ao modo da maior e mais sábia mestra de teologia, canta estas três coisas de Deus: que por natureza é o Senhor de todas as coisas, que por virtude é onipotente, que realizou grandes maravilhas. Tinha que ser assim, pois uma vez cheia do Espírito Santo, possuía o espírito de sabedoria e de entendimento, que são os primeiros dons do Espírito Santo.

São Lourenço de Brindis

[São Lourenço de Brindis. “Magnificat”. El cántico de la Virgen Madre de Dios. Diez Sermones. Sermón segundo: El Magnificat, cántico de sabiduría y de piedad, p. 279, tradução livre minha. Em: Marial. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2004].

Ontem, 21 de julho, a Igreja Católica celebrou a memória de um dos santos mais queridos entre os da minha devoção. Na verdade, devo dizer que sou devoto de muitos santos. Tornei-me devoto deste de quem falarei hoje pelo motivo que me levou a reverenciar quase todos os demais, ou seja, por ser um santo mariano. Refiro-me a São Lourenço de Bríndis, um santo pouquíssimo conhecido no Brasil, o que lamento imensamente. Há alguns anos, quando adquiri um exemplar do seu Marial, me tornei, mais que um leitor, um devoto desse santo capuchinho.

Nascido em 22 de julho de 1559, em Brindisi (Apúlia, Itália), era filho de Guglielmo Russo e Elisabetta Masella. Seu nome de batismo foi Giulio Cesare Russo. Depois da morte do pai, entre 1561 e 1565, ingressou no colégio dos franciscanos conventuais de São Paulo Eremita. Após a morte da mãe, foi enviado pelos familiares para o norte da Itália. Ali, acolhido por um tio paterno religioso, continuou seus estudos. Em 18 de fevereiro de 1575 foi admitido na Ordem dos frades menores capuchinhos, adotando o nome de Lourenço. Professou aos 25 de março de 1576 e se ordenou em 8 de dezembro de 1582. Faleceu no dia 22 de julho de 1619, dia da celebração do seu aniversário de 60 anos. Seu corpo foi transladado para a igreja do Monastério de La Anunciada de Villafranca del Bierzo (León), na Espanha, cujo mausoléu se encontra sob a guarda das Irmãs Clarissas. Foi beatificado em 1 de junho de 1783 e proclamado santo em 11 de dezembro de 1881. Em 19 de março de 1959 São João XXIII o proclamou Doutor da Igreja, com o título de Doutor Apostólico. 

São Lourenço foi um apaixonado pelas escrituras e um grande conhecedor de línguas estrangeiras. Embora tenha redigido apenas um de seus escritos com o objetivo de ser publicado em forma de livro, deixou uma vasta obra, fruto de seus sermões, cuja publicação teve início somente em 1928.

Infelizmente, não temos ainda uma tradução de suas obras em língua portuguesa. O Marial, considerado talvez sua obra mais importante, insere-se entre um dos primeiros, senão o primeiro, grande tratado de mariologia. Mas quem quiser lê-lo no Brasil tem que se valer da edição em espanhol, publicada pela Biblioteca de Autores Cristianos.

Em julho de 2018, ao embarcar para a cidade de Aparecida para iniciar o primeiro módulo do curso de pós-graduação em mariologia, a primeira coisa que pus na bagagem foi o meu exemplar do Marial. No intervalo de uma das aulas, conversando com a professora Lina Boff, mostrei para ela o meu exemplar do livro. Ao vê-lo, ela demonstrou uma surpresa tão grande que me deixou pasmo. Quando lhe perguntei se ela poderia tirar uma foto comigo,  respondeu: “Sim, com o Marial”. E fez questão de que tirássemos a foto mostrando o livro.

No encerramento da sua disciplina, Magistério da Igreja em Mariologia a partir do Concílio Vaticano II, ela fez uma observação que me convenceu, mais uma vez, do quanto a surpreendera me ver com o exemplar do livro de São Lourenço. Disse ela: “Vocês não imaginam o que eu encontrei aqui! Um leigo lendo o Marial de São Lourenço de Bríndis!”.

