O jeito mineiro de ser não impediu Fernanda Takai de se tornar uma das estrelas da música brasileira moderna. pelo contrário, ela até usa bem bem essa timidez como arma de sedução no palco. Transitando sem esforço entre o rock e a bossa nova, a cantora e compositora nascida em Amapá que tornou-se o rosto e a voz do Pato Fu veio a Fortaleza contar sua história na estreia do Palco Brasil.

Realizado ao longo de três fins de semana na Caixa Cultural, o projeto traz artistas brasileiros para contar histórias e lembrar canções que marcaram sua trajetória. Fernanda abriu os trabalhos neste fim de semana, com apresentações de sexta, 24, a hoje, 26. Depois será a vez de Zélia Duncan (1 a 3 de dezembro) e Paulo Miklos (8 a 10 de dezembro). Por email, Fernanda Takai adiantou um pouco da conversa, com exclusividade, para o DISCOGRAFIA.

DISCOGRAFIA – Você vem a Fortaleza num projeto que mistura canções com um bate-papo sobre sua vida. No entanto, você sempre se manteve muito discreta em relação à intimidade. É muito difícil manter esse limite entre as vidas pública e íntima quando todos estão com câmeras fotografando e filmando os artistas dentro e fora do palco?
Fernanda Takai – Esse formato foi proposto pela curadoria do projeto. Costumo fazer bate-papos nos eventos literários dos quais participo, mas sem o violão à mão. O meu perfil discreto naturalmente já afasta determinadas demandas da vida pública, então fica mais tranquilo seguir uma agenda mais confortável pra mim. Aprendi a dizer não educadamente, desde cedo.

DISCOGRAFIA – Esse ano sua carreira solo completa 10 anos e o Pato Fu, 25 anos. Que proporção esses trabalhos ocupam na sua vida, agenda, preocupações, hoje?
Takai – É tudo misturado, pois mesmo em carreira solo, eu continuo sendo a interface principal do Pato Fu. John divide muito comigo essa parte, claro. Mas não deixo de cuidar pessoalmente da banda. Nossas agendas são abertas, os eventos são marcados e respeitados com antecedência.

DISCOGRAFIA – Ter gravado Nara Leão no disco de estreia acabou te trazendo para perto da Bossa Nova e você se tornou uma espécie de renovadora do gênero. Qual era e qual é sua relação com esse gênero musical? Você já esperava essa proximidade com a Bossa quando recebeu o convite para o disco Onde Brilham os Olhos Seus?
Takai – Aproximar-me mais da bossa nova foi muito bom! Gosto muito do gênero e acho um privilégio ter grandes nomes ainda em atividade, gravando, compondo, fazendo turnês e viajando o mundo. Nada do que faço acaba tendo um só DNA. Minha intenção é justamente aumentar a diversidade através de misturas elegantes.

DISCOGRAFIA – O Pato Fu nasceu quando o rock nacional ainda respirava bem com o boom dos anos 80. No entanto, o último disco autoral da banda, Não Pare Pra Pensar, foi lançado numa época em que o rock nacional vem vivendo um declínio de popularidade. Como você analisa essa cena musical hoje, para quem faz o tipo de música que você faz dentro e fora do Pato fu?
Takai – As cenas são mesmo cíclicas. Quem faz música com uma intenção a longo prazo acostuma-se logo a isso. Só posso dizer que não deixamos de compor as nossas canções, fazer os shows e projetos nos quais acreditamos como artistas. Há bandas de todo o tipo e gênero, só que a visibilidade maior acaba acontecendo para uns poucos e de um mesmo segmento. Esse tipo de coisa influencia mal os ouvintes e também quem pensa em começar… Fica tudo muito parecido.

DISCOGRAFIA – Além dos trabalhos de banda e solo como compositora, você tornou-se uma das intérpretes mais requisitadas do Brasil, sempre sendo chamada para projetos especiais. Desses convites, queria que você destacasse alguns que foram mais marcantes.
Takai – Ter sido a voz protagonista do espetáculo Aventuras de Alice no País das Maravilhas, do grupo Giramundo, além de ter criado algumas canções inéditas especialmente para ele, foi algo novo pra mim. Cantar com o Duran Duran em três cidades diferentes foi um sonho de fã realizado. Produzir um livro infantil digital com música que ganhou recentemente o Prêmio Jabuti na coleção Kidsbook do Itaú e que agora sai em papel pela editora do Sesi-SP, é um outro aspecto da carreira que me dá muita satisfação e reconhecimento.

https://www.youtube.com/watch?v=pzUlorOKqOs

DISCOGRAFIA – Você declarou publicamente apoio a Dilma Rousseff na época do impeachment. Como você avalia o Brasil que se seguiu após esse episódio?
Takai – Uma nau sem rumo, em águas turvas, cercada de tubarões por todos os lados. Infelizmente, abriram-se as portas para uma involução no campo social, educacional, pesquisa científica, ecológica, trabalhista…

DISCOGRAFIA – Um dos fatos mais marcantes do Brasil atual é a perseguição que algumas obras, artistas e exposições sofreram por parte de alguns grupos. Como você analisa esses episódios? Deve existir um limite para as artes?
Takai – Arte limitada, censurada, é algo tão incongruente… Os episódios ganharam peso demais e um apoio inacreditável de certas empresas e grupos que hoje estão meio perdidos frente à opinião pública. Querem estar bem no mercado, mas não bancam suas próprias escolhas. Parece que tudo é um grande Big Brother.

DISCOGRAFIA – O último lançamento do Pato Fu foi o segundo volume do Música de Brinquedo. Sete anos separam os dois discos e sua filha Nina, que canta no primeiro, já é uma pré-adolescente. De que forma essa passagem de tempo e experiência como pai e mãe mudou a concepção do disco?
Takai – O repertório do Música de Brinquedo 2 é mais ousado, eu diria. Há canções que tocam em temas mais controversos e a criança atual lida com eles com mais clareza que no passado. Nesses sete anos, a diferença maior é como a tecnologia se tornou mais presente na vida de todos. Mas vejo que a forma como nos sentimos e agimos como pais é bem parecida. Gosto muito da seleção de músicas que fizemos e do show que está prontinho pra viajar por todo o país.

DISCOGRAFIA – Sua carreira solo – e com o Pato Fu também – sempre foi marcada por misturas e influências muito variadas. Analisando o que você vem ouvindo, compondo e planejando, sua música está indo mais para um lado Padre Zezinho, Reginaldo Rossi ou The Police?
Takai – Mesmo que eu soubesse, não contaria… Faz parte de nossa forma de trabalho produzir e só depois divulgar. E mesmo que algumas pistas sejam dadas, elas nunca entregam o todo. É preciso ouvir e não ter pressa.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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