A mídia ofereceu a participação do homem na coletividade, sintonizando-o com a informação para conter qualquer radicalidade perante a sua crise de essência diante do Cristianismo, o Marxismo e o Existencialismo. Trata-se da domesticação (via bestialização) do humano pela mídia, interferindo no seu caráter criador/seletor. Acrescenta Sloterdijk (2002), os meios de comunicação assumiram a tarefa, pertencida a educação, de criar outros seres humanos baseando-se na sua relação com a própria ideia/imagem do que é humano. Incluindo, sutilmente, um exercício político e uma percepção sempre dada como esclarecida.

Luciano Gonzaga van der Ley

[Luciano Gonzaga van der Ley. Do Cinismo ao Fascismo: o Gozo. In: Revista da Academia Brasileira de Psicólogos Escritores: Psicologias em Reflexão. V. 1, n. 2, agosto de 2017 – Premius Gráfica e Editora: Fortaleza, 2017, p. 114.]

Recebi recentemente do colega Luciano Gonzaga van der Ley um exemplar da revista Psicologias em Reflexão. A revista, uma publicação da Academia Brasileira de Psicólogos Escritores, é composta por doze artigos. Pode-se salientar como uma das características da publicação a diversidade de assuntos tratados ao longo de suas 245 páginas, como se pode constatar pelos títulos dos artigos, a seguir elencados:

A Dimensão Psíquica do Racismo (Luciano Gonzaga van der Ley, Leandro Pinto Xavier); A Problemática do Uso de Drogas na Adolescência (Maria Elismar de Paula Nepomuceno Santander); Assertividade: Desenvolvimento Emocional e Comportamental na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) (Francisco de Assis Almeida Filho, Lívia Maria Eugênio Lopes, Arnislane Nogueira Silva); Captando o Aqui e Agora: Diálogos sobre a Psicologia e Ato de Fotografar (Lisiane Forte); Do Cinismo ao Fascismo: o Gozo (Luciano Gonzaga van der Ley); Neurofeedback no Tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (Marcelo Franco e Souza, Carlos Eduardo de Souza Menezes, Francisco Bruno Costa Ceppi, Sarah Teófilo de Sá Roriz); Notas sobre a Transferência e a Hipótese Diagnóstica: Um Estudo de Caso (Iane Pinto de Castro); O Homossexual e o seu Processo de Escolha Profissional (Janaína Mariano Gonçalves de Albuquerque); Performatividade, Corpo e Gênero: Drag Queen (Luciano Gonzaga van der Ley, Osmar Gonçalves dos Reis Filho); Psicodiagnóstico Clínico Interventivo no Transtorno do Espectro Autista (Tea): Desenvolvendo Habilidades Sociais (Eveline de Weimar Chaves Medeiros, Cristiane Maria Gondim Vasconcelos); Saúde da Mente: a Importância da Qualidade dos Pensamentos (Rafaela Bernardo dos Santos); Terapia Cognitivo-Comportamental para Transtorno de Personalidade Antissocial (André Flávio Nepomuceno Barbosa, Catarina Nívea Menezes, Arnislane Nogueira Silva).

Ao compulsar as páginas da revista, dois artigos me despertaram particular interesse. Num deles, intitulado “Captando o Aqui e Agora: Diálogos sobre Psicologia e Ato de Fotografar”, a autora, a psicóloga e fotógrafa Lisiane Forte, toma como ponto de partida uma instigante citação do fotógrafo Henri Cartier-Bresson: “De todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa para sempre o instante preciso e transitório. Nós, fotógrafos, lidamos com coisas que estão continuamente desaparecendo e, uma vez desaparecidas, não há mecanismo no mundo capaz de fazê-las voltar outra vez. Não podemos revelar ou copiar uma memória” (p. 75).

Feita a citação, escreve a autora: “Esta frase, tão gestáltica, é atribuída ao fotógrafo, pai do fotojornalismo e desenhista francês, Henri Cartier-Bresson (1908-2004), um dos fundadores da agência Magnum Photos. O `instante decisivo´ de Bresson não é somente o ato de registrar uma imagem, vai muito além do que é ´flagrado`, fragmentando-se a realidade em um recorte da própria subjetividade. Essas partes que fazem parte de um todo e, que contam histórias”. E conclui a abertura do artigo com uma indagação que será o leitmotiv de sua reflexão: “Será que ele, como fotógrafo, de sensibilidade dominante e grande admirador do surrealismo, retratava a existência humana num momento preciso e transitório?” (p. 75).  

O outro artigo, de autoria de Luciano van der Ley, tem como título “Do Cinismo ao Fascismo: o Gozo”. Nele, o autor, tendo como referência alguns conceitos psicanalíticos, mas esteando-se também em diversos autores, dentre os quais o filósofo alemão Peter Sloterdijk, estabelece uma interessante relação entre o Cinismo e o Fascismo na contemporaneidade. Uma reflexão extremamente atual e necessária, particularmente aplicável à tenebrosa situação vivida atualmente pelo nosso vilipendiado Brasil. Veja-se, a propósito, o seguinte trecho, que me levou, inevitavelmente, a pensar nos políticos que gerem nesse momento o destino da nação:

“O Cinismo é um regime peculiar de funcionamento do poder e da ação social que modifica a estrutura da racionalidade na dimensão da práxis. Quanto mais uma sociedade se vê sem alternativas, mais ela se orienta por uma racionalidade cínica e à exceção. A realidade, quando se contrapõe aos critérios de justificação, não será levada a sério, deverá ser invertida e pervertida. O Cinismo sustenta-se nesta paradoxal discordância legitimada, ou seja, na contradição entre aquilo que faço e aquilo que digo” (p. 108).

Por fim, vale destacar que a revista é aberta à colaborações de profissionais da área, não se limitando aos membros da Academia Brasileira de Psicólogos Escritores, conforme explicitado pelo presidente do Sodalício, Francisco de Assis Almeida Filho, na Apresentação: “Assim, aguardamos dos nossos prezados leitores, colaboradores e membros da Academia, feedbacks e contribuições para o próximo volume”. Aos interessados, segue o e-mail para contato com a ABPE: academiabrasileiradepsicologos@gmail.com.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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