Temos necessidade de um equilíbrio justo e sábio e, muitas vezes, é preciso sacrifício para alcançá-lo. Gevurah é o sacerdote sacrificial dos mistérios. Sacrifício significa a escolha deliberada de um bem maior; é a transmutação da força. A energia psíquica é assim liberada para ser usada no canal escolhido. Gevurah representa a coragem e a resolução que liberta da irresolução e do compromisso fatais, um remédio adstringente para uma ferida aberta que de outra forma infeccionaria.

Dra. Irene Gad

[Gad, Irene. Tarô e individuação: correspondências com a cabala e a alquimia. 2ª. ed. Tradução Elisabete Abreu. – São Paulo: Mandarim, 1996, p. 87.]

No dia 5 de abril de 1939 Jung proferiu, em Londres, uma conferência no seminário do Guild of Pastoral Psychology sobre o tema A vida simbólica. Na ocasião, ao se referir à excessiva racionalização da vida, o psiquiatra suíço se ressentia de que …não temos vida simbólica, logo completando com a assertiva: mas temos necessidade premente dela , pois somente a vida simbólica pode expressar a necessidade da alma – a necessidade diária da alma, bem entendido. A verdade é que, ao atribuir um valor excessivo à racionalidade, outras dimensões da existência, como os aspectos míticos e ritualistas, foram perdendo espaço e sendo esquecidos. Assim, pelo fato de as pessoas não terem isso, dirá Jung, não conseguem sair dessa roda viva, dessa vida assustadora, maçante e banal onde são ‘nada mais do que’.

O resultado é uma existência em que Tudo é banal, tudo é ‘nada mais do que’; e por isso as pessoas são neuróticas. Por fim, conclui Jung: A vida é racional demais, não há existência simbólica em que sou outra coisa, em que desempenho um papel, o meu papel, como um ator no drama divino da vida [Jung, C. G. A vida simbólica: escritos diversos. Tradução de Araceli Elman, Edgar Orth; revisão literária de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette Bonaventura. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. – (Obras completas de C. G. Jung; v. 18/1) III. A vida simbólica, p. 273].

Aprecio imensamente essa perspectiva apontada por Jung, ou seja, a vida vivida como um drama divino na qual cada um de nós desempenha um papel. Essa ótica confere à vida um sentido. Pensando assim, ganhamos a convicção de que a existência tem um objetivo, de que tendemos para uma meta, para um fim. Meta essa que é única para cada pessoa. Isso quer dizer que o papel que desempenho nesse drama divino somente eu posso desempenhar, pois exclusivamente a mim ele foi confiado.

Na perspectiva junguiana, essa meta tem um nome: Individuação. Individuar-se quer dizer desempenhar integralmente e da forma mais completa possível o papel que me foi confiado. Noutras palavras: tornar-me integralmente aquilo que sou, de fato. A Individuação é um processo que vai acontecendo gradualmente, à medida que tomamos consciência do papel que nos foi dado desempenhar no drama divino. Resta-nos, portanto, procurar meios que nos permitam explicitar para nós mesmos que papel é esse.

O Hierofante. Tarô de Aleister Crowley

Existem muitos meios possíveis e eficazes. Um deles, de que mais gosto, é o Tarô. O autor anônimo de Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô, para mim um dos melhores livros já escritos sobre o assunto, afirma: Os Arcanos Maiores do Tarô são exercícios espirituais [Meditações sobre os 22 arcanos maiores do Tarô. Por um autor que quis manter-se no anonimato; prefácio de Robert Spaemann; apresentação de Hans Urs von Balthasar; tradução Benôni Lemos. – São Paulo: Paulus 1989, p. 112. – (Coleção Amor e psique)].

Estou absolutamente de acordo com o autor; é nessa perspectiva que consulto os Arcanos do Tarô. Dialogo frequentemente com os Arcanos, e devo dizer que esse diálogo tem se revelado um meio magnífico de acesso a arquétipos e conteúdos inconscientes. São eles, esses arquétipos inconscientes, que dão as pistas sobre como deve ser conduzido o Processo de Individuação. Eles são a dica que precisamos para ir gradativamente tomando consciência do nosso papel no drama divino.

Uma das figuras com quem tenho dialogado muito ultimamente é o Arcano V. Os tarólogos atribuem a ele diferentes nomes, todos tendo um sentido muito semelhante. O mais comum é o Papa, denominação que lhe é dada no Tarô de Marselha. Mas ele é também denominado o Sumo Sacerdote, o Grande Sacerdote, o Hierofante e o Pontífice. Gosto especialmente deste último nome, que significa construtor de pontes.

O Pontífice, pode-se afirmar, é tanto um construtor de pontes entre o sagrado e o profano, quanto entre as diferentes perspectivas espirituais e religiosas. A propósito deste Arcano, afirma a psicóloga junguiana Irene Gad:

O Grande Sacerdote representa autoridade espiritual, ensinamentos orais e escritos, conhecimento religioso. Os homens têm o dever de agir de acordo com essa lei divina, e a energia material concede realidade aos seus atos no momento presente. A lei universal é o fio condutor de toda a atividade, e a espiritualidade serve como ligação entre o absoluto e o relativo, entre o eterno e o temporário. A ação assim torna-se congruente com o conhecimento (Tarô e Individuação, p. 85).

O diálogo com O Grande Sacerdote tem me proporcionado insights maravilhosos.

[Dedico este texto com muito respeito e admiração e, especialmente, com profunda gratidão, ao professor Horácio Dídimo.]

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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