Reprodução da coluna “Política”*, edição de 24/11/2016 do O POVO.
A pedalada de Geddel e o terremoto que se avizinha
O espanto do ministro Geddel Vieira Lima pelo risco de deixar o cargo devido às suas malasartes é um retrato da elite política brasileira, que imagina o Estado como um objeto criado para servi-la. “Vou deixar o cargo por isso? Pelo amor de Deus”, exclamou depois que veio à tona a pressão (ou “ponderações”) que fez sobre o demissionário ministro da Cultura, Marcelo Calero, para que este mudasse um parecer do Iphan, limitando a altura de um edifício em área tombada, no centro de Salvador. Dos 13 andares autorizados, Geddel queria pular para 30. Ou seja, o ministro quis dar uma pedalada para esticar o tamanho do prédio
ESPANTO
Acredito, de verdade, na sinceridade do espanto do ministro. Afinal, qual o problema em misturar o público com o privado? Esses caras vêm fazendo isso há tanto tempo que nem sabem mais como separar um negócio do outro. O nome disso é patrimonialismo, um jogo amplamente praticado pela cordial e despachada elite brasileira.
PARENTES
Para completar, o jornal Folha de S. Paulo informa que são parentes de Geddel (um deles sócio do ministro em um restaurante) os representantes do empreendimento na ação contra o Iphan, o instituto que embargou a obra. Descobriu ainda que outras pessoas da família também compraram apartamento no edifício. O valor de uma unidade no La Vue é de R$ 2,6 milhões, na planta. O de Geddel seria um triplex?
VAI TER MAIS
E vão surgir mais informações sobre esse personagem, negociador da reforma da Previdência, feliz aposentado desde os 51 anos de idade (R$ 20.300 por mês); ministro da Secretaria de Governo (mais R$ 30.900) e “homem de confiança” de Temer. Geddel vai aparecer na Lava Jato, na “colaboração premiada” de Marcelo Odebrecht, como beneficiário de “financiamento” para suas campanhas políticas.
TERREMOTO
Mas nesse caso, Geddel não estará só: à direita terá a companhia do próprio chefe, Michel Temer; e à esquerda, verá o ex-presidente Lula, do Partido dos Trabalhadores, cujo governo ele ajudou a derrubar. A delação de Odebrecht, acompanhado de 78 de seus executivos, deverá pôr na roda o nome de mais ou menos 200 políticos. Será um terremoto de proporções épicas.
VIAJANDO COM DINHEIRO DA SAÚDE
Dados do Portal da Transparência mostram que, desde março de 2012, o governo do Estado gastou R$ 20,567 milhões em passagens aéreas nacionais e internacionais usando recursos do Fundo Estadual de Saúde (FES). A informação foi divulgada ontem, na Assembleia Legislativa, pelo deputado Heitor Férrer (PSB). Ele fez as contas e chegou ao gasto de R$ 14 mil por dia com passagens compradas na rubrica do FES.
MINISTÉRIO PÚBLICO
Heitor Férrer costuma ser rigoroso nas denúncias que apresenta, seus discursos são calçados em provas e documentos. Ele vai entrar com representação no Ministério Público e no Tribunal de Contas do Estado pedindo investigação.
A propósito, foi Heitor quem levantou a lebre do ISGH, a “organização social” que é praticamente a secretaria da saúde de Fortaleza (e do Estado), e que tanta dor de cabeça deu a Roberto Cláudio durante a disputa eleitoral.
HIPOSSUFICIENTE
A Justiça negou a medida liminar, pedida em ação civil da Defensoria Pública, para liberar o trânsito de carros da Uber em Fortaleza. O quadro somente ficará completo se a Justiça, no mérito da questão, ratificar o direito inalienável da Prefeitura em organizar o transporte urbano. Enquanto isso, a Defensoria Pública continua defendendo a “hipossuficiente” Uber.