Pois bem, o que me fez me apaixonar por esse santo foi, exatamente, sua paixão por Nossa Senhora. O Marial consta de 84 sermões sobre a Mãe de Deus. Posso afirmar que a leitura desse livro abriu para mim o horizonte inesgotável da mariologia. Ao me matricular no curso de pós-graduação tinha um propósito inicial: fazer o TCC sobre um dos sermões de São Lourenço sobre o Magnificat, cujo trecho cito em epígrafe a este breve artigo. Note-se que, nele, o Santo se refere a Maria como “a mais sábia mestra de teologia”. Desde que li pela primeira vez este sermão, fiquei impressionado com esse tema, Maria apresentada como a mais sábia teóloga. Que ousadia e que genialidade a desse santo!

Depois, já no primeiro módulo do curso, comecei a repensar a ideia. Falei para a professora Lina Boff que havia tido, inicialmente, este propósito, mas o considerava um projeto ousado demais para mim, que nem formação em teologia tenho. Ela retrucou: “De maneira alguma desista da sua ideia! Você tem o mais importante, que é a motivação para escrever sobre o assunto. Isso é fundamental. Não se preocupe com a falta de conhecimentos teológicos”. De qualquer maneira, apesar do incentivo da professora, acabei desistindo da ideia. Mesmo assim, resolvi permanecer com o Marial como perspectiva e apresentei o pré-projeto sobre os seis sermões dedicados à Salve Rainha. Embora tenha obtido nota 9,5 no pré-projeto, continuava achando  uma ideia ousada demais para os meus parcos conhecimentos teológicos. Devido a um fato que, ainda hoje, me surpreende, acabei refazendo totalmente o projeto, ou melhor, fazendo um novo projeto, que teve como objeto de estudo o ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (mas isso é outra história que não cabe relatar aqui).

Mas mantenho a esperança de que, algum dia, ainda escreverei um trabalho mais detalhado pelo menos sobre alguns sermões do Marial, dentre os quais destaco os dez sermões sobre o Magnificat e os seis sobre a Salve Rainha. Na verdade, todo o Marial é de uma beleza e profundidade inigualáveis. O destaque que dou a estes dois conjuntos de sermões é devido ao fato de gostar imensamente tanto do Magnificat quanto da Salve Rainha.

São Lourenço inicia o primeiro sermão sobre a Salve Rainha com as seguintes palavras:

Deus, que adornou o céu com o esplendor dos astros, adornou igualmente a Igreja com a luz de Cristo, de Maria e dos santos apóstolos, mártires e confessores. Cristo, com efeito, é sol de justiça; Maria, lua de santidade; os santos, estrelas do firmamento, muito mais úteis à santa Igreja no céu com Deus que as estrelas a este mundo natural (tradução livre minha, Marial, p. 409).

São Lourenço de Bríndis, para quem rezo diariamente, tem sido uma dessas estrelas brilhantes que Deus pôs no meu caminho para me indicar por onde seguir em alguns momentos difíceis da minha vida. Recuso-me a dizer quantas vezes, ao recorrer à sua orientação, tenho lembrado das palavras escritas por ele num de seus sermões sobre o Magnificat:

“É próprio de Deus realizar coisas assombrosas” (Marial, p. 309).

A quem interessar, segue a Oração a São Lourenço de Bríndis, que rezo em espanhol, uma das línguas faladas por ele. Rezo-a pedindo sempre as duas coisas destacadas na oração, conselho e fortaleza:

Oh Dios, que para gloria de tu nombre y salvación de las almas otorgaste a san Lorenzo de Brindisi espíritu de consejo y fortaleza, concédenos llegar a conocer, com esse mismo espíritu, las cosas que debemos realizar y la gracia de llevarlas a la práctica después de conocerlas. Por nuestro Señor Jesucristo, tu Hijo, que vive y reina contigo em la unidad del Espíritu Santo y es Dios por los siglos de los siglos. Amén.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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