Eu sou de um tempo mais que solar / Porque eu sou banto / De bandeira branca / Pra evoluir e sempre melhorar / E reverenciar o presente do existir / Dançar a qualquer tempo / O carnaval é dentro de si

[Pingo de Fortaleza. De Um Tempo Mais Que Solar]

Talvez para muita gente poucas vezes na vida a questão do tempo tenha se tornado tão presente quanto neste ano de 2020. Obrigados a uma quarentena que nos confinou a todos dentro de casa, devido à pandemia do coronavírus, muitos de nós fomos surpreendidos com uma questão que nunca dantes se pareceu tão devastadora: o que fazer com o tempo? Se a falta de tempo aparecia como um dos grandes problemas da contemporaneidade, de repente fomos surpreendidos com o excesso de tempo.

O fato é que sobrou tempo. O que antes era falta se tornou excesso e ficamos todos sem saber como proceder para fazer fluir uma vida que se tornou estanque. É como se o tempo, que rotineiramente parecia tão rápido e fugaz, agora não já não passasse, arrastando-se como uma serpente lenta e voraz que a todos devora, precipitando-nos numa insuportável rotina que não tem fim.

Pois bem, essa premente questão, que para tantos se tornou motivo até de distúrbios de saúde, para outros se converteu em fonte de inspiração. Dentre estes últimos, se inclui o cantor e compositor Pingo de Fortaleza, que tomou o tempo como o deus a ser reverenciado por meio de uma bela Loa que embalará os brincantes do Maracatu Solar no Carnaval de 2021.

A Loa, que tem por título De Um Tempo Mais Que Solar, foi lançada oficialmente sábado passado, dia 20 de novembro, em transmissão ao vivo pelo canal do Maracatu Solar no youtube. Bem antes das 20h, eu já estava a postos aguardando com expectativa o momento previamente anunciado nas redes sociais. Aos poucos as pessoas iam chegando e registrando sua presença. Foi interessante, para mim, já neste momento, observar as reações das pessoas. Um escrevia: “Estou aguardando com ansiedade”. Outro: “Pingo, cadê você?” Outro, ainda: “O link mudou?” E eu só observando, sem saber ao certo o que estava acontecendo.

Iniciada a transmissão, Pingo cantou algumas loas de carnavais anteriores. Depois, dando início ao momento mais esperado, entoou os versos que diziam:  “Ao Tempo nós vamos cultuar / Um altar para esse tempo / O tempo nós vamos venerar / Nzara Tempo (glória ao tempo) eu sou D’Angola”. Reparando na letra da Loa, pensei: que maravilha! Naquele momento, tive um insight bem interessante. Antes do início da transmissão, eu tivera uma pequena amostra do que é o tempo, a matéria daquela Loa. Pelas reações demonstradas nas mensagens enviadas pelo chat, concluí que ali estavam pessoas mostrando como lidam com o tempo da espera. Embora ninguém tivesse consciência disso, pois tantos outros, como eu, não sabiam ainda do que tratava a Loa, o próprio momento da espera nos proporcionara a oportunidade de experimentar um pouco de como lidamos com essa coisa misteriosa e essencial, o tempo.

Nesses tempos de pandemia, o tempo de espera tem sido a pedra de toque da vida de todos nós. Mais que tudo, porém, necessário se faz que se converta esse tempo de espera em tempo de esperança, pois, por mais demorada e difícil que possa parecer, essa dor que ora nos assola e acomete um dia vai cessar, afinal, “Aquele que dá / Aquele que tira / Só ele faz passar / Todas as dores.”

Para concluir, resta dizer que, embora não possa assegurar que iremos para a avenida, posso garantir que teremos carnaval, pois desde já fica decretado que, de uma forma ou de outra, “o carnaval é dentro de si”, e o tempo, seja ele de que natureza for, não há de ser um empecilho para a folia, afinal “Eu sou de um tempo mais que solar.”

Enquanto aguardamos fevereiro, sigamos alegremente solarizando nossos dias, reverenciando o divino e encantador Nkisi Tempo com a bela Loa que as vozes do Maracatu Solar hão de entoar em uníssono. 

Veja a Loa no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=o1CPiMxTCCw

 

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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