(Correção. Na coluna de ontem atribuí a “Letícia Lopes” a matéria a respeito do encontro do PT com seus candidatos eleitos. O nome correto da repórter, autora do texto, é Letícia Alves.)
*Em substituição ao titular Érico Firmo, que está de férias.
1.
pedalada de Geddel
Como diz Gurovitz, É escandalosa a permanência do ministro Geddel Vieira Lima no governo, mas usar o termo pedalada pode passar a impressão de que os crimes de Dilma foram leves.
2.
um jogo amplamente praticado pela cordial e despachada elite brasileira.
infelizmente até os que não eram da elite assumem esses mesmos erros e defeitos quando passam a ocupar alguns cargos, como o ex-presidente Lula.
3.
feliz aposentado desde os 51 anos de idade
E alguns ainda querem manter esses absurdos privilégios e não aceitam reformas da Previdência, lembrando que Temer também se aposentou cedo.
4.
cujo governo ele ajudou a derrubar.
A própria Dilma e os petistas colaboraram muito mais.
5.
a Defensoria Pública continua defendendo a “hipossuficiente” Uber
São os absurdos e contradições que deixam o povo cada vez mais descrente das instituições e confia cada vez mais na Imprensa.
Tal como políticos que se dizem progressistas ou defensores de pobres e excluídos, mas só votam para manter privilégios como aposentadoria, auxílios e Fundo Partidário, sem nada cobrar para saúde e educação.
A sorrateira manobra para a anistia de caixa 2 está em andamento.
denúncia Já!!!
Será mesmo que a única competência da Defensoria Pública se resume à defesa dos hipossudicientes? É o que significa ser hipossudiciente? Eu sei que esse termo não se refere peremptoriamente aos pobres.
Para esclarecer o assunto, recomendo o brilhante texto abaixo:
para o Defensor Público, que não costuma hibernar num gabinete refrigerado e tampouco se estatelar no berço esplêndido das prerrogativas de um cargo, os mariscos têm nomes, rostos e dores. A sociedade para este Agente Político do Estado não é meramente fictícia. São pessoas de verdade, que batem à sua porta todos os dias e clamam por ajuda imediata.
Quando um trabalhador, que depende do exercício regular de uma ocupação lícita, se vê impedido de continuar buscando os meios de subsistência de sua família – inclusive com ameaças à sua integridade física -, não se pode ter dúvida de que estamos diante de um incontestável caso de violação do valor máximo da Constituição Brasileira, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, e não uma simples disputa comercial.
Neste particular, subleva destacar o novo perfil constitucional da Defensoria Pública, introduzido pela Emenda 80 de 2015, na qual o constituinte derivado pretendeu sepultar o ultrapassado entendimento de que os Defensores seriam advogados (dos pobres), firmando, de uma vez por todas, sua condição de agente político de transformação social.
Assim, o artigo 134 da CF/88 passou a ter a seguinte redação:
“Art. 134 – a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.” (grifei)
Em linha de princípio cabe ressaltar que a disposição constitucional acerca das funções institucionais da Defensoria Pública, utilizou a expressão “incumbindo-lhe (…), fundamentalmente, (…)”. Ora, poderia o constituinte ter engendrado a expressão “incumbindo-lhe (…), exclusivamente, (…)”. Se não o fez, foi porque desejou que as incumbências tratadas no art. 134 fossem meramente exemplificativas.
Assim, não há óbice para que lei infraconstitucional amplie o rol da atuação da Defensoria Pública, a qual não fica adstrita apenas a atuação em favor dos necessitados do ponto de vista econômico, embora permaneça como obrigação precípua e fundamental, mas não única e exclusiva.
As misérias humanas, não somente as decorrentes da escassez de recursos econômicos, multiplicam-se a cada dia, exsurgindo vulnerabilidades de sentidos os mais diversos, sendo certo que a Defensoria Pública tem muito a contribuir para a sociedade neste aspecto. Não há outra interpretação possível, sob pena de violação da vontade da própria Constituição.
