Se alguém dentre vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a concede generosamente a todos, sem recriminações, e ela ser-lhe-á dada, contanto que peça com fé, sem duvidar, porque aquele que duvida é semelhante às ondas do mar, impelidas e agitadas pelo vento. Não pense tal pessoa que receberá alguma coisa do Senhor, dúbio e inconstante como é em tudo o que faz.

Epístola de São Tiago, 1,5-8

[Bíblia de Jerusalém. Gorgulho, Gilberto da Silva; Storniolo, Ivo; Anderson, Ana Flora (Coord.). Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. 4ª reimpressão.  São Paulo: Paulus, 2006, p. 2107.]

Muita coisa na oração ainda é para mim um mistério. Tenho sempre mais me convencido de que, com a oração, a exemplo do que acontece com quase tudo o que diz respeito à fé, a gente vai sendo esclarecido à medida que pratica. Quem dá início a um projeto sistemático de oração, não demorará muito para constatar a verdade do que digo. Uma das dificuldades decorrentes dessa observação é a resistência a se manter perseverante quando as coisas não acontecem exatamente como a gente inicialmente supunha ou desejava.

O trecho da Epístola do apóstolo São Tiago, acima citado, vem muito a calhar a propósito deste tema. Nele, o apóstolo exorta os destinatários de sua missiva a que peçam a Deus sabedoria. Não raras vezes nos esquecemos de fazer este pedido. E, no entanto, tenho hoje como certo que, em se tratando da oração, a primeira coisa que se deveria pedir a Deus, antes de qualquer outra coisa, seria exatamente isso: sabedoria. Toda oração deveria se iniciar com este pedido, pois somente o dom da sabedoria nos permitiria uma clareza quanto a tudo  mais que se pudesse almejar.

Quanto se faz uma oração solicitando algo, na quase totalidade das vezes supomos que estamos absolutamente certos de que, de fato, estamos necessitados daquilo que pedimos. Ocorre, porém, que isso nem sempre é verdade. Para quem tem o hábito de rezar, se fizer um bom exame retrospectivo de tudo o que já pediu em suas orações, sopesando as vezes em que foi ou não atendido, inevitavelmente concluirá que muitas das preces não atendidas se revelaram, passado algum tempo, um equívoco. O orante, nestes casos, pode até chagar a pensar, como já ouvi de algumas pessoas: “Meu Deus, o que teria sido de mim se aquele pedido tivesse sido atendido?” Conclui-se, portanto, pela verdade da admoestação do apóstolo, instando para que os carentes de sabedoria  a peçam a Deus,  pois esta, seguramente, lhes será concedida.

Isso posto, passaremos ao segundo aspecto explicitado por São Tiago. Trata-se da condição imposta para que a sabedoria solicitada seja concedida: que ela seja pedida com fé. E quanto a isso, o apóstolo não tergiversa nem transige: é preciso convicção, ou seja, pedir sem duvidar de que será atendido. Aqui não se admite dubiedade nem inconstância. Essa, porém, é uma condição que nem todos os orantes estão aptos a cumprir. A propósito dessa dificuldade que muitas pessoas enfrentam na oração, porém, tenho algo a observar.

Pode surpreender a alguns leitores o que vou dizer, mas o fato é que, embora a oração, como sugere o apóstolo, pressuponha a fé e uma convicção inabalável de que se será atendido naquilo que se pede, há um outro aspecto a considerar. Refiro-me a algo que é muito peculiar à oração: o fato de não sentirmos a convicção ou a fé tão apregoadas não deve ser motivo para desistir da oração.

E aqui está a surpresa: o próprio ato de orar vai sedimentando na pessoa do orante a fé e a convicção. É por isso que para muita gente é tão difícil ser fiel à oração, pois, sendo de início vacilantes e dúbios, desistem mal começaram a por os pés no caminho. Para estes, porém, se insistirem em seu projeto estejam certos de que a recompensa é certa, e não tardarão muito a surpreenderem a si mesmos com a mudança de atitude que, automaticamente,  experimentarão em relação ao ato de orar. E, esteja certo, caro leitor, uma vez experimentadas as benesses da oração, abrir mão desse caminho estará fora de cogitação. Nesse caso, diria, não se trata de ver para crer, mas de experimentar para crer.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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