Portanto, o caminhar institucional no sentido da proteção dos vulneráveis do ponto de vista organizacional, e até mesmo a solução legislativa engendrada pela LC 132/2009, autorizando a atuação da Defensoria quando diante de dano coletivo potencial às pessoas socialmente vulneráveis, estão totalmente cobertos pela novel disposição constitucional, não havendo qualquer problema que no seu atuar sejam beneficiadas, reflexamente, pessoas que não careçam de recursos econômicos.
Diga-se, por derradeiro, que após o revestimento de novo perfil constitucional, passa a Defensoria a figurar como instituição permanente, donde ressai indene de dúvidas que mesmo com o cumprimento do Estado brasileiro de sua finalidade de erradicação da pobreza (art. 1º, CF/88), a instituição seguirá em suas demais missões.
Eis mais um fundamento para se afastar a visão minimalista, a qual tenta represar a Defensoria num campo diminuto, atuando seus membros apenas, conforme pejorativamente costuma-se dizer, como ‘advogados dos pobres’. Fosse essa a vontade da Constituição, não poderia a instituição galgar status de instituição permanente, sob pena de se admitir que o objetivo propugnado nunca seja alcançado, o que é um despautério.
A missão institucional é muito mais ampla, mormente na promoção dos direitos humanos, onde se encontra o ponto nodal do caso UBER. Ora, trata-se de um coletivo sem representação associativa, que não possui vínculo trabalhista com o famigerado aplicativo e que, além de todos os traços de vulnerabilidade retro dispostos, vêm sendo engolidos pelo lobby de uma categoria (também vulnerável) já há muito entregue aos mandos das cooperativas, estas sim, grandes conglomerados comerciais que lutam para manter hígidos seus monopólios. Tudo sob as bênçãos do Poder Público, que se rende ao discurso fácil de que os motoristas do UBER representam “táxis piratas”.
E nem se diga que o conceito de vulnerabilidade é uma invenção defensorial. O conceito se encontra previsto, inclusive, nas 100 Regras de Brasília. Tais regras foram elaboradas no espaço de articulação das Cortes Superiores de Justiça dos países Iberoamericanos, denominado Cúpula Judicial, e aprovadas por ocasião da XIV Cúpula Judicial Iberoamericana, celebrada em março de 2008, em Brasília (Brasil).
O referido documento, reconhecido por instituições essenciais na administração da justiça no cenário iberoamericano, alinha diretrizes que têm como escopo fomentar política judicial que atenda às especificidades de grupos vulneráveis, de acordo com a normativa internacional dos direitos humanos, respeitadas as diferenças no marco da igualdade. No Capítulo I, Seção 2ª, que trata sobre os beneficiários das regras, o documento descortina o conceito de vulnerabilidade, destacando: “Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão da sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico”.
Assim, a atuação está referendada, não só pelo interesse mediato dos consumidores que terão seu direito de escolha garantido por uma maior liberdade de concorrência, mas bem como pela imediata violação do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, sendo a Defensoria Pública a única instituição com previsão constituição de promoção dos direitos humanos, é impróprio e absolutamente antijurídico pretender tolher esta atuação.
Para aqueles com verdadeira proximidade com os grupos socialmente vulneráveis e com aguçada percepção da realidade, a violação da dignidade da pessoa humana é mais do que (UBER) suficiente para referendar a brilhante atuação da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.
Fonte: https://www.google.com.br/amp/s/fabioschwartz.com/2015/12/08/quando-a-dignidade-da-pessoa-humana-e-uber-suficiente/amp/?client=ms-android-samsung
A atuação da Defensoria Pública não é no sentido de defender a empresa ”UBER”, mas tutelar a defesa dos interesses coletivos daqueles que querem trabalhar. É preciso, penso eu, insurgir-se contra o monopólio do transporte público individual de modo a estabelecer um ambiente concorrencial que traga benefícios para o usuário.